Respeitar a engenharia como ciência e técnica

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José Roberto Bernasconi

Importante dizer, nessa mesa-redonda "provocada" pela Revista O Empreiteiro, que, no geral, ressalvadas algumas exceções, a qualidade da engenharia brasileira está sofrendo algum revés. Os motivos? Vamos aos principais: menor preço, leilão, pregão eletrônico, prazos inadequados.
São problemas que temos enfrentado e que decorrem da falta de respeito para com a engenharia. Sim, ela não tem sido respeitada como ciência e técnica. A adoção do preço mínimo dinâmico e a contratação do projetista por conta do empreiteiro da obra, submetendo o projeto aos critérios e aos interesses do construtor e não do empreendedor, público ou privado, configuram-se como desrespeito a uma atividade brasileira que obteve renome internacional em razão do conjunto de obras que tem realizado ao longo de várias décadas. Esses fatores, danosos no curto, médio e longo prazo, acabam se refletindo no declínio da qualidade.
Mas a revista insiste em pedir que detalhemos os óbices. Eles estão na raiz de uma falta de cultura que privilegie o planejamento. Ou seja: o ato de pensar, antes do ato de construir. Planejar é pensar. É elaborar com tempo adequado – no mínimo, um ano antes da licitação de uma obra. Nesse período, o ato de pensar deve cobrir todas as interfaces. Esse seria o tempo minimamente necessário para tornar possível a elaboração dos projetos executivos.
O projeto compreende, em sua dimensão e por conta de pesquisas e estudos a fim de que seja criteriosamente elaborado, a prévia solução dos problemas que deverão aparecer nas fases da construção de uma obra. Ele sinalizará, com seu conteúdo, e em função da inteligência e experiência acumulada pelo projetista (são atributos que correspondem à vivência e obrigação dele) o que deve ser feito e porque deve ser feito.
Por isso, jamais um projeto deve ser aleatório ou elaborado no calor dos prazos e das pressões políticas: fundamentalmente ele precisa absorver as decisões que se baseiam nos dados físicos do sítio de implantação e no objetivo do equipamento (funções, operação) previsto no programa da obra. Por isso, ressaltamos o patamar em que ele deve estar assentado: técnica & preço e jamais o menor preço – mas, prioritariamente, a melhor técnica.
Nessas reflexões lembro frase de um construtor – um engenheiro de produção. Refiro-me ao Hugo Marques da Rosa. Ele costuma dizer: "Não existe produto melhor que o projeto".
Incorporo a esse conjunto de observações um exemplo colhido no dia-a-dia da medicina. Como derivar para um bom trabalho final em favor do paciente? Primeiro os exames prévios (laboratório); diagnóstico por imagens (RX/ ultrasonografia/tomografia/ressonância magnética etc); depois, a operação. Quer dizer: cada coisa a seu tempo e cada responsabilidade na inteligências das ações.
Reitero o que mencionei no início: respeitar a engenharia como ciência e técnica. Não há como fugir a isso, quando se pretende conceber, projetar e construir uma obra com a dignidade que a profissão inspira e com o respeito que a sociedade merece. Vamos colocar em questão alguns fatos para explicitar as linhas de minhas observações.
No quadro atual de demanda aquecida, e dada a simultaneidade de investimentos federais, estaduais e municipais – e com a capacidade instalada de produção desses serviços limitada pelos anos de estagnação – nos deparamos com um enigma: Por que a Companhia do Metrô, que tem um magnífico programa de investimentos para os próximos anos, decide licitar serviços técnicos de engenharia (projetos básicos da linha 5, por exemplo) por menor preço? Assinalo que a empresa adotou essa decisão depois de ter contratado serviços de sondagens de subsolo por pregão eletrônico e colher, como resultado, relatórios falsificados que não reproduziam a realidade geofísica investigada.
Ressalto isso, porque conheço a Companhia do Metrô. E afirmo que ela já foi o paradigma do setor público, promovendo o desenvolvimento tecnológico e o avanço da competência da engenharia brasileira. Hoje, no entanto, e de maneira solitária, ela deixa de usar os critérios adequados de contratação desses serviços, ao arrepio da Lei 8.666 de junho de 1993.
Esse comportamento do Metrô nos parece tanto mais estranho, se atentarmos para o fato de que a Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM), da mesma Secretaria Municipal de Transportes, contrata suas obras por técnica e preço, a exemplo do que vêm fazendo, também, outras empresas do âmbito estadual tais como a Sabesp, a Dersa, o DER-SP, a FDE e a CDHU. Na prefeitura, a Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) licitou várias obras, incluindo túneis, utilizando o critério da técnica e preço e não o preço mínimo.
O projeto de engenharia cria soluções de compromisso entre segurança e economicidade. Gera soluções funcionais e operacionais. E dá sustentação aos critérios para a preservação do meio ambiente. É por isso tudo que defendo o respeito à engenharia como ciência e técnica. A inteligência, assim adotada, vai evitar fissuras na qualidade de uma engenharia que ganhou o respeito internacional.

José Roberto Bernasconi é presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) e presidente da Maubertec Engenharia

Fonte: Estadão


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