O elevado custo de capital e de operação das TBM tradicionais está entre os motivos que levam o Brasil a ter só 57,3 km de túneis rodoviários, em todo o seu território. Grupo de pesquisa catarinense propõe uma abordagem inovadora e busca aliança com a indústria da China
*Joás Ferreira – São Paulo (SP)
As máquinas tuneladoras atualmente disponíveis (Tunnel Boring Machine – TBM) não são suficientemente acessíveis para que a engenharia rodoviária brasileira atenda à demanda reprimida por túneis rodoviários no País. Contudo, a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016 pode impulsionar a construção dessas obras em diversas regiões.
Uma avaliação, realizada por um grupo de pesquisadores de Santa Catarina, sobre o mercado de túneis rodoviários, indica que a lista dos projetos concluídos recentemente, em construção ou em projeto totaliza 2.260 km e investimentos da ordem de US$ 300 bilhões, até 2014.
A escavação mecanizada de túneis rodoviários é ainda uma alternativa sub-explorada. Estimativas indicam que, em nível mundial, menos de 10% dessas construções utilizam máquinas tuneladoras.
Esse quadro, segundo Marcos Noronha, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Patrícia Faria, da BraBo Tecnologia, ambos de Florianópolis (SC), permite constatar que existe uma forte demanda por inovação da tecnologia atual.
Os dois pesquisadores, que são engenheiros com especialização em túneis, desenvolveram um trabalho que propõe a criação de tecnologias mais eficientes e acessíveis, resultando em equipamentos mais rápidos, econômicos e seguros. Esse estudo foi apresentado durante o 6o Seminário Nacional – Modernas Técnicas Rodoviárias, realizado pela Associação dos Engenheiros Catarinenses (AEC), em novembro de 2010.
Entre as propostas do grupo, coordenado por Marcos e Patrícia, está o desenvolvimento de uma inédita máquina tuneladora que pode ser até cinco vezes mais rápida e mais econômica que as atuais. O novo equipamento, denominado BraBo (brazilian borer ou perfuradora brasileira), vai, pela sua característica, adaptar-se à construção de túneis rodoviários em solo ou rocha.
Testes em pequena escala estão sendo desenvolvidos nos laboratórios das universidades e das empresas envolvidas e já foram realizadas também simulações computacionais para averiguar os principais sistemas do equipamento projetado.
No momento, o projeto está sendo negociado com a Vale e a Petrobras, segundo o professor Marcos Noronha: "A proposta é de produzir dois equipamentos, com diâmetro de 4 m, e executar dois túneis-piloto, um em solo e outro em rocha,com 1 km de extensão, até julho de 2012.
Importância dos túneis versus tecnologia
Os túneis são, reconhecidamente, obras de infraestrutura que implicam menor impacto ambiental. Porém, segundo Marcos Noronha, "a dificuldade de acesso às máquinas tuneladoras é particularmente marcante no Brasil e aumenta substancialmente a demanda reprimida pela construção desse tipo de obra."
Para frisar a defasagem brasileira em relação a outros países, o engenheiro destaca que a extensão da rede total de túneis rodoviários no Brasil é de apenas 57,3 km, praticamente o mesmo comprimento de um dos túneis Gotthard, escavados sob os Alpes suíços, cada um dos quais com mais de 57 km de extensão, cuja escavação básica foi concluída recentemente.
Outra questão que incomoda, de acordo com Noronha, é a de que os túneis rodoviários brasileiros foram todos construídos com a utilização de métodos manuais, com o emprego de escavação a fogo e de técnicas de mineração. "O uso de máquinas tuneladoras em infraestrutura de transporte ocorreu apenas nos túneis das Linhas 1 e 4 do Metrô de São Paulo (respectivamente , em 1974 e 2010). As modernas técnicas de escavação mecanizada são uma necessidade premente para atender à demanda atual de construção de rodovias no Brasil", constata.
Desenvolvimento sustentável
A engenharia de túneis está diretamente ligada ao desenvolvimento econômico sustentável, trazendo impactos positivos (custo, tempo, operacionalidade) para o setor rodoviário. Contudo, um dos fatores críticos para a ampliação do uso da tecnologia de túneis diz respeito à difusão da mecanização e automação dos processos construtivos. Essa é uma área bastante defasada no Brasil, pois embora as máquinas tuneladoras possuam custos elevados, a consideração dos custos indiretos, sociais e ambientais tem provado que a escavação mecanizada é bem mais econômica que as outras técnicas.
Apesar de relativamente bem estabelecidas e eficientes, as TBMs atualmente existentes são baseadas em tecnologias de mais de meio século de existencia (considera-se que a primeira TBM moderna foi construída em 1958, pela companhia Robbins, cujo projeto básico é bastante similar ao das máquinas atuais).
Proposta
Os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento realizados pelo grupo de pesquisadores BraBo-UFSC tiveram como foco a promoção de avanços tecnológicos para obter equipamentos mais econômicos, eficientes e acessíveis, com impactos positivos nos custos, tempo de construção e segurança dessas máquinas.
As atividades foram voltadas para a quebra de paradigmas através do desenvolvimento de novas ideias, novas tecnologias e diferentes arranjos mecânicos, para obter uma geração completamente nova de TBMs. "As ideias propostas são relativamente simples, elegantes e não-óbvias, resultando na remoção de algumas partes complexas e caras das TBMs convencionais, perfeitamente dispensáveis, na minha visão", explica Noronha.
As principais partes que podem ser removidas são: cabeça de corte, discos de corte, cilindros de empuxo, sapatas de fixação e eretor de segmentos. "Elas correspondem aos elementos mecânicos mais pesados e que demandam grande parcela de energia para o acionamento. Além disso, os discos de corte estão diretamente associados aos altos custos de operação (subsídio-cruzado)", justifica o pesquisador.
"Com base nos novos conceitos propostos, a estimativa é de que se possa alcançar escavações com taxa de avanço de 300 m/dia, ou 50 km/ano, utilizando apenas uma máquina BraBo. Isso representa um enorme salto diferencial, já que as tecnologias existentes oferecem um taxa de avanço de no máximo 60 m/dia", esclarece Patrícia Faria.
Hoje, só existem seis fabricantes
Praticamente, existem apenas seis fabricantes de máquina
s tuneladoras que atendem às empresas de construção de túneis em todo o mundo. As de maior destaque são a norte-americana Robbins, a alemã Herrenknecht e a canadense Lovat. Na última década, a estratégia logística dessa indústria provocou o deslocamento das suas instalações de montagem e fabricação para a China, onde a Robbins possui duas fabricas e a Herrenknecht tem três instalações industriais.
Segundo a presidente da BraBo, a fabricação das TBMs ainda é um processo semi-artesanal. "Cada máquina é fabricada especificamente para um projeto, de acordo com as dimensões necessárias, o tipo do material a ser escavado e as condições geológicas e geográficas. Há vários tipos de máquinas disponíveis, sendo que a principal diferença entre elas é o tipo de rocha ou solo a ser escavado. Devido às suas grandes dimensões, a máquina é fabricada em conjuntos separados que são transportadas até o local da obra, onde são montadas".
A indústria de TBMs orgulha-se da "força-bruta" de suas máquinas, que podem facilmente erguer um Boeing 747 carregado, pesando 410 t (uma TBM pode pesar até 10 vezes mais que a aeronave). Outra peculiaridade do modelo de negócios da indústria é que as máquinas são projetadas sob medida, ou seja, uma máquina é usada para uma obra apenas e depois descartada.
É importante destacar, entretanto, que a operação das TBMs envolve demanda contínua por peças de reposição, como os discos de corte, por exemplo. São esses componentes que respondem pelo sucesso da tecnologia das tuneladoras. São fabricados com uma liga metálica especial (dura e cara), composta de carbeto de tungstênio. O princípio básico do desmonte da rocha baseia-se no processo de fraturamento do maciço rochoso entre as linhas de passagem dos discos de corte, resultando no desprendimento uniforme de lascas de rocha na frente de escavação.
"A necessidade constante de troca dos discos de corte representa um dos gargalos do sistema tanto na elevação dos custos quanto na redução das taxas de avanço. Em muitos casos, os gastos com estas peças de reposição superam em muito o custo da própria máquina. Por outro lado, esse gargalo beneficia a indústria com o modelo de negócios do tipo "subsídio cruzado" (quando produtos induzem a pagar por outros como, por exemplo, barbeadores-lâminas, impressoras-cartuchos). Com cinco décadas de implantação dessa lucrativa cultura, a introdução de inovações no sentido de economizar essas caras peças sofre fortes resistências pelas indústrias dominantes do negócio", ressalta Noronha.
Segundo ele, o Brasil não acompanhou a evolução dessa tecnologia nas décadas de 1980 e 1990. "Ainda hoje, apesar de termos dezenas de microtuneladoras em operação, a utilização de TBM de grande dimensão tem sido rara. Uma das aquisições recentes foi a da tuneladora para o Metrô de São Paulo, uma máquina Herrenknecht com 9,5 m de diâmetro, 90 m de comprimento, 1.800 t de peso, que custou US$ 24 milhões", constata o engenheiro.
Por outro lado, a utilização dessas máquinas na América do Norte, na Europa e no Japão tem sido crescente nas últimas quatro décadas. Porém, indiscutivelmente, a China foi o país que apresentou o maior crescimento de demanda. Há centenas dessas máquinas operando atualmente naquele país. Apenas no primeiro semestre de 2008, as encomendas chinesas ultrapassaram a 35 máquinas de grande porte, apenas da Herrenknecht.
O valor desses equipamentos pode ser estimado em US$ 1,6 milhões por metro de diâmetro. No Brasil, as tarifas de importação representam um acréscimo de cerca de 60% sobre o valor inicial. Aqui, o custo inicial é estimado em US$ 2,5 milhões por metro de diâmetro. Porém, a esse custo deve ser adicionado o também alto custo de operação. Além da manutenção e dos reparos, as TBMs requerem uma constante alimentação de insumos e de troca de partes que se desgastam. Em projetos de túneis longos (acima de 10 km), os gastos operacionais normalmente são mais altos do que o custo inicial da própria máquina. De acordo com os cálculos dos pesquisadores da UFSC e da BraBo, estima-se que o custo de operação seja de US$ 0,25 milhões por metro de diâmetro e por quilômetro escavado. Na escavação dos 8 km do metrô paulistano, esse valor foi de US$ 20 milhões (comparável ao custo inicial do equipamento).
Nova geração de TBMs
O modelo de negócios da tecnologia atual de máquinas tuneladoras não segue uma abordagem de base sustentável, segundo os pesquisadores brasileiros. As características de "força-bruta", dos altos custos e da não reutilização apenas confirmam a necessidade por inovações alternativas, que tornem essa tecnologia mais acessível e sustentável.
Motivado pela grande demanda e pela postura conservadora da indústria, o grupo BraBo-UFSC vem procurando promover o aperfeiçoamento tecnológico das máquinas tuneladoras atuais. Como resultado da atividade de pesquisa e desenvolvimento, foi criado o conceito de uma nova tuneladora bem mais eficiente e racional que as máquinas atuais, já que se procurou utilizar processos de "força-inteligente" (smart-power) ao contrário de "força-bruta". As ideias propostas são inovadoras e com uma base tecnológica totalmente nacional.
O desenvolvimento tecnológico proposto busca um novo tipo de equipamento de construção de dutos e túneis, denominado BraBo. As alterações baseiam-se na remoção das partes mais complicadas e caras das TBMs atuais.
O esquema da nova máquina prevê três inovações: duas principais, que representam alterações nos processos de corte de rocha (ou escarificação do solo), e uma que se refere ao sistema de execução do revestimento de concreto que forma o suporte do túnel.
A primeira inovação proposta forma a base das outras duas inovações e consiste de um sistema de corte bifásico que utiliza simples elementos mecânicos dispostos em uma configuração estratégica inédita. O novo arranjo das ferramentas de corte vai requerer cinco vezes menos energia que as máquinas convencionais para realizar o desmonte da rocha na frente da escavação. Com isto, podem-se estimar ganhos de até cinco vezes em economia de custos.
Enquanto a primeira inovação proposta permite reduções significativas de custos, a segunda trata da velocidade de avanço das TBMs, por meio do uso de sistema de corte por jato d’água. Esse desenvolvimento vem sendo realizado pela equipe do professor Walter Weingaertner, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC e pela empresa Welle, de Florianópolis.
Por fim, a terceira inovação prop
osta consiste de um procedimento para otimizar a construção de revestimento do túnel, que se baseia em uma nova tecnologia de extrusão de concreto desenvolvida pela equipe do professor Milton Ferreira da USP-São Carlos e pela empresa Inovamat. Essa modificação permite a obtenção de revestimentos de forma mais racional, rápida, segura e econômica em relação à tecnologia dos equipamentos tradicionais, também resultando no aumento das taxas de avanço da construção. Os outros sistemas usados em tuneladoras convencionais (transporte, sensores e elementos auxiliares) permanecem com a mesma função, mas também se beneficiam pela redução das suas dimensões e dos seus custos devido às simplificações propostas nos sistemas principais.
Um dos benefícios mais marcantes da proposta da BraBo-UFSC, segundo Patrícia Faria, é a grande redução do número dos discos de corte, uma das principais fontes de lucro (subsídio cruzado) da indústria de TBMs: "Nitidamente, essa característica não é consoante aos interesses da indústria atual. Por outro lado, grupos independentes internacionais têm manifestado forte interesse na proposta apresentada, como as novas indústrias de máquinas pesadas de construção em Xangai, na China".
Fonte: Estadão
Olha o atraso que fizeram para o nosso país com o golpe de 2016…. Tenho vontade de chorar em ver pessoas que foram iludidas com mentiras geradas pelas emissoras liberais….