Crescimento da economia pode exigir capacidade adicional de geração

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A produção de energia pode aumentar, mas a situação ainda não é confortável

Desde a "era das enceradeiras", o Brasil não via tamanha movimentação no setor de energia elétrica. Para o mês de agosto, está previsto o pregão de compra de energia de fontes alternativas (eólica, termelétrica à biomassa e PCH); em junho passado, leilão de linhas de transmissão; em maio, o Plano Decenal de Expansão de Energia da Empresa de Pesquisa Energética prevê a instação de 30 milhões de MW até 2019; em 2011, leilão das usinas do Alto Tapajós; em abril passado, leilão de Belo Monte; Santo Antônio e Jirau seguem firmes. A "era das enceradeiras" marca a época da instalação da indústria de equipamentos elétricos pesados no Brasil, entre as décadas de 50 e início da de 60. Só no período entre 1954 e 1958, o País bateu récordes no consumo de enceradeiras, geladeiras (substituindo o antigo armário de gelo), televisores, aspiradores de pó, ventiladores, batedeiras e liquidificadores.

Enquanto isso, as empresas de energia elétrica erguem a taça da rentabilidade sobre o capital com retornos sobre o patrimônio líquido acima de 30% ao ano, nos últimos cinco anos.

Enquanto isso, a holding brasileira Eletrobras convoca as as construtoras brasileiras para criar um consórcio e levantar cinco hidrelétricas na Amazônia peruana, alocando R$ 25 bilhões, com apoio do BNDES. A China fecha contrato de R$ 3 bilhões para comprar concessionárias de transmissão, o maior valor aplicado pelos chineses no País.

Por falar em americanos e para usar a comparação, os Estados Unidos com uma população 1,6 vez maior do que a brasileira e um PIB sete vezes superior conta com uma potência instalada quase dez vezes acima da brasileira. A grande diferença a nosso favor aparece na matriz, mais limpa em comparação com a de países como os Estados Unidos ou China, deitados no perigoso colchão das termelétricas movidas a combustível fóssil. Nos Estados Unidos e no Canadá das 5.400 plantas de geração e 3.000 concessionárias, a metade da energia elétrica vem do carvão que custa míseros centavos de dólar o kWh. Na América, hidrelétricas, eólicas e solares respondem por menos de 8%. Então por que toda essa discussão em torno das hidrelétricas, uma fonte limpa de produção de energia?

Floresta intocada?

Primeiro, ninguém constroi a terceira maior hidrelétrica do mundo com uma área inundada de 516 km2, na queda de 90 m entre Altamira e a Volta Grande do Xingu, na selva do Pará, no valor de R$ 16 bilhões só para as empreiteiras, num total de R$ 25 bilhões, sem um mínimo de quebra-pau. Marcia Camargo, coordenadora da secretaria executiva do núcleo de gestão socioambiental do ministério de Minas e Energia, em recente evento do International Business Communications do Informa Group em São Paulo sobre aproveitamentos hidrelétricos, considerou que tudo faz parte das novas posturas governamentais para "ampliar a democracia numa sociedade multifacetada de interesses". Marcia Camargo esteve no evento para falar das usinas plataformas.

Depois, a polêmica em torno da usina de Belo Monte, com 11.233 MW de potência – descontados os caminhões de esterco dedicados à Aneel e a presença chique radical de representantes de Hollywood – não contempla a elegância de uma matriz diversificada. Mais algumas comparações: no leilão de usinas eólicas de agosto de 2010 entraram em disputa nada menos do que 425 empreendimentos com capacidade de produzir 11.214 MW, um número quase idêntico à potência prevista para Belo Monte. Aliás, nessa área de geração eólica o governo prevê a entrada de R$ 8 bilhões de até 2012.

A Eletronorte mudou o projeto da hidrelétrica de Belo monte para enxugar a proposta: a escavação dos canais de desvio mudou de dois para apenas um, as turbinas, de 20 foram para 18, a casa de força diminuiu de tamanho e mudou de lugar. Para o presidente da Comerc, comercializadora e consultora de energia, Christopher Vlavianos, o preço do MWh para Jirau e Santo Antônio, assim como para Belo Monte, de 78 reais, "está razoável. A volatilidade está no mercado livre", explica o consultor. Mas, para as grandes consumidoras, o preço pode chegar a 130 reais o MWh. Isso atraiu as autoprodutoras, grandes consumidores que ficarão com 10% da usina (fatia disponível: 400 MW médios), como a Sinobrás (Siderúrgica Norte Brasil), de Marabá (PA) e a Gaia. A Gerdau, Brasken e CSN recusaram o convite de participar.

O leilão – vencido pelo consórcio Norte Energia composto pela Eletronorte, Eletrobrás e Chesf, capitaneado pela Gaia Energia e Contern, do grupo Bertin, além da Queiroz Galvão, a paranaense JMalucelli, Serveng, Galvão, Mendes Júnior, Cetenco e a Invepar, constituído pelos sócios Funcef (da CEF) junto com a Cevix (da Engevix), OAS, Petros (da Petrobras) e Previ (do Banco do Brasil), em parceria com o grupo espanhol Iberdola, sócias da Bolzano – definiu quem vai gerir a usina pelos próximos 35 anos. O contrato para fornecimento de equipamentos, no valor de R$ 6 bilhões, será firmado com a Alstom (francesa, com fábricas em São Paulo e Rondônia), Voith Siemens (alemã, com fábrica em São Paul0) e Vatech Andritz (austríaca, com unidade industrial em Araraquara). Para o assessor técnico da vice-presidência de Distribuição da Rede Energia, Decio Michellis Júnior, o grande risco desses arranjos é a "estatização branca com possíveis esgotamentos dos fundos de pensão".

Com recursos do PAC, a Eletrobras, Eletronorte e o ministério de Minas e Energia preparam o leilão do complexo rio Tapajós. A bacia foi reinventariada e inserida num mosaico contíguo em áreas de floresta e parques nacionais. Dos sete eixos, o governo iria viabilizar cinco mas, no final, optou por seis: São Luiz do Tapajós (com 6.133 MW), Jatobá (2.336 MW), Cachoeira do Caí, Jamanxim, Cachoeira dos Patos e Jardim do Ouro (as soma das outras quatro chega 2.438 MW), com uma área inundada de 1.980 km2.

Ela tem apresentado e debatido o conceito de usinas plataformas para barramentos e reservatórios, uma espécie de intervenção "cirúrgica" civil, com canteiros reduzidos e recuperação ambiental das áreas usadas na construção. Ao final da obra, o canteiro volta ao estado natural como uma unidade de conservação com a usina acobertada por área verde. "Da cidade não dá para enxergar", diz Marcia. Sem estrada nem áreas para transportes ou depósito de materiais e, depois, sem áreas educativas para maximizar o controle e impedir a entrada de novos processos econômicos. "Apesar de não existir uma norma, a ideia

seria buscar a conciliação, a baixa ocupação, com intervenção restrita e revezamento de trabalhadores, transportados de helicóptero." Para o consultor João Carlos de Oliveira Mello, presidente da Andrade & Canellas, esse modelo trará maior custo de transmissão pois exige grandes interligações e gestão de armazenamento. "A usina plataforma vai agregar overhead de custo", alerta Oliveira Mello.

Para o governo, a usina plataforma indica que será preciso evitar casos como o de Dona Francisca que atraiu uma cidade em volta. "A visão de área intocada parece um pouco mítica. Nos campos amazônicos, são raras as regiões isentas de mineração, invasão ou extração de recursos", exemplifica Marcia. O conceito de usina plataforma antevê a obra com alto nível de conservação da floresta ou do meio físico biótico, sem deixar de prover energia para a área, com empregos, tecnologia, serviços públicos e privados. E, em áreas de conservação com proteção integral, o governo pretende fazer um balanço que inclua as exigências, a legislação e os apelos da sociedade civil e das populações que habitam as terras indígenas.

Água ou carvão?

Quando o governo divulgou o Plano Decenal de Expansão de Energia, que prioriza as hidrelétricas, muitos como o professor da USP, José Goldemberg, comemoraram a correção de rota com a retomada da participação de fontes renováveis na matriz elétrica, a partir de 2014. "A orientação do plano anterior, de 2008-2017, é abandonada e o novo não prevê nenhuma expansão de geração com carvão, gás e óleo combustível, além de 2013. A expansão deverá ocorrer com biomassa, usinas eólicas e hidrelétricas", comentou Goldemberg em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, em maio. Para João Carlos de Oliveira Mello, presidente da Andrade & Canellas, ignorar as complementações térmicas é um erro. "O plano deveria especificar o mix com as térmicas para poupar água dos reservatórios na época da seca", diz Oliveira Mello.

Em junho o Brasil gerou 50% mais energia de usinas termelétricas na comparação com o mesmo mês de 2009 e 80% nos primeiros cinco dias de julho. Se as térmicas não fazem parte do planejamento estratégico para os próximos anos só pode acontecer uma coisa: cresce o risco de racionamento e o valor da tarifa tende a subir. O professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro declarou ao jornal Folha de S. Paulo que a conjunção do aumento da demanda pela retomada econômica e o regime hidrológico desfavorável obrigou o governo a acionar as térmicas. Mas para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, em artigo ao mesmo jornal, "90% das térmicas contratadas nos leilões ainda não entraram em operação, o que vai aumentar os preços e a sujeira da matriz energética".

Para Oliveira Mello, 70% dos grandes reservatórios estão no Sudeste com usinas em cascata. As novas, com fios d’água, longe dos centros de consumo (pelo custo do uso da terra), com maior custo de transmissão, exigem grandes interligações e maior gestão de armazenamento. "A retração econômica de 2009 trouxe crise para as grandes consumidoras mas para 2010, o crescimento do consumo pode atingir até 10%. A tendência de crescimento entre 3 e 5% ao ano deve seguir pelos próximos dez anos. Isso implica em implantar entre 55 e 80 GW de potência até 2019", mais do que está escrito no plano decenal. As novas concessões, leiloadas entre 2005 e 2010, têm entregas previstas para 2009 e 2015. Por isso, vários analistas concordam que as gerações alternativas nem sempre responderão à produção hidráulica ou térmica como bases sólidas de um possível "crescimento chinês".

Para Goldemberg, o consumo per capita do brasileiro ainda é baixo e precisa crescer. "Mas o novo plano decenal, como os anteriores, não dá importância devida ao papel que a eficiência energética, isto é, a racionalização do uso de energia poderia ter no País. O plano prevê economias de menos de 5% em 2019 apesar de a experiência internacional mostrar que se poderia economizar muito mais, sem abrir mão dos confortos da civilização moderna", lembra o professor da USP.

Entre os caminhos do crescimento com fontes renováveis está o setor de pequenas e médias hidrelétricas, bastante aquecido. Cerca de 70 obras de pequenas hidrelétricas se encontram em andamento no Brasil, movimentando R$ 4,5 bilhões de reais, o que engloba a aquisição de terras, engenharia, construção civil, fabricação e montagem de equipamentos eletromecânicos, linhas de transmissão e programas ambientais.

"Setenta pode parecer um número grande mas, pela quantidade de estudos de viabilidade, na casa dos milhares, é uma quantidade pequena", opina Rodolfo de Sousa Pinto, vice-presidente de construção e suprimentos de energia e recursos hídricos da Engevix, responsável por tocar duas PCHs, a Moinho – entre Barracão e Pinhal da Serra, no norte do Rio Grande do Sul, com 13,7 MW e barragem de CCR, com entrega prevista para setembro de 2011 – e a PCH Passos Maia – em Passos Maia, oeste de Santa Catarina, com 25 MW, barragem em CCR e terra, com operação prevista para o final de 2011. Segundo atualização recente do Banco de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica existem no País 367 PCHs com potência outorgada de 3.162 MW, que corresponde a 2,86% da capacidade total instalada.

Para Christopher Vlavianos da Comerc, ao contrário, 70 PCHs em obra, parece um número bastante alto. "O mercado de PCHs está superaquecido. Por isso, um número maior de empreendedores com pretensões de investir pode pegar um mercado de construção e montagem com equipamentos mais caros. Num momento menos aquecido, os preços podem baixar mas o preço da energia pode estar mais baixo também", alerta Vlavianos. Para o diretor regional do Núcleo São Paulo do Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), Clóvis Ribeiro de Moraes Leme, "a pulverização em unidades geradoras menores aquece todos os setores industriais e de serviços envolvidos, desde as áreas de projetos, consultoria até a manutenção e operação automatizada, passando por empresas de construção civil, fábricas de equipamentos e empresas de montagem eletromecânica".

Essa pulverização aguça a imagem pixelada de empresas como a Ersa, Empresa de Investimento em Energia Renovável que anunciou R$ 750 milhões na construção de sete PCHs, com início programado entre o final deste ano e o primeiro semestre do próximo. Seis est&at

ilde;o previstas para Minas Gerais e uma para Santa Catarina. Quando prontas, em 2013, vão somar 127 MW de potência. Outra empresa, a catarinense Rischbieter, faz as contas e separa R$ 636 milhões para construir 15 novas PCHs.

Para o CBDB, as discussões internas vêm reforçando a percepção da maioria dos agentes do setor: as áreas de regulação e de licenças são os maiores obstáculos para o desenvolvimento do mercado de PCHs e o consequente incremento da participação das médias e pequenas na produção de energia elétrica. Para alguns analistas como Decio Michellis, da Rede Energia, as pressões das ONGs, dos bancos de financiamento e da sociedade civil provocou uma drástica redução na capacidade de armanezamento dos reservatórios das novas hidrelétricas. "Na década de 70, a capacidade de gerar energia estava garantida mesmo com uma estiagem de 20 meses. Em 2003, essa capacidade de enfrentar secas havia diminuído para cerca de 5,8 meses. As novas hidrelétricas projetadas só podem acumular, em média, dois meses de chuvas", diz Michellis.

De A a B

No negócio de transmitir energia entre dois pontos, a China aportou com o maior volume de capital. Colocou mais de R$ 3 bilhões para comprar sete concessionárias de transmissão de energia no Brasil. A estatal chinesa State Grid comprou as espanholas Cobra, Elecnor e Isolux, o maior valor destinado pela China em negócios brasileiros até agora. O trato inclui a compra da Expansión e bate o récorde de outros planos chineses como a compra da Itaminas do empresário Bernardo Paz. A State Grid faturou mais de US$ 164 bilhões em 2008, transmitindo e distribuindo energia por 88% do território chinês. Segundo a Fortune a State Grid é a 15a maior empresa do mundo.

Em junho, a Aneel realizou o leilão de transmissão de quatro linhas de torres e cabos e 11 subestações em sete estados, na BM&F Bovespa. O valor pode chegar a R$ 700 milhões e gerar 3,4 mil empregos. Duas subsidiárias da Eletrobrás, a Chesf e a Eletrosul, além da Copel dominaram as ofertas com deságio médio final de 31%. Dos 708 km de linhas, a Copel ficou com a maior fatia. Vai implantar o trecho da linha Araraquara-Taubaté para escoar a energia vinda do rio Madeira e ainda construir a subestação de Cerquilho. No Maranhão, a Elecnor vai melhorar a qualidade da energia e aumentar a confiabilidade do sistema. No Rio Grande do Sul, a catarinense RS Energia (Empresa de Transmissão de Energia do Rio Grande do Sul) se comprometeu a dar mais segurança à subestação de Garibaldi e permitir o despacho pleno das usinas do rio das Antas. As concessões valem por 30 anos.

Apesar de a fonte nuclear compor apenas 1,5% da matriz energética brasileira, o governo antecipa a futura terceira usina da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, localizada na praia de Itaorna, município de Angra dos Reis (RJ). A usina de Angra 3 terá uma potência bruta de 1.405 MWe, podendo gerar cerca de 10,9 milhões de MWh por ano. Deverá entrar em operação em maio de 2015. Será similar a Angra 2, em operação há cerca de 8 anos. Serão necessários investimentos adicionais de R$ 8,56 bilhões.

O Ministério de Minas e Energia publicou em junho, no Diário Oficial, uma portaria que autoriza a celebração de contrato entre a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e a Eletrobras Eletronuclear para a contratação, na modalidade energia de reserva, de até 1.184 MW médios provenientes da usina nuclear Angra 3. O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, que fixa as diretrizes e metas para o desenvolvimento do plano, apresentou ao presidente Lula a proposta de construção de mais quatro usinas nucleares com capacidade de 1.000 MW cada, sendo duas no Nordeste e outras duas no Sudeste. Dependendo da evolução futura da necessidade de expansão da oferta de eletricidade existe a possibilidade do acréscimo de mais duas usinas com um acréscimo de 2.000 MW.

No Brasil ainda não se fala muito em smart grid ou rede inteligente com duas vias que permite ao usuário comprar e vender energia ao sistema interligado. A digitalização dos aparelhos – só as PlayStations e os iMacs da vida respodem por 15% do consumo mundial -, o carro elétrico, as novas gerações de baterias e o cabo supercondutor podem estimular a rede de duas vias, mais automatizada, capaz de se autorregenerar com mais facilidade e sofrer menos panes. Só nos Estados Unidos e Canadá, os técnicos calculam que perdem cerca de US$ 80 bilhões com blackouts e brownouts todos os anos nos 300 mil km de fios de alumínio aéreos e subterrâneos. Os cabos de supercondução, ideais para áreas de alta densidade urbana, podem carregar entre duas a cinco vezes mais potência na mesma bitola mas os custos com refrigeração ainda são altos. Mas a tecnologia permite, por exemplo, postergar ou eliminar os upgrades de transmissão quando ocorrem altas descargas de voltagem. Os europeus também discutem novas tecnologias para melhorar o desempenho das redes elétricas: uma teia de cabos submarinos poderia ligar o mar Mediterrâneo e o mar do Norte ao continente europeu e à África, trazendo energia solar do Sahara à Escandinávia.

Capacidade instalada das grandes usinas

22.500 MWTrês Gargantas, China

14.000 MWItaipu, Brasil

11.233 MWBelo Monte, Brasil

Potência instalada no Brasil

110.567 MWMaio de 2010

Consumo

55.004 MWQuinta-feira, 22 de julho de 2010 (pico medido às 18h)

Fonte: Estadão


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