Visita na obra: Os desafios de engenharia na construção da Transnordestina

Visita na obra: Os desafios de engenharia na construção da Transnordestina

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Cerca de 280 km de obras estão em andamento no trecho que cruza o interior do Ceará, correspondente à Fase 1 da ferrovia Transnordestina. A construção envolve a realização de dezenas de pontes e viadutos e a mobilização de milhões de m³ de escavações em rocha. O que demanda uma complexa logística para transportar trabalhadores, equipamentos e insumos a trechos remotos, em um território marcado por vales e extensas áreas rochosas e de caatinga, impondo à obra desafios técnicos de grande escala.

Renan Carvalho, diretor presidente da Marquise Infraestrutura, responsável pelas obras, afirma que a empresa está à frente da etapa mais desafiadora do projeto, que envolve a execução de passagens de nível, escavações, transporte de rochas, implantação de sistemas de drenagem, terraplenagem e a construção de pontes e viadutos. “Contamos com 160 frentes de serviço simultâneas em operação ao longo da ferrovia e 40 bases de apoio operacional, incluindo refeitórios e áreas de convivência para os operadores de campo”, diz o executivo.

Segundo ele, atuam na construção aproximadamente 2.500 trabalhadores, sendo que 80% da mão de obra é local, contratada com apoio do SINE–CE/IDT. “Todos os funcionários passam por treinamento antes de iniciarem suas atividades compreendendo as melhores práticas dos serviços, código de ética e conduta, segurança do trabalho, preservação ambiental e operação de equipamentos”, assinala.

A obra conta com 800 equipamentos da linha amarela em atividade, entre tratores, escavadeiras, compactadores e motoniveladoras, além de caçambas traçadas e 160 veículos de apoio, que incluem cerca de 100 ônibus para transporte de trabalhadores, caminhões, pickups, máquinas de solda e ambulâncias. “Já foram consumidos 40 milhões de litros de diesel para as mais diversas atividades”, relata Carvalho.

No trecho que avança pela caatinga cearense, as etapas construtivas envolvem desde a perfuração para desmonte de rocha, escavação em rocha de primeira e terceira categorias, britagem por britador fixo e móvel e 280 km de terraplenagem (cortes e aterros). São números superlativos, como salienta o diretor presidente. “Enfrentamos diversos desafios para avançar sertão adentro. Realizamos uma detonação de rocha por dia, que corresponde, em média, a 20 mil m³ de material. São 800 mil m³ por mês de rocha, o equivalente a um Pão de Açúcar desmontado a cada 45 dias. Essa quantidade de rocha encheria um Maracanã por mês”, compara.

Carvalho lembra que, principalmente por questões de segurança, todo explosivo utilizado nas detonações é entregue diariamente. “Não temos paiol, pois o estoque desse tipo de produto é muito perigoso. Uma empresa contratada especialista nessa atividade envia diariamente os caminhões para local que vai utilizar o explosivo. Não guardamos nada”, salienta.

Até agora, foram realizados 18 milhões de m³ de escavações em rocha e mais de 13 milhões de m³ de terraplenagem, com outros 11 milhões de m³ previstos para os próximos lotes. Foram executados, ainda, 25 milhões de m³ de corte e 26 milhões de m³ de aterro. O consumo de cimento supera as 70 mil toneladas – o equivalente a 1,4 milhão de sacos de 50 kg –, enquanto mais de 18 mil toneladas de aço já foram incorporadas às obras. Boa parte desse material foi empregada na construção de 25 viadutos e 30 pontes, que correspondem a cerca de 1 km de vias, além de 26 mil metros de bueiros e galerias. A maior ponte, com 239,6 metros passará sobre o rio Quixeramobim, afluente do rio Banabuiú, o maior da região.

“A maior parte dos lotes da Fase 1 é marcada pela presença de solo em rocha, além de grandes talvegues, passagens em mananciais e obras de arte de grande porte. Uma das dificuldades dessa região é a pouca disponibilidade de água, insumo que utilizamos bastante. Estamos no sertão, sendo assim, não podemos retirar água dos rios. Então, ao longo do trecho fizemos vários poços e também arrendamos açudes particulares para atender as nossas necessidades”, explica Carvalho.

Já o lote 11 apresenta condições bem diferentes dos demais trechos. Ao longo de seus 30 km, o desafio está em vencer os solos arenosos próximos ao Porto de Pecém, que possuem baixa capacidade de suporte e grande variação volumétrica – expandem quando úmidos e retraem quando secos –, o que pode gerar recalques diferenciais, instabilidade e deformações na via permanente. “Aqui lidamos com um terreno típico de praia e dunas móveis. Nesses casos, não é possível apoiar a ferrovia diretamente sobre a areia fina. É necessário remover a duna e substituir o material por um solo mais argiloso, trazido de fora, que é então compactado até atingir o grau de resistência exigido para as camadas de base da ferrovia”, esclarece o diretor presidente, lembrando da importância da questão ambiental. “É fundamental realizar o manejo adequado das dunas, pois o processo exige grande sensibilidade no tratamento ambiental desta região.”

As escavações do lote 11 giram em torno de 700 a 1.000 m3, o que não é muito se comparadas com demais trechos, segundo Carvalho. “Há, proporcionalmente, correções menores do traçado e aproveitamos o material retirado de um local e aplicamos na área que precisa. Não existe bota-fora, tudo é reaproveitado”, diz. Já nos locais onde passava uma antiga estrada de ferro, os trilhos são todos retirados e o solo é retrabalhado para a nova ferrovia, que receberá trens mais pesados. No trecho, serão construídos quatro pontes e viadutos, um deles substituindo o atual que passa sobre uma rodovia estadual.

Outro desafio desse lote é a proximidade com a área urbana e com parque industrial próximo. “São mais de 90 interferências, com pequenos cruzamentos de energia de baixa tensão até cruzamento com altíssima tensão, adutoras que levam água para o porto e para as indústrias, tem redes de gás passando, vários cruzamentos de fibra ótica, é muito complexo lidar com tudo isso”, pontua Carvalho. “E uma ferrovia tem pouca margem para desvios, seja horizontalmente ou verticalmente”, completa.

Um dos destaques na agilização da pavimentação ao longo da ferrovia foi a adaptação de uma pavimentadora de asfalto. “Construir a forma de cimento e brita ao longo de mais de 200 km seria inviável. Adaptamos a pavimentadora de asfalto para mecanizar o trabalho: o caminhão betoneira despeja o concreto na máquina, que lança, vibra e deixa a superfície pronta. O acabamento fica excelente; depois, é só complementar com brita para instalar os dormentes e os trilhos”, explica o diretor-presidente.

FASE 1 SERÁ INAUGURADA EM 2027

A Transnordestina foi inicialmente planejada para conectar o cerrado piauiense aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE), formando um traçado em “T” invertido. A concessionária Transnordestina Logística S.A. (TLSA), pertencente ao grupo CSN, dividiu a construção em três etapas: a Fase 1 correspondia ao maior trecho, com cerca de 1.040 km, entre o Porto do Pecém e São Miguel do Fidalgo (PI), passando por Salgueiro; a Fase 2 saía de Paes Landim até Eliseu Martins, ambos no Piauí, um trecho de 166 km; e a Fase 3 ligava Salgueiro ao Porto do Suape – um trecho de 544 km inteiramente em Pernambuco –, perfazendo os 1.750 km.

Em dezembro de 2022, a TLSA formalizou a devolução do trecho pernambucano, alegando inviabilidade econômico-financeira. Com isso, o projeto foi reconfigurado para um traçado em “L” invertido, priorizando a conexão entre Eliseu Martins e o Porto de Pecém. Essa configuração permanece com a TLSA. O ramal pernambucano foi retomado na atual gestão federal e inserido no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), com orçamento inicial de R$ 450 milhões para sua continuidade.

Da Fase 1, 676 km já foram concluídos, o que corresponde a cerca de 75% do total, cuja finalização está prevista para 2027. Dividida em 11 lotes, essa etapa teve três deles concluídos em 2024: 1 (Missão Velha-Lavras da Mangabeira), 2 (Lavras de Mangabeira-Iguatu) e 3 (Iguatu-Acopiara). Outros cinco estão em obras: os lotes 4 (Acopiara-Piquet Carneiro) e 5 (Piquet Carneiro-Quixeramobim), com inauguração prevista ainda para este ano; os lotes 6 (Quixeramobim-Quixadá), 7 (Quixadá-Itapiúna) e 11 (Caucaia-Porto de Pecém), tem entrega entre 2026 e 2027; além do lote 8 (Itapiúna-Baturité), que foi recém contratado, programado para 2027. Segundo a TLSA, para concluir a Fase 1 ainda é preciso contratar os lotes 9 (Baturité-Aracoiaba) e 10 (Aracoiaba-Caucaia), que somam 97 km.

Já Fase 2 está com 35% de execução e as obras do trecho correspondente a essa etapa serão reiniciadas no primeiro semestre de 2026 e concluídas em 2028. Com as duas fases concluídas, a Transnordestina terá 1.206 quilômetros de trilhos cruzando o Sudeste do Piauí, o Oeste de Pernambuco e o Ceará, chegando ao Porto de Pecém. Feita com recursos da TLSA, Infra S.A., Finor, BNDES, BNB e SUDENE, o investimento total da obra atinge R$ 15 bilhões, dos quais cerca de R$ 8,2 bilhões já foram aplicados. A ferrovia terá bitola larga (1,6 metro), padrão internacional, e contará com locomotivas diesel-elétricas dos modelos SD40 e SD70. A própria TLSA será responsável pela operação dos três postos de abastecimento, localizados no Ceará, no Piauí e em Pernambuco. Serão instalados pela TLSA 2,2 milhões de dormentes (a fábrica montada pela empresa é capaz de produzir 4,8 mil unidades de dormentes por dia) e 209 mil toneladas de trilhos.

IMPACTO DA TRANSNORDESTINA NA ECONOMIA DA REGIÃO

Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) apontou que a influência da ferrovia Transnordestina em um raio de 300 km ao longo do traçado alcança diretamente cerca de 1.000 municípios, o que corresponde a 47,9% da população da região e abrange áreas responsáveis por 40,9% do PIB nordestino (R$ 509 bilhões), projetando-se como a futura espinha dorsal da economia da Região.

O valor da produção agrícola desse recorte corresponde a R$ 44,5 bilhões, enquanto a de produtos de origem animal atinge R$ 11,1 bilhões. O número de estabelecimentos formais chega próximo de 220 mil, o PIB per capita atinge R$ 14.600 (34,7% da média do País) e o número de empregos formais soma 3,5 milhões.

Um dos destaques econômicos da Transnordestina é sua ligação com o Complexo do Pecém. A expectativa dos empresários locais é que a movimentação anual do porto dobre com a chegada das cargas ferroviárias, alcançando 36 milhões de toneladas por ano. Os efeitos dessa futura conexão já começam a ser sentidos. Um exemplo é o minério de ferro de Eliseu Martins, que hoje chega ao terminal cearense por caminhões. A projeção para o primeiro ano de operação da ferrovia era de 600 mil toneladas, devendo atingir em pouco tempo 1 milhão de toneladas, mesmo antes da conclusão total da ferrovia.

Além do fluxo de cargas em direção ao porto, são projetadas oportunidades no sentido inverso, com o retorno dos vagões para o interior. A produção de fertilizantes à base de amônia verde, prevista para o futuro hub de hidrogênio verde do Pecém, e o transporte de combustíveis – gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP) – armazenados no futuro parque de tancagem despontam como principais cargas de retorno.

Se há consenso entre os empresários do agronegócio sobre os benefícios da Transnordestina, o entusiasmo se estende a outros setores produtivos. Para a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a ferrovia terá impacto nacional. Segundo a entidade, 53% dos calçados fabricados no Brasil vêm do Nordeste – 458 milhões de pares de um total de 865 milhões –, e a região responde por metade das exportações do setor, enviando 60 milhões de pares ao exterior anualmente. Municípios produtores, como Quixeramobim, Quixadá, Senador Pompeu e Solonópole, estimam ampliar a produção com a chegada da ferrovia.

O setor automotivo também está no radar. Com peças desembarcando no Pecém e um parque de montagem de veículos planejado para Horizonte, a 43 km de Fortaleza, a Transnordestina pode se tornar um modal estratégico para enviar carros montados a outros estados do Nordeste e até ao Sudeste.


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