Por Fernanda Gregati*
Há um momento crítico em todo projeto de infraestrutura que raramente recebe a atenção que merece: aquele em que escolhemos como proteger o aço estrutural contra o fogo. Estamos falando de pontes, arranha-céus, estádios e instalações industriais –estruturas que sustentam literalmente nossa civilização. E, embora o aço seja a espinha dorsal da construção moderna, ele guarda uma vulnerabilidade silenciosa que poucos consideram até que seja tarde demais.
Quando exposto a temperaturas próximas de 538°C, o aço estrutural pode perder metade de sua capacidade resistente. E aqui está o dado que deveria tirar o sono de qualquer gestor de projeto: incêndios celulósicos – aqueles alimentados por materiais comuns como madeira, papel e tecidos, presentes em qualquer edifício – atingem essas temperaturas em questão de minutos. Não estamos falando de cenários extremos ou improváveis. Estamos falando da realidade cotidiana do risco de incêndio.
É nesse contexto que os revestimentos intumescentes surgem como uma das soluções mais eficazes da engenharia moderna. Quando expostos ao calor intenso, esses revestimentos reagem quimicamente, expandindo-se para formar uma camada carbonácea isolante que reduz drasticamente a transferência de calor para o aço subjacente. O resultado? Tempo precioso para evacuação e combate ao incêndio, preservação da integridade estrutural e, em última instância, vidas salvas. Mas há um problema: nem todo sistema intumescente é criado igual, e a diferença entre um sistema adequadamente testado e outro que não foi submetido a ensaios precisos pode ser catastrófica.
A questão central não é se devemos usar proteção passiva contra fogo – os códigos de construção já responderam isso por nós. A questão é: como garantir que o sistema especificado funcione exatamente como prometido quando o incêndio ocorrer? E a resposta está na precisão dos ensaios de fogo, algo que vai muito além de simplesmente submeter uma amostra de revestimento a altas temperaturas.
Um ensaio de fogo verdadeiramente representativo precisa refletir as condições reais de aplicação: o perfil específico do aço, as condições de carga estrutural, a espessura correta de filme seco do intumescente e a compatibilidade de todo o sistema, incluindo primers e acabamentos. Muitos profissionais cometem o erro de pensar que estão especificando apenas uma camada intumescente, quando, na verdade, estão especificando um sistema completo onde cada componente influencia o desempenho do conjunto. Um primer que causa delaminação ou um acabamento que interfere na expansão da camada carbonácea pode comprometer todo o sistema, transformando uma especificação aparentemente segura em uma falha anunciada.
A complexidade aumenta quando consideramos que não existe um padrão universal para ensaios de proteção passiva contra fogo. A UL 263 e a ASTM E119 dominam na América do Norte, a EN 13381-8 prevalece na União Europeia e no Reino Unido, enquanto a GB 14907 é aplicada na China. Embora todas sigam curvas de incêndio celulósico similares, cada norma define parâmetros específicos quanto a condições do forno, critérios de falha e limites de temperatura. Um sistema aprovado segundo uma norma não é automaticamente válido para outra – e essa é uma armadilha comum em projetos internacionais.
O caso do Terminal T3B do Aeroporto Internacional de Chongqing Jiangbei, na China, ilustra perfeitamente como a precisão nos ensaios se traduz em resultados concretos. Como o maior terminal satélite do mundo, o projeto enfrentava exigências de resistência ao fogo de até três horas para componentes de aço complexos, incluindo colunas metálicas preenchidas com concreto em formato cônico. A equipe não se contentou com dados genéricos de ensaios: conduziu testes rigorosos que avaliaram não apenas o desempenho térmico, mas também a resistência mecânica em condições reais, variações de solda e compatibilidade de revestimentos conforme a norma GB 51249-2017. Os sistemas foram submetidos a ciclos de testes de um ano antes da aprovação final.
Essa abordagem minuciosa não é excesso de zelo técnico – é gestão inteligente de risco. Quando os ensaios refletem as condições reais de aplicação, incluindo cargas estruturais específicas e configurações exatas de montagem, eliminamos a incerteza que frequentemente resulta em retrabalhos custosos, atrasos no cronograma e, no pior cenário, falhas durante eventos reais de incêndio. A carga estrutural, por exemplo, não é um detalhe menor: cargas mais altas aumentam os riscos de deformação e falhas durante a exposição ao fogo, e os testes precisam considerar isso em conformidade com códigos estruturais estabelecidos.
Há também a questão da certificação independente, que vai além de uma formalidade burocrática. Certificações de terceiros acreditados representam validação externa de que o sistema foi testado sob protocolos reconhecidos e atende consistentemente aos critérios de desempenho declarados. É a diferença entre confiar em declarações de marketing e ter evidências verificáveis de desempenho. Em um cenário B2B onde responsabilidades e riscos são claramente definidos, essa diferença pode determinar não apenas o sucesso do projeto, mas também a exposição legal em caso de sinistro.
O que separa projetos bem-sucedidos de potenciais desastres não é apenas a escolha de produtos de qualidade, mas a compreensão profunda de que sistemas de proteção passiva contra fogo são exatamente isso: sistemas. Cada elemento precisa ser testado em conjunto, nas condições específicas de aplicação, seguindo as normas relevantes para a região do projeto. Aplicar dados de ensaios de vigas em conjuntos de piso ou presumir que configurações não testadas funcionarão adequadamente são apostas que nenhum profissional responsável deveria fazer.
À medida que os códigos de construção evoluem e a demanda por infraestrutura resiliente aumenta, a tendência é clara: tolerância zero para incertezas em sistemas críticos de segurança. Os profissionais que prosperam nesse ambiente são aqueles que vão além das fichas técnicas genéricas, que questionam as condições dos ensaios, que verificam certificações e que garantem que cada especificação está fundamentada em dados de testes representativos. Porque no final, quando o alarme de incêndio dispara
e as equipes de emergência entram em ação, não há espaço para aproximações ou presunções: há apenas o desempenho real de sistemas que foram rigorosamente testados para aquele momento exato.
A precisão nos ensaios de fogo não é um luxo técnico, é a fundação sobre a qual construímos infraestrutura verdadeiramente segura. E em um setor onde vidas, propriedades e continuidade operacional estão em jogo, aceitar menos que isso não é uma opção.

É gerente de desenvolvimento de negócios da divisão de Tintas Protetivas e Marítimas da PPG. Engenheira Química com experiência internacional liderando iniciativas de desenvolvimento de negócios e crescimento estratégico em proteção passiva contra incêndios na América Latina. Ativamente envolvida em associações regionais de proteção contra incêndios, impulsionando a inovação, segurança e sustentabilidade na indústria.





