Joás Ferreira
Dentre os materiais estruturais utilizados pela engenharia nos últimos 100 anos, o concreto é apontado como o que mais evoluiu tecnologicamente para atender aos diversos tipos de obra. Suas possibilidades avançam na medida das possibilidades das concepções dos projetos
A descoberta do cimento, no século 19, garantiu à engenharia a possibilidade de fabricar “rochas” em 28 dias, quando na natureza essa tarefa demanda milhões de anos. Os avanços da tecnologia do concreto foram constantes, por conta das pesquisas científicas impulsionadas pela necessidade das construções cada vez mais complexas e sofisticadas. O engenheiro Paulo Roberto do Lago Helene, que foi professor da Escola Politécnica da USP, resume essa evolução da seguinte forma: “Provavelmente o material estrutural que deverá substituir o concreto, como tal o conhecemos hoje, será outro concreto, naturalmente mais evoluído e aperfeiçoado”.
O concreto, de acordo com Helene, é o mais jovem dos materiais estruturais. Foi patenteado, na Suíça, em 1892, pelo francês François Hennebique. O primeiro edifício em concreto, da forma como o conhecemos, foi inaugurado em 1901, em Paris (França).
“A história desse notável material estrutural é muito recente. São cento e poucos anos apenas. Do seu surgimento, em que talvez tivesse cerca de 10 MPa (megapascal), até hoje, o concreto apresentou uma grande evolução, ao ponto de ser possível executar obras com 120 MPa ou até 130 MPa”, destaca o engenheiro, lembrando que o aço, surgido nos anos 1700, com a Revolução Industrial e o aparecimento da indústria siderúrgica, também foi muito usado na construção, mas, para a função de material estrutural, evoluiu menos que o concreto.
Da pesquisa à prática
Paulo Helene diz que muito da evolução tecnológica conquistada em relação ao concreto se deve à pesquisa científica, que não para de buscar novos conhecimentos e testar alternativas inovadoras.
Mas, segundo ele, é preciso saber reconhecer que sempre leva um tempo, entre o desenvolvimento de novos conceitos, na academia e nos centros de pesquisa, e a sua aplicação prática, no dia a dia: “Nos meus tempos de escola, na década de 1970, integrei um grupo que, junto com o professor Oscar Costa, foi visitar os primeiros bombeamentos de concreto em obra. Quer dizer, durante o tempo em que estava na escola, eu nunca tinha ouvido falar dessa técnica de concretagem. Naquela época existiam muito poucas usinas de concreto. Eu mesmo construí prédios em que ainda se fazia o concreto na própria obra”.
Isso faz apenas 40 anos. De lá para cá, muita coisa mudou. “Hoje, há concreto com fibra, concreto auto-adensável, concreto projetado por via seca e via úmida. A engenharia pode contar também com aditivos que evitam a retração e aumentam tixotropia ou tornam o concreto mais fluido e pigmentos para fazer concreto colorido de alta resistência. Para o desenvolvimento de tudo isso, na academia, nos institutos e nos centros de pesquisa, e a sua aplicação são necessários anos de testes e maturação. No entanto, o importante é que acabou sendo aplicado e trouxe muitos benefícios técnicos”, explica Paulo Helene.
Quando o engenheiro Eugène Freyssinet, em 1928, patenteou o concreto protendido, não existiam cordoalhas para executar essa técnica. Ele fez estudos de protensão, em laboratório, com cordas de piano. A primeira obra de concreto protendido só veio a ser realizada dez anos depois do registro dessa patente.
“Hoje, não se pode conceber uma obra de grande porte que não tenha protensão. Essa técnica está disseminada nas obras importantes e até nas edificações residenciais, em que as lajes e outras estruturas são protendidas com cordoalha engraxada”, frisa Helene.
Formação do profissional
Na área de construção civil, houve uma grande evolução, nos últimos anos, que também repercutiu na formação do engenheiro. “Nos anos 1970, ainda não existia, por exemplo, a ISO 9000, que é de fim da década de 1980, no exterior, e do início dos anos 1990, no Brasil. Não havia a norma de vida útil. Foi a NBR 6118, de 2003, que introduziu isso no País, só para citar dois exemplos”, constata Helene.
Com todos esses conhecimentos de hoje em dia, o engenheiro sai da escola com muito mais informação do que o estudante de três ou quatro décadas atrás. Mas, devido a essa gama enorme de conhecimento com que sai da escola, o novo profissional não consegue decidir sozinho. Numa obra, o engenheiro recém-formado ainda não sabe com segurança se deve usar grua ou se vai bombear o concreto. Ele precisa da retaguarda de um engenheiro mais experiente ou de uma equipe multidisciplinar.
“Eventos, como o Concrete Show, são muito importantes para a disseminação de informações e do conhecimento técnico atualizado. As entidades que atuam nesse segmento da construção estão mostrando que as discussões, as reuniões, as feiras, as mostras técnicas são fundamentais para que haja a transferência para o setor produtivo do conhecimento que, hoje, não vem só da academia e centros de pesquisa, mas também dos laboratórios das grandes indústrias”, diz Paulo Helene.
Conservadorismo compreensível
O projeto de estruturas de concreto é uma atividade de muita responsabilidade. Nesse sentido, de acordo com Helene, “é natural que exista, da parte dos projetistas, certo conservadorismo”. Isso acontece, segundo ele, para que os profissionais se sintam mais confortáveis e seguros naquilo que estão realizando. Por outro lado, as indústrias, os centros de pesquisas e a academia podem ousar mais, podem propor novas alternativas que vão sendo, aos poucos, assimiladas e empregadas tanto por projetistas como pelas construtoras.
Os construtores e os projetistas são responsáveis pelo produto final e, obviamente, não querem ter surpresas. Portanto, muitas vezes, preferem uma solução já conhecida e testada do que uma nova tecnologia. Isso, para o engenheiro, é mais “natural” na construção civil do que em outros segmentos industriais. Até porque, um erro no projeto de um edifício pode vitimar muito mais pessoas do que num automóvel, por exemplo. Na indústria automobilística, basta fazer um recall e o problema está resolvido. Na construção, um acidente pode envolver muito mais, como foi o caso do edifício Real Class, que desabou em Belém do Pará e que, por sorte, ainda não estava habitado.
“Entretanto, cabe à pesquisa e à academia ousar cada vez mais, com a proposição de inovações para que haja evolução da tecnologia de projeto e de constru&c
cedil;ão. Essa evolução, no entanto, sempre vai ser relativamente lenta e é preciso que assim seja”, define Paulo Helene.
Alta resistência e sustentabilidade
O concreto de alta resistência ou alto desempenho foi desenvolvido a partir do início da década de 1990, no Canadá, e se difundiu no mundo todo. Em 2002, Paulo Helene teve a oportunidade de participar da execução do edifício e-Tower, em São Paulo, que já apresentava concreto muito resistente, superando índices praticados em outras partes do mundo e registrando um recorde mundial em resistência de concreto.
Além de todas as vantagens e benefícios que o concreto de alta resistência garante, hoje, é possível concluir que o seu emprego também determina a obtenção de estruturas mais sustentáveis, que representa um comprometimento maior com a sociedade, com o meio ambiente e com o futuro. Com essa tecnologia, segundo Helene, foi possível fazer mais e com maior durabilidade, usando menos recursos naturais (água, por exemplo) e diminuindo a liberação de CO2, para o meio ambiente.
As estruturas feitas com esse tipo de concreto, por serem mais delgadas, entretanto, exigem tecnologia de construção apurada e mão de obra bem treinada. A tecnologia pode ser usada em edificações, obras de arte e túneis.
Inovações
A pesquisa permitiu que o concreto evoluísse constantemente. A título de exemplo, Helene lembra que, atualmente, é possível fabricar até concreto translúcido, com 20 MPa ou 30MPa, que permite a passagem de luz natural externa para o interior dos ambientes, o que implica economia de energia elétrica, entre outras coisas.
Por outro lado, as plataformas brasileiras de petróleo são em alto mar, onde se encontram profundidades de três mil ou quatro mil metros. Por isso, elas não são mais fixas no fundo e constituem verdadeiros navios flutuantes. Nesse segmento, já estão sendo desenvolvidas estruturas petrolíferas em concreto, mais econômicas e com durabilidade similar.
O concreto substituiu, já há muitos anos, os dormentes nas estradas de ferro. Alguns reservatórios, que eram metálicos, também passaram a ser construídos com o emprego de concreto. Esses são só alguns exemplos do quanto o material pode ser aproveitado, não só na construção civil e na infraestrutura.
Versatilidade
O concreto, muito versátil e maleável, permite que seja moldável de acordo com as necessidades de projeto, segurança e estética. Uma das suas características é que pode ser trabalhado em conjunto com os mais diferentes materiais.
Hoje, o emprego do concreto para a construção de habitações populares indica que as espessuras não podem ser muito grandes e a resistência não pode ser muito altas (de 100 MPa, por exemplo), porque tornaria o projeto inviável economicamente. Como um dos pontos fracos do concreto armado é, reconhecidamente, a corrosão provocada pela armadura de ferro. Para ser aplicado em moradias de baixa renda, foi desenvolvida a treliça galvanizada.
Paulo Helene:
Engenheiro civil, formado e doutorado, pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), na década de 1970. Pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Foi livre docente na USP. Especializou-se no desenvolvimento tecnológico de sistemas estruturais construtivos. Hoje, além de conselheiro permanente do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon), é diretor da PhD Engenharia, empresa que presta serviços de engenharia de excelência. É ainda autor de inúmeras publicações e trabalhos técnicos.
Concrete Showterá versão na Índia
A Concrete Show, realizada no final de agosto, em São Paulo (SP), terá uma versão fora do país. A informação é de Cláudia Godoy, diretora da maior feira da América Latina no segmento. “Em 2012, o mercado terá o evento em dose dupla. Não só o Brasil, mas também Bombaim, na Índia, irão sediar o Concrete Show”, revela.
Sobre o desenvolvimento do evento no país, ela explica que o incremento da economia fez com que a Concrete Show alcançasse espaço este ano quase 50% maior em relação à edição anterior, com a presença de 500 expositores nacionais e internacionais e cerca de 25 mil visitantes. “Existe um grande déficit no Brasil em infraestrutura, moradia, estradas. O evento reflete o mercado e o momento, indiscutivelmente”, avalia.
O concreto se reinventa
O concreto se reinventa no século XXI. O concreto hoje já é planejado para ser usado para monitorar fluxo de veículos, detectar terremotos, aquecer pisos e até construir submarinos.
Para se ter o concreto, basta misturar água, areia, pedra e cimento. Porém, para torná-lo com propriedades menos conhecidas entram em ação outros ingredientes. É a partir daí que se dá a multiplicidade maior da utilização do material de construção.
Na Universidade de Nova York, pesquisadores criaram recentemente com pequena quantidade de fibra de carbono misturada ao cimento — menos de 0,5% do elemento adicionado ao material de construção — a capacidade de torná-lo um condutor de eletricidade e com sensibilidade eletromagnética. A prática permite, por exemplo, medir a passagem de veículos em um trecho pavimentado com a mistura – mesmo em alta velocidade — e até distinguir carros de caminhões.
Outro uso desse tipo de concreto é para detectar terremotos. A técnica chamada controle estrutural ativo usa sensores para detectar movimentos de pontes e construções, permitindo que o construtor responda a ocorrência com ações hidráulicas ou balanceamento de peso para minimizar os efeitos.
Atualmente, sensores são acoplados na estrutura para medir movimentos em função de tremores. Porém, os resultados são limitados. O concreto composto com fibra de carbono, nessas ocorrências, permite maior acuracidade por ser um item integrante da própria estrutura avaliada.
O uso de carbono poroso é outro meio para conduzir eletricidade pelo concreto. Nesse caso, tem utilidade para tornar a estrutura aquecida, utilizando baixa voltagem de energia. A aplicação da propriedade em rodovias e pistas de aeroportos permite, por exemplo, derreter neve ou gelo em temperaturas muito baixas. Ou até em residências.
O desenvolvimento de pavimentos de grandes dimensões de concreto flutuantes já vem sendo testados nos Estados Unid
os — vale lembrar que já existem construções de proporções limitadas com essas características, mas a proposta hoje é utilizá-la em larga escala para se fazer aeroportos, plataformas petrolíferas etc. Chamada plataforma estabilizada pneumaticamente pela empresa de engenharia desenvolvedora da ideia, o material consiste de um conjunto de concretos cilíndricos verticais com até 6 m de diâmetro e 36 m de altura, que são abertos na parte de baixo e selados na parte de cima. O ar dentro de cada cilindro é capaz de sustentar a flutuação de plataforma. Interconexões entre os cilindros permite que o ar se movimente entre eles, amenizando o movimento das ondas ou de outras interferências do lado de fora.
No entanto, a mais ousada aplicação do concreto é para fazer submarinos. O material tem duas vantagens em relação à construção em metal da embarcação especializada em operar de forma submersa. Primeiro, porque ele seria capaz de ir mais fundo, dado que o concreto é particularmente mais forte sob pressão. Além disso, no fundo do oceano, ele seria muito mais difícil ser identificado por um radar do que o feito por metal. A Rússia considera a possibilidade de construir um pequeno submarino de concreto, para seis pessoas. O projeto chama-se C-subs, capaz de lançar até torpedos.
Pelo mundo se desenvolve o cimento ultraresistente, de duração quase infinita. A associação dessa invenção com as aplicação anteriormente relacionadas dará ao cimento a definitiva condição de uma das maiores descobertas do homem.
Fonte: Estadão