Não dá para deixar passar em brancas nuvens a informação de que o governo paulista atirou R$ 160 milhões em sistema de despoluição do canal do rio Pinheiros inutilmente. Pior ainda: não dá para acreditar que ele haja deixado passar dez anos para, só então, constatar a inutilidade dos gastos.
Lembro a ampla divulgação do sistema na época em que se preparava o ambiente para a sua adoção. A palavra oficial era de que as vantagens seriam inúmeras. O sistema reduziria a poluição das águas que seriam canalizadas para o abastecimento e geração de energia elétrica da usina Henry Borden, em Cubatão. E que a tecnologia da flotação, empregando processos físico-químicos, agruparia as partículas sólidas na superfície da água, facilitando a remoção do lixo que ali ficaria concentrado.
Tudo parecia fácil, simples, operacional. Mas, ao longo dos anos, quem passasse pelas margens do rio, observaria que ele continuava a ser um canal de esgotos a céu aberto. Até que testes mais recentes e precisos, realizados por decisão da Justiça, comprovaram a inocuidade da operação, finalmente suspensa. E, nesses dias, veio a palavra final do poder público: o uso daquele volume de dinheiro dos contribuintes teve resultado zero.
Zero, não, diria a voz oficial. Ela acentuaria que “a limpeza de um canal como o Pinheiros é sempre controversa”, mas que o investimento não seria inútil, pois, “apesar de todo o dinheiro gasto, a experiência valeu como aprendizado”.
Um governo que tem uma empresa como a Sabesp e uma experiência de décadas no abastecimento e tratamento de água, não pode gastar aquele volume de recursos em “aprendizado”. E deveria saber que o primeiro passo no caminho para a despoluição do canal do rio Pinheiros ou de qualquer outro rio é tratar os cursos d´água que chegam até ele, a fim de que toneladas de esgoto de toda ordem não sejam ali despejadas. (A propósito, ler artigo, abaixo, do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos).
Flotação do Pinheiros, mais uma mágica frustrada
Álvaro Rodrigues dos Santos*
Agora de forma definitiva o governo paulista anuncia que desiste de implantar o projeto de flotação do Rio Pinheiros, com o qual se pretendia despoluir as águas do rio e reiniciar a produção de energia elétrica na Usina Henry Borden, em Cubatão. Objetivo meritório de recuperar a operacionalidade de um dos projetos energéticos, Billings, mais fantásticos já concebidos no país: o aproveitamento do desnível de 700 metros da Serra do Mar para produzir energia ao pé da serra com a reversão hídrica de águas do Tietê e Pinheiros. Projeto que foi interrompido em 1989 por obséquio do intolerável grau de poluição das águas urbanas de São Paulo.
O caso do Projeto Flotação é exemplar para trazer à tona a facilidade com que administradores públicos se deixam iludir por “mágicas” tecnológicas oferecidas para a solução de crônicos problemas de infraestrutura urbana. O ilusório “passe de mágica” atende as expectativas políticas de nossos governantes em obter resultados de seus investimentos de seu governo a um tempo que viabilize seu aproveitamento e sua exploração político-eleitoral. Ao mesmo tempo, esse encanto com a solução fácil e rápida para problemas crônicos faz parte da enorme dificuldade cultural de nossas administrações públicas trabalharem com perspectivas de médio e longo prazo, com programas que exigiriam continuidade ao longo de sucessivos governos.
Esses atributos os tornam assim vulneráveis a propostas mirabolantes, quando não a propostas espertamente engendradas nos escritórios de grupos privados interessados nos futuros contratos de implantação ou exploração das “mágicas” propostas.
Outro exemplo na ordem do dia são nossos deletérios piscinões, com os quais se prometeu ao governo paulista e prefeituras metropolitanas o mágico fim das enchentes. Estamos aí hoje com vários desses atentados sanitários, urbanísticos e ambientais desvalorizando e poluindo áreas públicas densamente habitadas e as enchentes sucedendo-se, a cada ano mais freqüentes e intensas. Fruto da incompreensível resistência em atacar as verdadeiras causas do problema maior através de um grande e prolongado elenco de medidas não estruturais voltadas a desimpermeabilizar a cidade e a reduzir o assoreamento das drenagens por sedimentos e lixo.
Gastos declarados de R$ 160 milhões na frustrada experiência da flotação na verdade são pequena parte dos prejuízos. E o tempo dedicado ao projeto ao longo de quase 10 anos por diversos órgãos públicos? E o atraso imposto nos estudos e na implantação de medidas técnicas que realmente fariam sentido? Tudo isso vale muito dinheiro e se traduz na prática em maior redução ain
da da já baixa qualidade de vida da população. E isso, que preço teria?
Creiam os administradores públicos, não há mágicas no trato da coisa pública. Sejam mais suspeitosos e resistentes frente a ofertas de soluções rápidas e fáceis. Delas desconfiem. E escudem-se para tanto no corpo técnico de suas instituições públicas como o IPT, a Universidade, os vários Institutos de Pesquisa que ainda insistem em sobreviver, nos técnicos de valor que ainda sobraram do esvaziamento dos órgãos públicos, em empresas privadas de reconhecido mérito técnico e ético.
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo (santosalvaro@uol.com.br):
· Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
· Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
· Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
· Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
Fonte: Estadão