Para concessionárias privadas, avanço dos serviçossó acontecerá com ação conjunta e bons projetos
Roberto Muniz, presidente executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon*), avalia que o Brasil vive um regime de “apartheidsocial”, quando se observam os números do saneamento básico. Por exemplo, cita Muniz na entrevista a seguir, 118,2 milhões de pessoas, ou cerca de 60% do total da população, não têm esgoto tratado.
O dirigente da Abcon diz acreditar que esse quadro só melhorará com a cooperação entre a iniciativa privada e o poder público e a existência de bons projetos, planejamento de longo prazo e gestão eficiente. É preciso profissionalismo.
Qual é a participação hoje de empresas privadas no saneamento básico no Brasil, nos municípios e estados?
Roberto Muniz– A iniciativa privada está presente em 269 municípios, em diversos estados, incluindo todos os contratos, na forma de concessões plenas e parciais, PPPs e outros modelos. A população beneficiada atinge, direta ou indiretamente, 25 milhões de pessoas.
A tendência é o crescimento da participação da iniciativa privada na área de saneamento? Ou seu oposto? Por quê?
R.M.– A tendência é o crescimento, uma vez que as demandas do País para o saneamento são enormes. São quase 35 milhões de brasileiros ainda sem acesso à rede de água, dos quais 11,3 milhões em áreas urbanas. Caso essa análise inclua a coleta e o tratamento de esgoto, o cenário é ainda mais desabonador: 118,2 milhões de pessoas não têm esgoto tratado. Desses, 82,5 milhões não possuem nem sequer coleta adequada para os dejetos. Um verdadeiroapartheidsocial, que só será superado à custa de investimentos em bons projetos, com planejamento de longo prazo e foco na gestão. A cooperação com a iniciativa privada é uma das soluções mais viáveis para o Brasil atingir suas metas de universalização dos serviços de saneamento, que, segundo o Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico, documento com diretrizes para o setor, publicado pelo Ministério das Cidades), demandam cerca de R$ 15 bilhões/ano de investimento nas próximas duas décadas. Dentro de um modelo de cooperação, a iniciativa privada já está contribuindo com recursos financeiros e humanos, planejamento e gestão comprovadamente competentes. E pode contribuir muito mais, com o cenário favorável que se vislumbra, à medida que o poder concedente enxerga cada vez mais a iniciativa privada como um parceiro, uma solução. Acreditamos que a parceria com a iniciativa privada é a melhor maneira de termos um choque de gestão no saneamento, com projetos, por exemplo, para reduzir as altas perdas dos sistemas. São projetos de duração relativamente longa, que demandam tempo e injeção maciça de recursos econômicos nas fases iniciais. Além da maior agilidade em buscar e garantir esses recursos, o segmento privado possui toda a competência técnica e humana para executá-los. Planejamento, em um modelo de cooperação, é essencial para vencer a luta contra o déficit do saneamento.
Por que, hoje, a participação da iniciativa privada está concentrada em pequenos municípios e é diminuta em municípios de maior porte?
R.M.– O perfil da participação da iniciativa privada no saneamento, de acordo com o porte dos municípios, é, na verdade, bem diversificado. Há concessões em capitais, como Campo Grande, Cuiabá e Manaus, e em cidades importantes, como Niterói, Limeira, Paranaguá, Itu, Ribeirão Preto, entre outros municípios, inclusive os de pequeno porte. O não atendimento às necessidades de cidades menores foi, aliás, um dos mitos com os quais a iniciativa privada teve de conviver sempre que se discutiam as possibilidades de sua atuação no saneamento. Felizmente, essa visão imprecisa está sendo superada, e a presença da iniciativa privada com êxito em municípios, como Palestina, Mineiros do Tietê, Itapoá e Santo Antônio de Pádua, entre outros, comprova isso.
Qual é ou quais são os principais entraves ao avanço da oferta de serviços de saneamento por empresas privadas, hoje, no Brasil? O que poderia ser melhorado?
R.M.– Neste momento, ainda há questões de ordem jurídica, como a discussão sobre a titularidade em regiões metropolitanas, e de regulação que nos preocupam. Além disso, o corporativismo e a falta de vontade política dos governos afetam o ambiente de cooperação entre o poder público e a iniciativa privada. Esses fatores criam uma falta de isonomia competitiva (igualdade de condições para atuação de empresas públicas e privadas), diminuindo assim a capacidade do privado de exercer seus melhores atributos (velocidade do investimento, inovação e gestão), essenciais para que o saneamento avance no País e diminua a situação deapartheidsocial em que vivemos, além de impossibilitar que a melhor proposta, de melhor tarifa e qualificação técnica, chegue ao usuário final (consumidor). Os recursos, sejam de que origem for, precisam conviver de forma harmônica, para construir uma solução para a universalização.
Na gestão do saneamento público pelo setor privado, que tipo de gestão ou estratégia tem se mostrado mais eficiente? Existe, já, um ensinamento a ser compartilhado, uma aprendizagem no trato do setor feito pelas empresas privadas?
R.M.– Sim, existem diversos modelos de gestão praticados pela iniciativa privada, e todos priorizam a redução de perdas no sistema, a a
mpliação, renovação e manutenção das tubulações e outras medidas que, ao mesmo tempo em que garantem o abastecimento à população, permitem que seja garantida a receita das operações. Sem isso, a concessionária não se habilita a prestar o serviço adequadamente, conforme previsto em contrato. Uma boa mostra desses modelos de gestão será apresentada em agosto, quando acontece o 5º Encontro Nacional das Águas, evento promovido pelo Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindcon), com o apoio da Abcon.(Guilherme Azevedo)
*Fundada em 1996, a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto visa, entre outros objetivos, ampliar a participação da iniciativa privada nos serviços públicos, capacitar as concessionárias e representar o interesse de seus cerca de 100 associados.
Fonte: Revista O Empreiteiro