Demonstrações contábeis das empresas de construção

Compartilhe esse conteúdo

A atividade de construção é uma das mais interessantes dentre todas as realizadas no mundo, não só por atender às necessidades mais primitivas, como a questão da moradia, mas muito ainda em função de seu alcance e porte. Hidrelétricas, estradas, portos, aeroportos, canais de irrigação, barragens etc., tudo parece extremamente grandioso. No campo da contabilidade, o esforço para acompanhar esses empreendimentos também se torna imenso, pois: Como apurar resultados que serão auferidos ao longo de meses ou mesmo de anos? Esse é o esforço que os organismos de contabilidade internacionais e brasileiros já responderam. Entretanto, surge uma outra dúvida: Quantas empresas brasileiras de construção aderem às normas emanadas desses organismos? Esta foi a questão-chave da minha pesquisa de Dissertação de Mestrado em Ciências Contábeis na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor de construção civil participa com 7,3% do PIB, algo em torno de R$ 142 bilhões. Considerando a evolução do PIB brasileiro de 1947 a 2005, pode-se verificar que a atividade de construção alcançou em diversos momentos um ritmo de crescimento maior que o crescimento da economia brasileira como um todo e, acumulando o crescimento deste período, fica evidente o aumento da participação dessa atividade na economia, saindo de 4,6% em 1947 e chegando a 7,3% em 2005. Este setor também emprega 7,2% das pessoas ocupadas nas seis principais regiões metropolitanas brasileiras (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), segundo dados do mesmo IBGE. O setor de construção passou pelo boom econômico da década de 70, quando as principais empresas brasileiras de construção se solidificaram, e também pela recessão da década de 80, quando elas buscaram novos mercados fora do Brasil, a exemplo da Construtora Norberto Odebrecht, Construtora Andrade Gutierrez, Construtora Camargo Correa, dentre outras. Deste esforço, surgiram subsidiárias e sucursais dessas empresas em diversos países da América Latina0 e em outros continentes, como Peru, Equador, Argentina, Venezuela, México, Portugal, Inglaterra, Espanha, Angola, Madagáscar, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Arábia Saudita, Estados Unidos da América, dentre outros. Assim, essas empresas passaram a figurar como grandes players do mercado internacional de engenharia. Segundo dados da revista Engineering News-Record (ENR) na edição de dezembro de 2006, a Construtora Norberto Odebrecht S.A., a Construtora Andrade Gutierrez S.A. e a Construções e Comércio Camargo Correa ocupam a 21ª, 91ª e 199ª posições, respectivamente, no ranking das 225 maiores empresas construtoras internacionais, considerando apenas as receitas fora do seu país de origem. Mais recentemente, no Brasil, começa a ocorrer outro movimento, desta vez no mercado imobiliário, em virtude do surgimento de créditos financeiros mais acessíveis ao mercado consumidor, bem como a abertura do capital de algumas empresas do ramo. Atualmente algumas companhias de empreendimento imobiliário estão listadas no “Novo Mercado” da Bovespa (Bolsa de Valores do Estado de São Paulo), a exemplo de Cyrela, Gafisa, Abyara, Brascan, Camargo Correa, Company, Klabin Segall, PDG Realty, Rossi e Tecnisa. O “Novo Mercado” adota critérios de governança corporativa mais rígidos em relação à bolsa de valores tradicional no Brasil, critérios estes estipulados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Dada toda essa magnitude, volta-se ao problema: Quanto as empresas brasileiras de construção aderem às normas contábeis? Afinal, como valorizar a riqueza gerada para um ciclo social convencionado ao ano-calendário de uma atividade que normalmente ultrapassa diversos ciclos sociais? Bom, a resposta técnica a esta pergunta é facilmente encontrada nas normas contábeis específicas para a atividade de construção, tanto nas normas internacionais quanto nas normas nacionais, respectivamente, emitidas pelo IASB (International Accounting Standard Board) e IBRACON (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil) ou CFC (Conselho Federal de Contabilidade). Entretanto, e a prática? O que as empresas brasileiras de construção realmente utilizam? A este problema adiciona-se o fato de também existirem normas fiscais específicas para este setor, emitidas pela Secretaria da Receita Federal (SRF), que muitas vezes confrontam-se com as normas contábeis. Dessa forma, a questão-chave do problema pode ser reescrita da seguinte forma: Quanto as empresas brasileiras de construção aderem às normas contábeis, mesmo em detrimento do atendimento às normas fiscais? A forma de reconhecimento contábil das receitas e dos custos em empresas de construção aceita universalmente baseia-se no conceito de que se trata de um único contrato de prestação de serviço de construção ou de um único empreendimento. Logo, as receitas, os custos e o resultado devem ser realizados periodicamente de acordo com as margens de lucro totais pretendidas (orçadas), mantendo-as mais estáveis ao longo do tempo. Por outro lado, a Secretaria da Receita Federal, por vezes, publica e exige procedimentos de apuração de receitas e resultados conflitantes com as normas contábeis. Essas interferências podem, em seu ápice, atrapalhar o uso da boa prática contábil nas empresas de construção. Por exemplo, para a atividade de construção de empreendimentos imobiliários é facultado que a receita seja reconhecida à medida da sua realização financeira, e os custos são apropriados de acordo com a proporção em relação à receita prevista no orçamento total da obra. Já para os contratos de construção por empreitada, a legislação fiscal brasileira adota um conceito de ‘contratos de longo prazo’ (superiores a doze meses) e ‘contratos de curto prazo’ (até doze meses). Para o primeiro grupo o reconhecimento das receitas e dos custos ocorre de acordo com o andamento da obra, enquanto para o segundo grupo apenas ao final da obra. Para exemplificar a situação do ‘contratos de curto prazo’ pode-se supor que uma empresa de construção seja contratada para construir uma ponte, no valor de R$ 8 milhões, iniciando sua construção no mês de outubro de um exercício social e terminando no mês de julho do exercício social seguinte. Os custos para a construção da mesma estão estimados em R$ 7 milhões, incorrendo em R$ 2 milhões no primeiro ano e R$ 5 milhões no segundo ano. Dada as normas contábeis (Ibracon e Iasb) e a legislação fiscal (SRF), pode-se observar as seguintes situações: Ou seja, caso uma empresa adote as normas contábeis para reconhecimento do resultado desse contrato, estará apurando o seu resultado em dois períodos distintos. Por outro lado, se uma outra empresa, em situação similar, adota o procedimento fiscal, o resultado será apurado integralme

nte no segundo ano. Já para a atividade de empreendimento imobiliário, poder-se-ia supor a seguinte situação: uma determinada empresa lança um novo empreendimento com cento e vinte unidades e realiza vendas a prazo ainda durante o período da construção. Esse empreendimento estará concluído no prazo de trinta e seis meses. A receita e o custo totais estimados para este empreendimento são de, respectivamente, R$ 100 milhões e R$ 80 milhões. A empresa consegue alienar trinta unidades no primeiro ano, cinqüenta unidades no segundo e quarenta unidades no terceiro, a um preço médio de venda de, respectivamente, R$ 700 mil, R$ 800 mil e R$ 975 mil. Os custos realizados neste período foram, respectivamente, de R$ 10 milhões, R$ 50 milhões e R$ 20 milhões de reais. Os recebimentos das vendas contratadas foram estipulados para ocorrer durante um ciclo de sete anos, abrangendo os períodos de construção e pós-construção (conforme evidenciado no gráfico a seguir). Considerando as normas contábeis (CFC) e a legislação fiscal (SRF), pode-se observar as seguintes situações: Esse exemplo é ainda mais emblemático que a situação dos contratos de curto prazo de construção pesada, pois, caso uma empresa adote as normas contábeis para reconhecimento do resultado desse empreendimento, estará apurando o seu resultado em três períodos distintos. Por outro lado, se uma outra empresa, em situação similar, adotasse o procedimento fiscal, o resultado seria apurado ao longo de sete anos! Analisando essas situações, pode-se imaginar o quanto a comparação entre as empresas brasileiras de construção está prejudicada. Imaginem diversas empresas, que adotem premissas divergentes para apuração das suas demonstrações contábeis, participando de um mesmo processo de concorrência? Ou mesmo, essas empresas competindo entre si para conseguir uma linha de crédito no mercado financeiro? Cabe a reflexão: A competição estaria sendo justa nestes termos? Assim, levando em consideração o cenário normativo (advindo dos órgãos contábeis) e o cenário impositivo institucional (advindo da legislação fiscal), em que a Contabilidade no Brasil, na maioria das situações, se encontra, foram formuladas duas hipóteses para a condução de uma pesquisa de campo com as principais empresas brasileiras de construção: Hipótese um: as empresas de construção não são aderentes, por completo, às normas contábeis, emanadas pelo Iasb, Ibracon e CFC, em virtude das imposições fiscais (normas das legislações fiscais divergentes das normas contábeis). Hipótese dois: nas atividades de construção pesada, que ocorrem normalmente por empreitada, a aderência às normas contábeis é mais incisiva do que na atividade de empreendimento imobiliário, dada a razoável harmonia existente com as normas fiscais, o que não é verdadeiro no tocante à legislação fiscal para empreendimentos imobiliários. A seleção das empresas para envio do questionário foi pautada na Revista O Empreiteiro – 500 Grandes da Construção, edição de 2006, base 2005, tendo sido enviados 291 questionários. Foram recebidas 18% de respostas aos questionários enviados, correspondendo a 7,15% do PIB de construção brasileiro. As principais conclusões são as seguintes: Quando indagadas sobre a sua autopercepção, ou seja, se adotam ou não as práticas contábeis emanadas dos órgãos competentes, as empresas tenderam a responder que seguem as mesmas, mesmo aquelas que se dedicam exclusivamente às atividades de empreendimento imobiliário, pois 68%, daquelas que se dedicam às atividades de construção pesada responderam que seguem as normas contábeis, contra 55% das que atuam no segmento de empreendimento imobiliário. Por outro lado, quando indagadas sobre a percepção do mercado de uma forma geral, ou seja, sobre quais normas elas acreditam que a maioria das empresas brasileiras de construção seguem, se fiscais ou contábeis, a conclusão já é diferente, pois 63% acreditam que a maioria das empresas brasileiras de construção adotam as normas contábeis para o reconhecimento da receita e resultados na atividade de construção pesada por empreitada. Entretanto, este percentual desaba quando se trata da percepção sobre as empresas de empreendimento imobiliário, pois apenas 30% acreditam que as mesmas adotam as normas contábeis. Quando defrontadas nas questões que buscavam identificar as práticas contábeis realmente adotadas pelas empresas, sem considerar as autodeclarações, chega-se à conclusão final de que 75% das empresas que atuam no ramo de construção pesada atendem às normas contábeis, enquanto apenas 25% das empresas de empreendimento imobiliário atendem a essas normas. Assim, dados os resultados da pesquisa foram comprovadas as duas hipóteses levantadas. As empresas de construção não são aderentes, por completo, às normas contábeis emanadas pelo CFC e IBRACON, em virtude das imposições fiscais (normas das legislações fiscais divergentes das normas contábeis), pois, na média, foi detectado um grau de aderência de 65% nas empresas pesquisadas. Por outro lado, nas atividades de construção pesada, que ocorre normalmente por empreitada, a aderência às normas contábeis é mais incisiva do que na atividade de empreendimento imobiliário. Pode-se imaginar que um dos motivos para que as empresas de empreendimento imobiliário tenham uma aderência menor às normas contábeis esteja atrelado ao benefício fiscal do reconhecimento do resultado econômico apenas quando da realização financeira da venda, o que propicia o pagamento do imposto de renda à mesma razão, em que pese o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal número 18, de 28 de dezembro de 2005, desvinculando a norma fiscal da norma contábil. Entretanto, o mesmo ato da Receita não é tão claro quanto às exigências dos controles para essa situação. Por fim, cabe mencionar que a pesquisa desenvolvida não pode ser considerada de caráter definitivo, dada a limitação no seu escopo, bem como pelo fato da Contabilidade ser uma ciência social e, como tal, está sempre em evolução, refletindo os momentos atuais da sociedade. Por outro lado, mesmo assim, vale a provocação final: Será que as empresas brasileiras de construção civil ainda precisam evoluir na apuração das suas demonstrações contábeis? Acredito que este deveria ser o objetivo de todos os executivos de área financeira que atuam neste ramo da economia no Brasil, dada a importância do mesmo dentro da economia como um todo.
Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário