A dança das emendas do Orçamento. Os parlamentares querem mudar a música da orquestra do Planalto
Nildo Carlos Oliveira
Começa a funcionar, na Câmara dos Deputados, a comissão especial que estuda e defende, com unhas e dentes, o projeto destinado a tornar obrigatória a liberação de verbas das emendas parlamentares ao Orçamento da União.
De um lado, os parlamentares teriam em mãos um instrumento pelo qual assegurariam a liberação de recursos para obras de seus interesses. Com esse expediente ganhariam maior visibilidade e ampliariam a margem de manobra para articulações políticas em suas chamadas “bases eleitorais”. De outro, o governo, que precisa realizar gestões para mantê-los unidos nas votações de seus projetos, deixaria de contar com esse instrumento de barganha – ou melhor – de toma lá, dá cá – para tal finalidade.
O trabalho da comissão, cujas discussões ocorrem invariavelmente equidistantes dos olhos e ouvidos do principal interessado – a população – não vai tratar de valores desprezíveis. Os parlamentares querem ter em mãos dinheiro polpudo: nada menos que R$ 8,9 bilhões, correspondentes a 9% da soma das despesas da União. Cada emenda, que venha a ser apresentada individualmente por um deputado ou um senador, significa despesas da ordem de R$ 15 milhões.
O argumento de peso, nas gestões para tornar o atendimento às emendas uma obrigatoriedade, ressalta o fato de que constitui constrangimento a submissão do parlamentar a esse tipo de “moeda de troca”. Com a obrigatoriedade, ele estaria com o pescoço a salvo e não precisaria flexionar-se diante do Planalto.
Mas há, nessas discussões, campo amplo para preocupação e suspeitas mais do que justificadas.
O parlamentar, exceções à parte, que acaso apresente uma emenda para a liberação de recursos a fim de realizar obras de abertura de cisternas em áreas remotas de um estado no Nordeste, jamais assumirá tal compromisso alheio ao seu principal objetivo: garantir votos para a futura reeleição. Por isso, a inauguração de uma obra, por mais simples que seja, nunca deixará de ser marcada com fanfarras e foguetório.
E parlamentares, prefeitos, vereadores e políticos de outras instâncias estarão de mãos dadas em torno da repercussão produzida pelo destino das emendas.
O objetivo da comissão, segundo o principal patrocinador da proposta, o deputado Henrique Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara, é conferir à liberação dos recursos a conotação de uma medida impositiva. Assim, o governo não teria como deixar de liberá-los. Atualmente, segundo alguns parlamentares, eles não conseguem liberar nem sequer um terço das emendas.
No fundo, as coisas estão mal colocadas. Falta transparência nos propósitos.
O próprio Orçamento não é uma peça bem-acabada.
É produzida e votada para receber alterações de última hora. Não é por outro motivo que é considerada “uma peça de ficção”. E é em cima dessa peça, que os parlamentares se debruçam para arrancar pedaços destinados ao atendimento de seus interesses.
O importante é lembrar, no começo do trabalho dessa comissão, que as emendas já geraram ocorrências das mais graves no Parlamento. Veja-se o caso da CPI, instaurada em 1993, que apurou delitos atribuídos a parlamentares envolvidos no escândalo dos “Anões do Orçamento”.