A saga de uma estrada construída no meio da selva, em apenas 10 meses

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Quando se fala nas estradas abertas na Amazônia, de imediato vem à lembrança do cidadão comum a Transamazônica, símbolo da tentativa frustrada dos governos militares de promover a ocupação daquela região do País a todo custo. Poucos se lembram da BR-364 que, ao contrário da primeira, até consegui atingir os objetivos para os quais foi construída, promovendo a ocupação dos rincões do Norte e Centro-Oeste brasileiros, a despeito do abando a que foi relegada nas décadas seguintes à sua inauguração.

Importante rodovia com traçado diagonal ao mapa do Brasil, com marco zero em Limeira (SP), passando por mais quatro estados – Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia – até atingir o município de Rodrigues Alves, no extremo-oeste do Acre, a BR-364 assumiu fundamental importância como canal de escoamento da produção das regiões Norte e Centro-Oeste, induzindo a ocupação do interior e o surgimento de diversas cidades às suas margens.

Antes da sua construção, o isolamento a que era relegada a população local era dramático e inimáginável para os dias de hoje. O transporte regular de cargas e passageiros era feito por balsas operadas pelo Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAAPP). A empresa mantinha uma viagem por mês até Belém, passando por Manaus, salvo quando não aconteciam atrasos e imprevistos. Além disso, havia viagens irregulares em embarcações de madeira, típicas da região, os chamados “motores de linha”.

O transporte ferroviário era precário, realizado pela deficitária Madeira-Mamoré. A viagem dos comboios tracionados pela velha “maria fumaça” até Guajará Mirim, nos seus 366 km de extensão, era vencida em dois dias, com pernoite em hotel da Ferrovia na localidade de Abunã, a 220 km de Porto Velho.

O transporte rodoviário era inexistente. Estradas apenas as carroçáveis, fechadas pelas chuvas na maior parte do anoo. Como conseqüência dessa realidade, as distâncias entre localidades não se media em quilômetros, mas pelo tempo do deslocamento: tantas horas, ou tantos dias para chegar ao destino, pelos infindáveis meandros dos rios da Amazônia. Era a medida mais adequada às condições reais.

Para aumentar as dificuldades, não havia um serviço telefônico urbano. As ligações interurbanas usavam ondas de rádio, e a população só dispunha das instalações da Radional, cujas operações eram centralizadas em Manaus, o que tornava o sistema disponível apenas um pequeno período de tempo, em Porto Velho. Para o interior do território as condições eram ainda mais precárias. Só o governo dispunha, para suas necessidades, de um serviço de rádio que era mais inoperante que efetivo.

Decidido a por fim a esse cenário dramático, o Presidente Juscelino Kubitschek decidiu, em fevereiro de 1960, em meio a uma reunião com os governadores dos estados do norte, construir a então BR-29, mais tarde renomeada como BR-364, ligando Cuiabá a Porto Velho e Rio Branco.

Decidida a construção da rodovia, ou pelo menos seu caminho pioneiro, vários eram os desafios a vencer para cumprir a determinação presidencial: inaugurar a estrada em 10 meses. A logística difícil e o desconhecimento da região estavam entre os maiores desafios.

De imediato, sabia-se que somente com equipamentos de grande porte, e na quantidade adequada, a meta seria alcançável. Para a frente de trabalho Cuiabá-Vilhena as máquinas poderiam ser transportadas em carretas especiais, fosse por estradas existentes, ou em caminhos de serviço abertos pelos próprios equipamentos e por trabalhadores braçais. Para a frente Porto Velho-Vilhena, entretanto, somente se transportadas pelos rios Amazonas e Madeira poderiam chegar ao destino. E, nesse caso, só se podia contar com navegação segura para as embarcações do porte necessário por um período inferior a três meses por ano.

O DNER contratou a Cia de Navegação Costeira para o transporte das máquinas e equipamentos até Porto Velho. Em sua primeira viagem, a Costeira usou o Rio Tubarão, cargueiro de 5.500 t que saiu do Rio de Janeiro em 22 de março de 1960, chegando a Porto velho no dia 12 de abril. A população da cidade – à época cerca de 27.000 habitantes – colocou-se às margens do Madeira para assistir às manobras. Como no local do precário porto não havia calado para atracação, o navio foi obrigado a atracar nas barrancas do Madeira, no local denominado Terminal dos Milagres, a jusante do porto. Ali foi descarregado com a ajuda dos ferroviários, mais acostumados a lidar com cargas pesadas em condições adversas. Voltando a Belém, o Rio Tubarão retornou a Porto Velho em 5 de maio com novos equipamentos, em sua última viagem à região.

No final de maio, em navios do SNAAPP e em barcaças da Petrobrás, chegaram os últimos equipamentos. Pela frente de Vilhena outras máquinas chegavam para a grande obra que, no seu pico, chegou a empregar cerca de 5.000 homens.

Dada a quase inexistência de mão-de-obra no local, mesmo não qualificada, homens foram recrutados em todo o Brasil e para lá enviados nos próprios cargueiros e em navios da Marinha do Brasil.

Praticamente toda a área do Território do Rondônia era, então, coberta de mata virgem, praticamente inpenetrável e desconhecida. Para que se pudesse cumprir a meta de abrir uma estrada pioneira que a cruzasse, em prazo tão exíguo, foi necessário abrir várias frentes de desmatamento. As que iniciavam em Porto Velho e Vilhena poderiam ser abastecidas por terra, pela picada aberta, ainda que com dificuldades.

Mas as intermediárias exigiam outras soluções. A principal foi o suprimento aéreo. Em várias frentes os suprimentos eram jogados de avião para que os operários os procurassem em meio à selva. Incontáveis vezes perderam-se os bens lançados. E várias as mortes foram registradas, em pequenos aviões que desapareceram na selva. Mesmo assim os trabalhos prosseguiam.

Certa ocasião, quando ainda não havia um campo de pouso adequado em Vila de Rondônia (atual Ji Paraná), o engenheiro José Fiel Fontes, chefe dos serviços de desmatamento, decidiu enviar 600 homens para aquele vilarejo, para “abrir no braço” a pista indispensável. Em Nova Vida iam-se acumulando os trabalhadores que concluiam seus trechos. Instados por Fiel, que os acompanhou passo a passo, os homens concordaram em seguir a pé, mata a dentro, pelos 130 km que separavam Nova Vida de Vila de Rondônia. Aproveitando as poucas indicações do picadão aberto pelo Marechal Rondon 50 anos antes, o grupo chegou ao destino seis dias depois, sem uma única baixa, e construiu a pista.

Histórias como esta, de bravura e dedicação,
marcaram a constru&cc

edil;ão da rodovia, cujas obras foram tocadas, em seus diversos trechos, por empresas como a Construtora Camargo Correa; Empresa Nacional de Contruções Gerais; CIB – Construtora Industrial Brasileira S/A.; Sermarso – Sergio Marques de Sousa; Viatécnica S/A; Construtora Triângulo S/A.; CCBE – Cia Construtora Brasileira de Engenharia; e a Comissão nº5 da Engenharia Militar do Exército.

Além das medidas necessárias à execução física das obras, a Comissão de Construção precisou dar especial atenção a outros aspectos que, nas circunstâncias, assumiam grande vulto: as doenças tropicais, como a malária. Todo o pessoal empregado foi vacinado no momento do desembarque, de navio ou avião, contra febre amarela, varíola e tifo. Postos de saúde, com equipes médicas residentes, foram instalados em diversas frentes. Criaram-se também 12 turmas volantes de enfermagem, para atendimento de campo.

Temia-se ainda que a chegada de milhares de homens, contratados em todo o país numa seleção apressada, trouxesse graves problemas policiais. O território dispunha de pequena polícia civil e guarda territorial, incapaz de atender a demanda extra. Assim, ainda que reconhecidamente ilegal, foi constituída uma força policial própria com 28 homens selecionados entre os trabalhadores, para garantir a segurança nas frentes. Mas não foram registrados incidentes graves envolvendo a polícia improvisada.

Durante as obras, foram desmatados mais de 700 km, com 60m de largura, na Floresta Amazônica virgem. Mais de 6 milhões de m3 de terra foram escavados; foram implantados cerca de mil bueiros; construídas dezenas de pontes de madeira. Até que, em 13 de janeiro de 1961, o que parecia improvável aconteceu: a BR-29 foi entregue ao tráfego pelo presidente JK, em cerimônia simples realizada em Cuiabá. As condições de tráfego eram precaríssimas, mas a estrada estava aberta. Agora, era melhorá-la.

Mas isso infelizmente não aconteceu. Aos poucos a selva foi retomada o espaço que lhe pertencia. Nos longos períodos de chuva, de novembro a abril, a estrada fechava, tornando-se intransitável. Atoleiros e areais imensos retinham por semanas os caminhoneiros que insistiam em enfrentar as condições adversas. E tão logo o sol forte e abrasivo espantava as chuvas, era a vez das nuvens quase inpenetráveis de poeira no leito de barro. Apenas entre 1983 e 1984 um trecho da BR-364 foi asfaltado.

Obras de recuperação

Após longo período de abandono, a BR- 364 recebeu, em 2007, do Dnit, investimento de R$ 3,2 milhões para obras de recuperação e conservação em 189 km da rodovia, no estado de Mato Grosso.

A empresa Rodocon Construções Rodoviárias ficou responsável pela obra, que beneficiou o segmento entre Novo Diamantino (km 614) e o entroncamento com a rodovia MT-170 (km 799). O contrato tem vigência até maio de 2009.

Outros R$ 21 milhões foram aplicados no trecho de 1.089 km que passa por Rondônia, e cerca de R$ 230 milhões do PAC serão investidos em toda a extensão da rodovia entre 2008 e 2010, segundo o Ministério do Planejamento.

A principal vocação da rodovia hoje é o escoamento de soja, principalmente da produção de Mato Grosso.
Diariamente, cerca de 400 caminhões com o grão atravessam Rondônia rumo ao porto de Porto Velho, de onde a soja é levadapara Itacoatiara (AM) e, em seguida, embarcadapara a Europa e a Ásia.

Com a melhoria da estrada espera-se que haja uma redução nos custos da logística da exportação, e conseqüente aumento da competitividade da soja brasileira no mercado internacional.

Fonte: Estadão


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