Ao completar 75 anos, em 2014, a Camargo Corrêa continua a espelhar-se em alguns dos fundamentos do fundador, Sebastião Camargo: ousar nas inovações e avançar, em todas as áreas de atuação, atenta à capacidade de controlar riscos
Nildo Carlos Oliveira
Passados 75 anos, o grupo transformou-se. É uma das maiores organizações empresariais privadas do País, com atuação em diversos setores, incluindo engenharia e construção, cimento, concessões de energia e de transporte e mobilidade urbana, indústria naval e offshore e incorporação imobiliária. Tem obras em 20 estados brasileiros e está presente em 22 países.
O grupo contabiliza receita líquida de R$ 27 bilhões, com perspectivas de crescimento acentuado ao longo deste ano. A Divisão Engenharia e Construção, que respondeu, em 2013, por um faturamento de R$ 6 bilhões, quer fechar 2014 com resultado ainda maior. Responsável por mais de 500 obras, dentre elas usinas hidrelétricas, campo em que se notabilizou pela eficiência e ousadia da engenharia aplicada, inovou procedimentos no campo das obras rodoviárias e de metrôs, tornando-se uma das principais empresas brasileiras na execução de projetos de infraestrtura, tanto aqui quanto no exterior. Projetou-se em especial na América Latina.
O engenheiro civil Dalton Santos Avancini, atual presidente da Divisão Engenharia e Construção, formou-se pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. Ele ingressou na empresa em 1992 e fez toda a sua carreira ocupando alguns dos mais importantes cargos de direção. Ocupou, por exemplo, a superintendência da Camargo Óleo & Gás e, anteriormente, a superintendência de Projetos na área de saneamento básico; depois veio a ocupar a diretoria de Projetos de Infraestrutura, antes de assumir a presidência da Divisão Engenharia e Construção.
Em entrevista exclusiva para esta edição da revista O Empreiteiro, o engenheiro diz que a empresa prospera consciente do legado deixado pelo fundador: a valorização da tecnologia; a capacidade de inovar-se continuamente e o empenho em manter a qualidade, em cada pormenor da obra, de menor ou maior escala, em que esteja atuando. “A história desses 75 anos de crescimento é a história da manutenção e do respeito a esse legado”, diz o engenheiro. A seguir, a íntegra da entrevista.
Completado o atual ciclo dos 75 anos, como a empresa se prepara para enfrentar as próximas décadas?
Diria que, com cuidado, mas sem receio de ousar. O nosso mercado de obras é um desafio permanente. Sobretudo, o mercado de obras de infraestrutura. Nessa área o nosso atraso ainda é muito grande. Até secular. Por mais que façamos, sempre há obras para serem feitas. E, para a execução das obras, temos a clareza da necessidade de valorizar as empresas de projeto, que precisam de investimento forte para se inovar em bases técnicas e econômicas estáveis. Temos a convicção de que a nossa indústria precisa ser modernizada. Ainda dispomos de métodos artesanais que em outros países não existem mais. E indústria brasileira moderna, capacitada e forte precisa de infraestrutura também forte.
Para o País funcionar com uma indústria e uma infraestrutura fortes, a engenharia não precisa se abrir mais, aproveitar o processo de globalização, a fim de ampliar espaços para empresas de engenharia que venham de fora?
Temos de encarar esse processo com bastante cuidado, pois abertura não pode favorecer aventuras. Abertura para aventureiros é danosa. O aventureiro chega, tira o máximo de proveito possível no menor tempo e, depois, vai embora, deixando a gente no prejuízo. Muitas vezes esse tipo de procedimento enfraquece a indústria, quando ela não tem condições de assimilar técnicas inovadoras. Entendemos que há uma série de questões associadas à abertura, que é um processo global. Mas tudo isso deve ser feito com as condições e os cuidados necessários.
Mas a recíproca não pode ser verdadeira?
Temos a nossa visão sobre isso. Não por acaso fomos uma das primeiras empresas da área a prestar serviços no exterior. O nosso primeiro projeto foi a construção da usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela, em 1978. Participamos de um consórcio internacional para construir essa hidrelétrica, que tem capacidade instalada de 10.132 MW. É uma obra concluída em 1986.
Nessa caso, a internacionalização não foi uma medida benéfica, para a empresa?
Sim, uma vez que se tornou possível levar a nossa experiência para o exterior. Podemos afirmar, sem nenhuma margem de erro, que a Camargo é responsável por 50% do parque nacional gerador de energia. Essa inflexão para o exterior ocorreu ainda na época do fundador, Sebastião Camargo, para quem a empresa deveria manter sempre certo índice de internacionalização. Como resultado desse processo continuamos na Venezuela e mantemos operações em outros países da América Latina – na Colômbia, por exemplo. E estamos na África. Esse processo é muito importante uma vez que ajuda a equilibrar a economia da empresa, em especial quando o mercado nacional oscila. Mas queremos enfatizar que o mercado brasileiro é muito atraente. Quando a gente compara o tamanho desse mercado interno de obras de engenharia, do ponto de vista de investimento, com o mercado de obras de outros países, a gente se apercebe de quanto ele é importante.
Poderíamos, só para continuar seguindo esse raciocínio, falar da atuação da empresa no mercado brasileiro?
O mercado brasileiro tem uma dinâmica própria, um potencial muito maior do que qualquer outro mercado. É por causa disso que a Camargo mantém quatro divisões em seu organograma. Temos a Divisão de Projetos de Inf
raestrutura, voltada, sobretudo, para empreendimentos do governo. Haja vista o exemplo da Ponte de Laguna, em Santa Catarina (ver matéria nesta edição). Há as obras em execução para a prefeitura de São Paulo; estamos fazendo o metrô de Salvador (BA), em consórcio com a Andrade Gutierrez e que hoje é uma concessão da CCR, e estamos construindo o Sistema Produtor São Lourenço, para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Somos investidores e participantes da estruturação desse empreendimento. A obra está sendo construída segundo o modelo de Parceria Público-Privada (PPP).
Na Divisão de Óleo & Gás temos obras muito importantes. Trata-se de segmento que ficou muito forte nos últimos anos, no qual várias das principais empresas de engenharia e construção brasileiras ganharam notável impulso de crescimento. Vou fazer referências a algumas obras. Veja o seguinte: nós participamos de obras da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) em Araucária (PR) e estamos na Refinaria do Nordeste (Rnest – Abreu e Lima, Suape, PE). Das doze unidades principais desta refinaria estamos construindo duas.
E o Etanolduto? Qual o significado dele?
É empreendimento projetado para o transporte do etanol do interior de SP para a Refinaria de Paulínia (SP). Lideramos o consórcio construtor do sistema multimodal de logística de etanol e concluímos o duto (207 km) que liga a Refinaria de Paulínia ao Terminal Terrestre de Ribeirão Preto. Quando concluído no seu conjunto, em 2016, o Etanolduto irá atender aos principais centros de produção e consumo do País. Ainda no segmento de Óleo & Gás estamos desenvolvendo os projetos de plataformas, que fazem parte do nosso programa de obras na área de engenharia e construção.
Quero assinalar nossa presença no campo da infraestrutura para plantas industriais, como a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, para a Vale, e o mineroduto Minas-Rio, da Anglo American, obra de 525 km, que tem características marcadamente especiais: há muitas interferências e as difíceis condições geológicas de Minas Gerais.
Já no segmento de energia estamos participando do projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, e concluindo a usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Mas não posso deixar de mencionar, aqui, uma obra internacional: a construção da usina hidrelétrica de Ituango, na Colômbia, obra já enfocada por O Empreiteiro, que chamou a atenção para as condições absolutamente adversas em que ela é executada.
Vamos aproveitar, então, o tema dessa obra, para voltar a falar um pouco mais das operações dos serviços de engenharia no exterior.
Reconheçamos: é importante mostrar os avanços dessas experiências. Ainda recentemente entregamos a maior obra de saneamento executada na Grande Buenos Aires. Refiro-me ao sistema Berazategui, situado a cerca de 30 km daquela capital, que incluiu a construção da planta de pré-tratamento e a sua interligação com o emissário existente, de 3,5 km de extensão.
(Essa obra, executada por um consórcio liderado pela Camargo Corrêa, integra um programa de reurbanização da cidade e de recuperação do rio da Prata, com vistas a beneficiar mais de 43 milhões de pessoas. Ao inaugurá-la, recentemente, a presidente Cristina Kirchner disse: “Há 102 anos, 30% dos esgotos das cidades ao redor deságuam em Berazategui e hoje estamos pondo em marcha uma obra que não é apenas de infraestrutura, mas de saneamento”.)
Atualmente estamos realizando outra obra de saneamente na bacia do rio Tuy, região perto de Caracas, Venezuela. Essa obra se destina ao atendimento de uma população da ordem de 5 milhões de pessoas. Estamos, portanto, presentes em quase todos esses países da América Latina. No Peru vamos concluir algumas rodovias e ferrovias. Mas estamos ampliando também a nossa presença na África. Temos obras em Angola e em Moçambique.
Falou-se, aqui no Brasil, numa parceria que a Camargo estaria fazendo com um grupo chinês experiente em ferrovias.
Sim, é uma parceria que firmamos com a China Railway Construction Corporation. Essa empresa, contudo, não está vindo apenas como construtora. Ela vem para investir e esse é um dos aspectos de nossa parceria, criada em função do Programa de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal, que prevê concessões no segmento ferroviário. Quero destacar que o nosso objetivo é absorver tecnologia em um segmento em que a empresa chinesa é considerada uma das maiores construtoras do mundo. Eles vêm como investidores e nós atuaremos principalmente como construtores.
A questão da sustentabilidade, em uma empresa que se desenvolveu construindo grandes barragens, é prioritária na agenda dos trabalhos que ela realiza?
É prioritária. E, em nossas obras, você vai encontrar os exemplos dessa política. Ela é uma agenda permanente. Mas, a título de ilustração dessa conversa, quero citar dois exemplos. O primeiro é a construção da avenida João Paulo II, na região metropolitana de Belém, Pará. Não se trata de uma via apenas para que a população possa ter acesso mais rápido e seguro a suas casas ou ao trabalho. O projeto inclui um parque para a comunidade e a avenida é construída de modo a servir como instrumento de proteção a essa área.
A nossa visão de construtora está cada vez mais mesclada com a responsabilidade de uma política de sustentabilidade. E outro projeto que se insere nessa mesma linha de propósito é o da Ponte de Laguna, em Santa Catarina. As nossas obras mostram que sustentabilidade não é um discurso retórico. É fato. Está na prática. Digo mais: as empresas de engenharia que sobreviverem nos próximos 30, 40, 50 anos serão aquelas que incluem a sustentabilidade como agenda principal.
Considero que a existência de reservatório compatível é fundamental para o equilíbrio do sistema. Ao reduzir a área de alagamento — o que é ambientalmente razoável e compreensível – a situação pode se complicar e aí vamos precisar acionar outras fontes geradoras de energia.
As soluções alternativas não resolvem?
Essa é uma discussão que não pode ser simplista nem isolada. A sociedade precisa fazer essa discussão. Mas é claro que, quando se fala em obras de infraestrutura, sempre tem que se considerar a necessidade de abrir mão de alguma coisa. Hoje, não defenderia a construção de lagos a exemplo de vários executados em algumas hidrelétricas do passado. Mas há necessidade de reservatórios compatíveis. Ao diminuir demais, os lagos, e construir hidrelétricas a fio d´água, a rigor não se diminui o investimento na mesma proporção e acabamos transformando a energia em alguma coisa muito cara. A sociedade paga o acréscimo desse custo. A sociedade precisa discutir isso.
A Camargo está se reinventando para o futuro?
Temos a nossa história. E a nossa responsabilidade está ligada à história do fundador. O seu exemplo continua a nos inspirar para o futuro.
Fonte: Revista O Empreiteiro