Potência mundial em recursos hídricos, País deve equalizar políticas
de mitigação de impacto ambiental para chegar ao
desenvolvimento energético sustentável
O relatório divulgado em junho pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta o Brasil como o maior mercado mundial de energias limpas. Quase metade da energia consumida no País advém de recursos renováveis – três quartos provem de hidrelétricas, segundo o Banco de Informações de Geração (BIG), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esses valores não representam necessariamente a realidade global. O planeta possui aproximadamente 1,4 bilhão de km³ de água, uma das poucas fontes naturais para a geração energética renovável. No entanto, a utilização deste recurso como matriz de energia mundial é pouco expressiva. Como matriz da energia elétrica, especificamente, ela é decrescente.
Outra boa notícia: o Brasil foi o maior investidor, entre os países latinos, em empreendimentos voltados para a geração de energia limpa, renovável, com US$ 10 bilhões, a maior parte aplicada em etanol. Fora do continente, a Europa e os Estados Unidos lideraram os aportes, respondendo por US$ 49,7 bilhões e US$ 30,1 bilhões em novas alternativas energéticas, respectivamente (ver detalhes na página …).
A análise realizada entre os anos de 1973 e 2006, divulgada em 2008 pelo Key World Energy Statistics, da Internacional Energy Agency (IEA), indica que a fonte hídrica na produção total de energia mundial caiu de 2,2% para 1,8%. Dois motivos explicam tal redução: a distribuição do volume de água, concentrada quase em sua totalidade nos oceanos, e a topografia da região. Da água doce, apenas aquela que flui por desnível acentuado e/ou grande vazão pode ser utilizada nas usinas hidrelétricas (UHEs), para movimentar as turbinas.
Com relação à energia elétrica, a participação recuou de 21% para 16%, relacionada ao esgotamento das reservas, ficando abaixo à do carvão e à do gás natural – combustíveis fósseis não-renováveis, que contribuem para a emissão de poluentes causadores do efeito estufa.
Segundo o IEA, a oferta de energia hidrelétrica aumentou em apenas duas regiões: Ásia, impulsionada pela China (que construiu a maior hidrelétrica do mundo, Três Gargantas) e América Latina, em função das grandes bacias do Brasil, que detém 12% do total de água doce do mundo.
Potencial hídrico
De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética brasileira (EPE), mesmo com sua expressiva capacidade instalada, o País aproveita apenas 30% de seu potencial hidrelétrico, estimado em 260GW. Pelo Plano Nacional de Energia 2030, há 126 GW a serem explorados no Brasil, sendo que mais de 70% deles estão nas bacias do Tocantins/Araguaia e do Amazonas. Na primeira, dos 28 mil MW de geração possível, somente 12,2 mil MW vêm sendo aproveitados pelas UHEs Serra da Mesa e Tucuruí. A localização frente aos consumidores da região Nordeste e a capacidade ainda a ser explorada tornam a bacia prioritária para a implantação de novas usinas. Porém, 90% do potencial hídrico da região sofrem alguma restrição ambiental.
A bacia do rio Amazonas, por sua vez, é a maior do Brasil, com quase 3,8 milhões km². A região conta com cinco unidades hidrelétricas de energia instalada: Balbina (AM), Samuel (RO), Coaracy Nunes (AP), Curuá-Uma (PA) e Guaporé (MT). O potencial estimado para a bacia é de 106 GW, número equivalente ao total gerado no País inteiro, em 2008 – quase 105 GW. Porém, atualmente, apenas 1% do potencial é aproveitado. Não à toa, é nela, mais exatamente no Rio Madeira – principal afluente do rio Amazonas -, que estão localizadas duas das três principais usinas planejadas para os próximos anos. Trata-se de Santo Antônio e Jirau, que juntas compõem o maior projeto de geração de energia elétrica do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. A terceira usina é a de Belo Monte, no Rio Xingu.
Complexo Ma deira
A capacidade instalada da hidrelétrica de Santo Antônio será de 3,15 mil MW. Em Jirau, a produção será de 3,3 mil MW. Cada uma delas gerará energia suficiente para abastecer uma cidade de 15 milhões de habitantes. O complexo tem apoio e financiamento (o maior já feito) do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que destinará, somente em 2009, R$ 4 bilhões. No total, até 2015, os investimentos somarãoR$ 27 bilhões, sendo R$ 10 bilhões para cada usina e o restante para o segmento de transmissão, que devido à região remota e virgem tem um custo altíssimo.
O projeto inclui investimentos de R$ 50 milhões em geração de emprego e renda, capacitação de recursos humanos e infraestrutura social, além daqueles decorrentes do licenciamento ambiental. De acordo com o BNDES, que atualmente participa da construção de mais de 20 usinas hidrelétricas, os impactos socioambientais da usina serão baixos, pelo fato de a hidrelétrica ser a fio d´água (sem reservatório de regularização de vazões), com área a ser alagada menor (relação km² alagado/MW gerado) do que a de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH).
Questões ambientais
Impactos provocados na população, flora e fauna da região, que tem sua área inundada pelos reservatórios, devido à formação de lagos, aumento do nível dos rios ou alterações em seu curso após o represamento, rep
resamento, têm sido o principal impedimento para a construção de hidrelétricas de grande porte em locais propícios. Em dezembro de 2008, O Ibama de Rondônia multou a empresa Madeira Energia S.A, responsável pela construção de Santo Antônio, responsabilizando-a pela morte de 11 toneladas de peixes. Jirau, em janeiro de 2009, teve as obras paralisadas, após parte de seu canteiro ser embargada embargada pelo Ibama local devido obras em área não autorizada. A licença definitiva veio em junho.
Exemplos de áreas inundadas do passado, como Itaipu (cachoeiras de Sete Quedas), Ita, (Estreito do Rio Uruguai) e Barra Grande (Cânion dos Encantados), reforçam os protestos da população. De acordo com a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), o lago da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no rio Pelotas, com barragem de 190 metros de altura, inundou uma área de aproximadamente 81 km², 90% deles recobertos por floresta primária. Descobriu-se que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) – documentos necessários para obter a licença de operação do empreendimento -, entregues em 1998 ao Ibama, omitiram a existência dos remanescentes de Floresta de Araucária, para Conservação da Natureza (IUCN) e diretor-geral do Projeto Puma, analisou estudos para a licitação de 15 empreendimentos hidrelétricos no Planalto Catarinense. No geral, ele e sua equipe identificaram 55 erros de nomenclatura para 32 espécies, 37 casos de registros não-documentados de 20 espécies de ocorrência improvável e 25 identificações incompletas e não-justificadas de 15 espécies. Nenhum deles quantificou impactos sobre populações ou apresentou sugestões de metodologia para acompanhamento das flutuações na diversidade biológica e/ou na densidade populacional de animais ou plantas.
Para Mazzolli, a forma mais eficiente de integrar proteção ambiental e desenvolvimento elétrico é melhor quantificar prévia e corretamente o impacto. "A resolução de 2001 do Conama, infelizmente, não prevê que as análises das áreas com potencial para recebimento de recursos compensatórios sejam feitas valendo-se de critérios científicos", explica. Segundo ele, os órgãos públicos estão cientes do problema, porém "a contribuição deles virá somente se houver leis, resoluções ou portarias que obriguem a execução de estudos adequados", afirma.
Áreas inundadas por UHE’s
O território brasileiro tem 8,5 milhões de km² de extensão. Segundo a Aneel, o total de áreas inundadas no País para exploração de energia hidrelétrica é de 36,7 mil km², o que significa menos de 0,5% da área total, número menor do que o relacionado às floretas cultivadas (55 mil km²). Em comparação aos 2,5 milhões de km² de terras utilizados pela agropecuária, então, o espaço ocupado pelos lagos formados por represas é ainda menos significativo.
Para o engenheiro mecânico e elétrico, membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia, Miracyr Assis Marcato, o Brasil deve continuar seus investimentos na construção de hidrelétricas, por serem empreendimentos que se utilizam de energia limpa e renovável sem contribuir para a emissão de gases poluentes. "Comparativamente, o problema com o espaço ocupado pelas represas (normalmente em vales não habitados), em relação a terras férteis ou reservas indígenas é infinitivamente menor do que as questões de desmatamento ilegal na Amazônia, por exemplo", afirma. Segundo ele, muitas vezes as dificuldades ambientais enfrentadas pelas hidrelétricas provocam a realização de leilões para licenciar usinas termelétricas movidas a fontes não-renováveis, como a carvão ou óleo diesel, que são bem piores para o meio ambiente.
Fonte: Estadão