Nada como ingressar, pela manhã, com as surpresas do encantamento, nas páginas de Os anéis de Saturno, de W. G. Sebald, este viajante da imaginação e do mundo, que gostava de aliar aos registros, numa prosa impecável, a documentação fotográfica do que anotava. Tudo, nele, tinha de conter o dedo da verdade vista e vivida. E a prosa lhe nascia, com a experiência obtida no cotidiano e com a beleza e a cadência de uma sinfonia.
O escritor, nascido em Wertach, Alemanha, em 1944, e falecido em 2001, tem várias outras obras de igual importância, sobretudo para quem se preocupa em observar as mudanças que vêm ocorrendo no clima, nas águas, nos rios, nas ruas, em tudo.
Algumas de suas páginas são denúncias que ficam para a reflexão dos que têm consciência da necessidade de que alguma coisa precisa ser feita. Não dá para aceitar, por exemplo, que passem em brancas nuvens os crimes ambientais, para os quais alguns países viraram as costas, na recente conferência do clima, em Durban, África do Sul.
Somente a título de exemplo, volto aos Os anéis de Saturno”: “A cada ano os rios transportam milhares de toneladas de mercúrio, cádmio e chumbo, e montanhas de fertilizantes e pesticidas, para o Mar do Norte. Boa parte dos metais pesados e outras substâncias tóxicas deposita-se nas águas rasas do Dogger Bank, onde um trerço dos peixes já vêm ao mundo com estranhas deformidades e excrescências. Em algumas espécies mais raras de linguado, crássio e brema, as fêmeas, numa mutação bizarra, estão desenvolvendo cada vez mais órgãos sexuais masculinos, e os rituais de acasalamento já não passam de uma dança da morte…”
Penso nesses rios brasileiros, de sul a norte, também vítimas de toda sorte de sujeira de uma civilização que não se cuida, nem se civiliza. É uma civilização contra a vida.
Texto:Nildo Carlos Oliveira
Fonte: Nildo Carlos Oliveira