Complexo de R$ 26 bilhões no rio Xingu, com potência instalada de 11.233 MW, mas que vai gerar efetivamente apenas 4.500 MW/ano, em média, avança em quatro canteiros independentes e deverá entrar em operação comercial em 2016. Sob o fogo cruzado de 40 anos de polêmica, e em plena selva amazônica, é a mais ousada obra de engenharia do País
Nildo Carlos Oliveira – Vitória do Xingu (PA)
De longe, entre a cidade de Altamira e as localidades de Belo Monte e Belo Monte do Pontal, no Pará, com acesso a partir da rodovia Transamazônica, sobressai a usina hidrelétrica do mesmo nome. Ela seria mais um exemplo de hidrelétrica clássica. Mas, projetada para gerar 11.000 MW, funcionará a fio d’água. Não terá vertedouro, está sendo construída a seco, com fundações em rochas metamórficas (migmatitos), e não será por ali que o Xingu, afluente da margem direita do rio Amazonas, será desviado. Receberá vazões, para geração, a partir de um canal de derivação de 20 km de comprimento, que se configura como a mais engenhosa obra concebida para aquele fim.
A hidrelétrica clássica mesmo é construída no sítio Pimental, 40 km a jusante de Altamira. Ela tem tudo o que é inerente a uma hidrelétrica tradicional: o desvio do rio (essa operação está programada para setembro de 2015), o vertedouro, a janela hidrológica prevista, a barragem e as demais estruturas fixas. Vai gerar os 233 MW adicionais do conjunto.
Como Belo Monte funcionará a fio d’água, o volume de energia a ser gerado deverá ser de apenas 4.500 MW por ano, o equivalente a 10% do consumo energético nacional. Em potência efetivamente instalada, será a terceira maior do mundo, depois de Três Gargantas (20.300 MW, China) e da binacional Itaipu (14.000 MW).
A movimentação de terra no canal de derivação chega a 126 milhões de m³, volume superior ao das escavações executadas na abertura do Canal do Panamá, que foi da ordem de 95 milhões de m³. Ele tem 210 m de largura na base e 300 m de largura na superfície. Ao lado dele avançam as obras programadas para a preservação tanto do canal quanto dos igarapés. São os 28 diques de contenção, cujo volume de aterro é da ordem de 27 milhões de m³.
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As obras nos quatro canteiros situam-se 40 km ou 50 km uma da outra. O conjunto dificilmente pode ser visitado ou vistoriado em um só dia.
Apesar disso, todas as frentes de trabalho têm de caminhar no mesmo passo.
E são monitoradas no campo ou nos escritórios dos canteiros, por sistemas de comunicação on line, para que isso aconteça.
A determinação da Concessionária Norte Energia é para que todas as obras, que até fins deste ano (2014) ocupavam um contingente da ordem de 25 mil trabalhadores (chegou a 33 mil no pico), venham a ser concluídas ao mesmo tempo. Ou em tempos diferentes, desde que a última não seja entregue fora da data estabelecida. O empenho é para que possam ser recuperados os 444 dias de atraso, atribuído a uma conjunção de fatores, dentre os quais a perda da janela hidrológica, quando a primeira fase do desvio do rio Xingu, prevista para dezembro de 2011, só foi ser realizada em janeiro de 2013; e os problemas de paralisação das obras provocados por ONGs e grupos indígenas.
A concessionária assinala que, pelo projeto atual, nenhuma das terras indígenas será alagada
O projeto atual previu a construção de um reservatório de 503 km², dos quais 228 km² correspondentes à calha do Xingu. Por isso, segundo a concessionária, não prevalece a informação de que a área inundada atingirá 4 mil km². Nem sequer o projeto inicial, elaborado na década de 1980, durante o regime militar, previa inundação desse porte. Pelo projeto inicial, a área inundada seria de 1,6 mil km², que, com as adequações impostas pelos órgãos ambientais e indígenas, foram sendo reduzidas até chegar à dimensão atual. Há dez terras indígenas na área de influência do projeto mas, segundo a concessionária, nenhuma será alagada.
Os quatro sítios e a Volta Grande do Xingu
Belo Monte atraiu polêmica de toda ordem, sobretudo os de natureza social e ambiental, desde os seus primórdios, lá pelos anos 1970, quando a área ainda era conhecida pelo nome de Kararaô. Posteriormente, com a elaboração dos inventários da bacia do Xingu, Kararaô foi substituído pelo nome atual, Belo Monte. Os idealizadores do empreendimento, dos quadros da Eletronorte e da Eletrobras e, depois, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), jamais deixaram de afirmar que, fossem quais fossem as circunstâncias e mudanças de projeto – distribuição de canteiros ao longo da área, opções executivas mais compatíveis com a necessidade da proteção ambiental e respeito às áreas de influência das tribos indígenas – jamais descartariam o aproveitamento do trecho da chamada Volta Grande do Xingu.
O engenheiro Gleison Carmozine, superintendente de obras do Consórcio Engenharia Proprietária Belo Monte (EPBM), diz que esse sítio sempre apareceu, em todos os inventários, como o mais viável, tanto do ponto de vista da geologia – rochas metamórficas, graníticas – quanto do ponto de vista do aproveitamento hídrico. A Volta Grande do Xingu tem cerca de 150 km de extensão e registra um desnível de 90 m. “Se você pegar o Amazonas todo, em seus mais de 3 mil km em território brasileiro, vai verificar que ele é muito plano e mantém desnível de 20 m. Mas o rio Xingu, na Volta Grande, tem desnível de 90 m. A topografia e a geologia da região e as condições hídricas foram determinantes para a seleção do sítio”, informa ele.
O engenheiro Paulo Vasconcelos dos Reis, gerente geral do consórcio projetista, confirma: “Além daqueles aspectos mencionados, o trecho em questão se caracteriza por grandes corredeiras. A curva formada pela Volta Grande contribui para a preservação de Altamira (antiga Babaquara) e das terras indígenas. E no local há ocorrência de rochas formadas a partir da deposição sedimentar. Os migmatitos são rochas da família dos gnaisses, dos granitos, apropriadas a fundações.”
Em abril de 2009, o Consórcio Norte Energia venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica e, no ano seguinte, o consórcio projetista foi contratado para otimizar o arranjo já existente e elaborar o projeto básico. Dentre as alterações então sugeridas – e implementadas – estavam o canal de derivação, os diques de fechamento do reservatório, as barragens de fechamento de Belo Monte e o vertedouro.
Originalmente foram previstos dois canais, evoluindo-se depois para a proposta de se construir apenas um. A proposta considerava a necessidade do manejo dos igarapés e o descarte do material escavado.
O arranjo geral distribuiu a hidrelétrica nos sítios Belo Monte e Pimental, estabelecendo que o barramento principal ficaria nesta última área, onde seriam construídos o vertedouro, a tomada d´água e a casa de força complementar, concebida para gerar energia a partir das vazões restituídas para o trecho de jusante do rio. Já em Belo Monte seriam localizadas a tomada d´água e a casa de força principal, além das barragens de fechamento dos vales locais.
As obras das estruturas principais de Belo Monte, cuja casa de força acionará 18 turbinas tipo Francis, e das estruturas fixas de Pimental, que movimentará 6 turbinas tipo Bulbo, estão se desenvolvendo em ritmo adequado, segundo o plano para recuperar o atraso já mencionado.
No conjunto estão ali os mais avançados e a maior quantidade de equipamentos de ponta já empregados em obra desse tipo. A tecnologia das formas deslizantes tem sido uma das mais aplicadas. Para esse fim, não se montam mais armaduras in loco.
Usam-se painéis inteiros de armaduras pré-fabricados e posicionados por guindastes.
Recorrendo a técnicas construtivas avançadas e diversificadas, o consórcio construtor havia concluído, até novembro último (quando a revista O Empreiteiro visitou a obra), a concretagem dos pilares do vertedouro de Belo Monte. Este, com 445,5 m de comprimento, 18 vãos e capacidade para escoar até 62 milhões de l/s, é formado por 19 pilares de 32 m de altura e 4,5 m de largura. Só na concretagem desses pilares foram empregados 126.483 m³ de concreto e 8.008,14 t de aço.
O vertedouro vai garantir a operação do canal de derivação, que levará as águas do Xingu ao reservatório intermediário, a fim de abastecer as 18 turbinas tipo Francis. E deverá manter a vazão da Volta Grande do Xingu, fixada, para o período de seca, em 700 m³/s. Essa vazão será superior, naquele trecho do rio, à mínima vazão historicamente ali registrada e que é de 400 m³/s.
A engenhosa solução no canal de derivação
É no canal de derivação que está a concentração da maior frota de máquinas de que se tem notícias atualmente no mundo (ali são movimentadas 1.400 unidades, dentre as 2.300 empregadas em todas as obras).
O engenheiro Júlio César Scarcinelli Fabri, superintendente de obras da Norte Energia, informa que, com 20 km de extensão e 25 m de profundidade, o canal terá vazão de 14 mil m³/s. O número é notável, se considerada a vazão do rio em período de cheia. Este ano foi registrada ali uma vazão de 29 mil m³/s
Segundo o engenheiro, a opção por um canal único, em vez de dois, como originalmente se cogitara, considerou as questões ligadas à relação custo/benefício e às complexidades dos trabalhos da engenharia. Um canal único significaria melhor vazão, redução do volume de escavações e meios para o melhor controle de perda de carga. Além do que, facilitaria soluções para o descarte do material escavado, simultaneamente à construção dos 28 diques de proteção, tanto do canal quanto dos próprios igarapés.
Os estudos, desenvolvidos e testados em modelo reduzido em laboratório de hidráulica de Curitiba (PR), previram que as águas, a partir do rio Xingu, se movimentariam lentas, densas, depois da cota 97 até chegar ao sítio de Belo Monte para, então com desnível de 4 m, acionar as turbinas da hidrelétrica. Cada turbina tem capacidade para receber carga de 780 m³/s de água.
É no canal de derivação que está uma das maiores concentrações de máquinas, hoje, no mundo
O engenheiro Paulo Vasconcelos Reis afirma que a água, quando se movimenta em qualquer meio, apresenta perda de carga, em especial provocada por atrito. A rigor, ela chegaria ao destino fixado, com um nível mais baixo do que aquele com o qual iniciara a movimentação. A realidade exemplifica: quanto maior a velocidade da água, maior a perda de carga e, no caso de uma finalidade hidrelétrica, menor a energia a ser gerada. Já uma seção maior significaria movimentação mais lenta. Portanto, com uma seção menor, maior perda de carga.
Além desses aspectos, os estudos para aquela opção de canal consideraram que, para gerar mais energia, deveria ser construído um canal maior, o que implicaria emprego de um volume de recursos que a energia gerada não compensaria.
Qual, portanto, a equação ou quais as equações? Sempre deve haver um ponto ótimo para que haja investimento compatível com a perda de carga e com a geração de energia. Essa lógica levou ao delineamento do projeto básico, que a rigor não diferiu muito daquele que os estudos da Eletronorte preconizavam e que teria o formato de um Y, tendo em conta a preservação das aldeias indígenas e da cidade de Altamira.
“Quando o consórcio projetista, formado pela Intertechne, Engevix e PCE, assumiu a elaboração do projeto básico, a convicção a que se chegou, com base nos estudos, foi a de que um canal só seria mais vantajoso”, diz o engenheiro.
Num primeiro momento, o canal único, com aquelas dimensões, deveria ser revestido com concreto rolado, uma vez que, com essa técnica, o trabalho avançaria mais rapidamente. Mas os engenheiros projetistas e os engenheiros do consórcio construtor concluíram que seria muito difícil aplicar concreto rolado ao longo de traçado tão extenso. Além do que, as turbinas de Belo Monte já tinham sido compradas e testes realizados pelo próprio fabricante demonstraram que elas poderiam proporcionar rendimento um pouco maior do que o previsto.
Se as máquinas permitiriam rendimento maior, gerando ou mantendo mais energia, isso significava que o canal poderia ser construído segundo um processo mais econômico, embora obtendo-se perda de carga maior. A partir daí decidiu-se revesti-lo com enrocamento, recorrendo-se ao material rochoso compactado, granulometricamente definido, disponível no canteiro. Haveria perda maior de carga no caminho das águas, que se movimentariam com maior lentidão, mas uma coisa compensava a outra.
Dadas as exigências para o melhor acabamento do piso de enrocamento, o rolo compactador ali utilizado opera com um sistema a laser para executar a compactação nos limites previstos.
Por causa da necessidade de proteger o canal de derivação das águas das chuvas e das águas dos igarapés foram projetados nove sistemas de drenagem independentes, cada um com característica própria, em função da localização e topografia. Um deles, o Galhoso, na margem direita do canal, conduz as águas coletadas para o rio Xingu a montante, por intermédio de um canal de drenagem perimetral de cerca de 6 km de extensão. Já o sistema Galhoso da margem esquerda leva as águas de um igarapé da bacia de drenagem na margem direita do canal, para o rio Xingu, construindo-se, para isso, um canal de ligação entre um reservatório de amortecimento da bacia e o igarapé conhecido pelo nome de Di Maria.
Além dessa cadeia de sistemas que tem em vista o manejo das águas dos igarapés (e falar em igarapé, na região amazônica, invariavelmente é falar de rios caudalosos), o canal dispõe de um sistema de drenagem interna, que é responsável pela condução, tanto das águas pluviais que ele recebe quanto das águas coletadas em algumas bacias não drenadas pelos sistema referidos. Dois canais internos, concebidos dentro do canal de derivação, cada um com cerca de 6 m de largura, juntam-se em um só, também interno, com 12 m de largura, para levar as águas, que estejam ali a mais, para jusante. Todos os igarapés e bacias são protegidos de modo a manter a naturalidade do equilíbrio do meio ambiente local.
Sobre o descarte do material, tanto o consórcio construtor quanto os projetistas informam que aquele oriundo da maior parte das escavações não está sendo aproveitado em aterros e em outras obras. As longas distâncias e o custo do transporte tornariam o uso do material antieconômico. Por esse motivo, ele foi, em parte, disposto em áreas de bota-fora em talvegues ou levado para preenchimento de espaços de vales e bacias de igarapés.
Os diques de proteção, que preservam pequenos cursos d’água, têm a função de evitar que estas corram para o canal de derivação e aumentem o volume previsto, ocasionando desequilíbrios e perda de carga.
A cadeia de soluções hidráulicas confere ao conjunto das obras de Belo Monte uma dimensão científica apontada como inédita, em hidrelétricas, no Brasil.
Ficha Técnica – UHE Belo Monte
– Potência total instalada: 11.233,1 MW
– Energia assegurada: 4.571 MW médios
– Concessionária: Norte Energia (concessão por 35 anos)
– Consórcio Construtor Belo Monte (CCMB): Andrade Gutierrez (líder), Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Contern, Galvão Engenharia, Serveng-Civilsan, Cetenco e J. Malucelli
– Consórcio Projetista: Intertechne, Engevix e PCE (IEP)
– Consórcio de Engenharia Proprietária (EPBM): Themag, Arcadis Logos, Concremat e Engecorps
– Consórcio Montador: Engevix Engenharia, Engevix Construções e Toyo Setal (há outro contrato em separado
com a Andritz Hydro Brasil)
– Belo Monte: 18 turbinas tipo Francis
– Pimental: 6 turbinas tipo Bulbo
Fonte: Revista O Empreiteiro