O centro de uma disputa internacional

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Até hoje, quatro grupos estrangeiros disputam de maneira acirrada o projeto do TAV Rio-SP. Além do projeto do consórcio alemão Transcorr, apresentado em 1999 a um custo total de US$ 7,2 bilhões; da italiana Italplan, de 2007, que orçou o projeto em US$ 9 bilhões, tudo por conta da iniciativa privada; e do consórcio Siemens/Odebrecht/Interglobal, orçado em US$ 6,3 bilhões; há também japoneses e coreanos muito interessados no “trem-bala” brasileiro. Por fora, correm ainda nesse páreo os franceses e chineses.

O Brasil tem feito sua parte. Representantes do governo já viajaram pelos quatro cantos do mundo para apresentar nossas necessidades e conhecer o que os países lá fora andam utilizando. O governador do Rio Sergio Cabral Filho foi à França, Japão, Coréia e China, sempre acompanhado do secretário de Transportes Julio Lopes. Em seguida, foi a vez da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff retribuir as visitas de asiáticos a seu gabinete em Brasília: foi conversar com sul coreanos e japoneses e, de quebra, passear nos trens rápidos de lá, enquanto o de cá não sai.

Os coreanos entraram para valer na disputa em dezembro do ano passado, quando uma missão composta por 15 técnicos e executivos daquele país esteve na Secretaria de Transportes do Rio, para apresentar um projeto para a ligação expressa entre Rio e São Paulo utilizando como modelo o KTX II, o trem de alta velocidade desenvolvido por eles.

O principal atrativo do projeto dos coreanos está nas condições que eles enfrentaram, como o relevo irregular e condições econômicas semelhantes à do Brasil, ou seja, mais próximas de um país em desenvolvimento. Dessa forma, a proposta dos coreanos dá maior ênfase à importância de paradas intermediárias ao longo do percurso. Segundo os coreanos, elas seriam essenciais para aumentar o número de usuários e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento dos municípios que recebessem as estações.

”As cidades coreanas em que o trem de alta velocidade faz parada viraram verdadeiros pólos de atração de empresas, serviços e indústrias”, garantiu Sunduck Suh, líder da missão coreana.

O projeto elaborado pelos coreanos prevê estações em cinco municípios ao longo do trajeto: São José dos Campos, Taubaté, Aparecida, Resende e Volta Redonda. O projeto também já inclui a linha que o governo de São Paulo vai construir entre a estação da Barra Funda, no Centro da Cidade, e o aeroporto de Guarulhos – o chamado Expresso Guarulhos, que para os envolvidos nos estudos é visto como a primeira parte do trajeto do trem-bala.

Pelas contas dos coreanos, a passagem da ligação direta entre Rio e São Paulo custaria cerca R$ 140,00, com a viagem levando cerca de uma hora e meia para ser realizada. Já a viagem com paradas intermediárias custaria R$ 80,00 e levaria em média duas horas e meia. Os preços seriam competitivos, comparativamente, tanto para as viagens de avião quanto para as de ônibus.

Os japoneses também apresentaram, em São Paulo, a um grupo de mais de 100 empresários, uma proposta para a construção do TAV que prevê transportar três mil pessoas por hora (ou 17 milhões por ano). O projeto está orçado em US$ 11 bilhões.

A viagem sem paradas de Campinas a São Paulo levaria 24 minutos. De São Paulo ao Rio, 80 minutos, tempo inferior ao gasto em uma viagem de avião (em média 90 minutos, incluindo o check in). De ônibus, a viagem dura sete horas. Na opção do trem com seis paradas em várias cidades, o trajeto completo duraria pouco mais de duas horas.

O grupo japonês, interessado em participar da licitação, é formado por Mitsubishi, Mitsui, Kawasaki e Toshiba. As quatro multinacionais têm subsidiárias no Brasil e esperam parcerias de empresas e do governo local, além de instituições financeiras, para custear o projeto.

O vice-presidente da Mitsui Brasileira, Masao Suzuki, disse que, para atrair investimentos externos, o governo brasileiro deveria incluir no projeto a concessão de exploração de negócios nos arredores das estações do trem, como lojas, shopping centers, além dos ramos imobiliário, hotelaria e de publicidade. “No caso do trem de alta velocidade do Japão, o Shinkansen, 30% da receita de US$ 8,3 bilhões obtida por uma das empresas administradoras, a JR Leste, provém de negócios e acessórios”, informou Suzuki.

Pelo projeto do grupo japonês, cada trem brasileiro terá oito vagões e atingirá velocidade média de 320 quilômetros por hora, podendo atingir o máximo de 360km/h. Será movido a eletricidade, como os demais trens do mundo. Dependendo do sistema a ser adotado, é possível reaproveitar parte da linha férrea já existente.

Briga entre alemães e italianos

Em 1996, o Brasil firmou um acordo com a Alemanha para um estudo destinado a identificar o potencial de investimentos no Eixo Rio-São Paulo. O consórcio, batizado de Transcorr RSC, era composto por 16 empresas – oito brasileiras e oito alemãs.

Em seu estudo de viabilidade, os alemães indicaram a instalação de um trem com sistema roda-trilho e velocidade máxima de 330 km/h, linhas exclusivas, vedadas e com proteção contra ruídos, além da recomendação que houvesse uma integração do trem com os metrôs, terminais de ônibus e ferrovias e aeroportos. Na proposta, o Transcorr previa a construção do traçado em duas vias, com bitola de 1,60m e extensão total de 525km. Seriam construídas 11 estações e comprados oito carros por trem.

Em 1999, o primeiro estudo projetou uma demanda de passageiros em 2005, somente no primeiro trecho, de mais de 20 milhões de passageiros. Em 2012, quando deveriam estar prontos todos os trechos, foi estimada uma demanda de 41,7 milhões e em 2022, com o sistema em plena operação, seriam transportados mais de 60 milhões de pessoas.

O custo estimado da obra ficou em US$ 7,2 bilhões em sete anos, com a cobrança de tarifa de R$ 81. O prazo de operação de 25 anos, fazendo uma total de concessão de 32 anos.

Em 2004, entrou em cena outra alemã, desta vez a Siemens, que junto com Odebrecht e Interglobal apresentou projeto com tecnologia alemã e investimento estimado em US$ 6,3 bilhões. No estudo, foi considerada uma distância de 452km, dos terminais Pinheiros, Tietê e Guarulhos, em São Paulo e Galeão, Barão de Mauá e Dom Pedro II. O tempo estimado era de 114 minutos e uma velocidade máxima de 330km/h.

Mais de seis mil passageiros seriam esperados para o inicio estimado da operação, que aconteceria em 2012. Em 2022 passaria para sete mil passageiros por ano. O crescimento médio seria de 1,5%. O investimento foi estimado em US$ 6 bilhões. A tarifa adotada seria de R$77. A concessão aqui seria de 36 anos, sendo seis utilizados para a construção.

Do outro lado, a italiana Italplan Engeneering, Environment &amp

; Transports concorreu com um plano de tecnologia italiana e um custo total de US$ 9 bilhões. Pelo projeto, o TAV deveria ser construído numa extensão total de 412 km, ligando as cidades de São Paulo, na Estação da Luz, e Rio de Janeiro, na Estação D. Pedro II – Central do Brasil. O percurso seria feito em 88 minutos e deveria ter freqüência de um trem a cada 15 minutos. Cada viagem carregaria 855 passageiros. A Italplan recomendou a construção de quatro trilhos, com bitola padrão de 1,435mm.

Em seu primeiro ano de funcionamento, em 2011 segundo o estudo, a Italplan projetou um número de 32 milhões de passageiros, sendo uma média de 89 mil pessoas/dia, com um crescimento estimado de 6% ao ano, nos dez primeiros anos, e 1% nos demais anos.

A tarifa ficaria em torno de R$ 39. A Italplan afirmou que o projeto poderia ser concebido com 100% de recursos privados, mas a concessão seria de 42 anos, sendo sete para a construção. Numa decisão controversa, no começo de 2007, o grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes para discutir o assunto recomendou o modelo dos italianos ao ministro dos Transportes.

O problema é que o trem da Italplan custa 43% mais caro, tem 40 km de trilhos a menos, superestimou a demanda de passageiros, não prevê a atual exigência de incluir Campinas no trajeto e conta com um prazo de concessão maior, de 42 anos – seis a mais que o do consórcio concorrente.

O critério de escolha da Italplan, segundo fontes do governo, teria sido financeiro: a italiana previu investimentos 100% privados, enquanto o consórcio Siemens, Odebrecht e Interglobal embutiu financiamento público.

Mas depois dessa mis-em-scène, a própria Italplan, ao apresentar a planilha de custos do trem-bala ao BNDES, incluiu a previsão de financiamento do banco. “Em nenhum país do mundo se faz um projeto desta envergadura sem a participação do Estado”, afirma o empresário Fernando Fantauzzi, presidente da Interglobal, que contestou o resultado do relatório recebido pelo ministro.

Fonte: Estadão


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