Foi em fins de 2001, quando estávamos concentrados na edição As obras e os pioneiros que construíram o Brasil moderno, que saiu em março de 2002. Cumprindo a pauta de trabalho, estive na Sobrenco, no Rio de Janeiro, escritório de Sérgio Marques de Souza a fim de entrevistá-lo. Sérgio era homem afável, austero, de palavras precisas e poucos gestos. Em seu histórico, centenas de obras, entre as quais, várias das mais importantes estruturas do País. Ao saber que seu nome seria incluído na matéria daquela edição, ele parou, refletiu e fez a seguinte indagação: “Acaso o nome do Bruno Contarini também será citado?” Diante da resposta positiva, afirmou: “Então, acho desaconselhável a inserção do meu nome nessa publicação”.
Sabíamos de algumas fricções entre os dois notáveis engenheiros. Só não sabíamos o quanto elas teriam deixado marcas no relacionamento de ambos. Tive de pensar rápido, para evitar que um nome ou outro fosse sacrificado no trabalho, por conta de idiossincrasias subjacentes no espírito de profissionais de amplo reconhecimento nacional e internacional. Então indaguei: “Tudo bem. Concordo em deixar de lado o nome do Bruno – ou o seu nome – mas com uma condição.” – “E que condição é essa?” – “Que o senhor me diga, com absoluta convicção, se o Bruno merece ou não integrar a relação dos engenheiros que vêm construindo o Brasil moderno.”
Diante desse argumento, Sérgio voltou a refletir. Era um homem que ponderava milimetricamente tudo o que ia dizer. Como se cada palavra merecesse uma laboriosa equação de cálculo. E concluiu: “O senhor tem razão. O Bruno integra, sim, o conjunto dos engenheiros que têm responsabilidade na construção do Brasil moderno. É um nome que não pode, jamais, ser colocado à margem. Deixe o meu nome junto com o dele”.
Apesar da atitude, finalmente reconciliadora do Sérgio, saí da Sobrenco apreensivo. O próximo encontro era com o Bruno. E vá que ele também me pedisse para retirar seu nome da edição. Teria de encontrar um meio para evitar que isso acontecesse.
Igualmente afável e com uma enorme facilidade para fazer amigos e influenciar interlocutores, Bruno me recebeu em seu escritório e de imediato me convidou para almoçar. Durante a nossa conversa, surpreendeu-se quando lhe falei da atitude do colega e do reconhecimento de Sérgio para com ele. Perguntou: “Mas o Sérgio disse isso mesmo? Falou assim no meu nome?” – E, com a reafirmação do diálogo que eu mantivera com o fundador da Sobrenco, ele passou a lembrar episódios da época em que trabalharam juntos, até o momento em que decidiram se separar. Ele considerou as afirmações de que dois profissionais daquele porte não poderiam manter fissura num relacionamento que os engrandecia. O diálogo, naquele nível, restabeleceu o contato entre os dois e manteve o plano tranqüilo do nosso trabalho no Rio.
Quando, ainda em agosto de 2002, Sérgio Marques de Souza faleceu, coube a ele, Bruno Contarini, prestar à revista um depoimento que honra a história da engenharia brasileira. É o seguinte:
"Sérgio Marques de Souza foi um dos maiores engenheiros estruturais deste Brasil de tantas obras notáveis. Foi um dos últimos elos entre Emílio Baumgart e a moderna engenharia estrutural. Tive a honra de trabalhar e logicamente aprender com ele no início de minha vida profissional. Possuidor de uma enorme sensibilidade estrutural, ele projetava conosco nas velhas pranchetas com tecnígrafo e não cansava de dizer: `Desenha, filho. O que ficar bonito é estrutural´. Professor e profundo conhecedor de hiperestática tinha total domínio da engenharia estrutural. Citarei apenas três das centenas de obras criadas por ele para mostrar a sua versatilidade: o arco da ponte sobre o Córrego das Antas; o viaduto das Almas, estrutura quadriculada que embeleza a paisagem, e a ponte sobre o Rio Tocantins, obra em viga protendida, cartão postal da região. Muito aprendi com ele em meus primeiros 12 anos de profissão e a engenharia nacional sentirá sua falta. Grato, Sérgio.” Assinado: Bruno Contarini
Fonte: Nildo Carlos Oliveira