A região do Vale do Rio Itajaí, em Santa Catarina, historicamente uma das mais devastadas por chuvas intensas, inundações e, mais recentemente, deslizamentos de terra, pode se tornar modelo na prevenção de catástrofes no Brasil
Juliana Wilke – Blumenau (SC)
Após as enchentes de 2008, o maior desastre natural registrado em sua história, o governo do Estado firmou um acordo de cooperação com a Japan International Cooperation Agency (Jica), órgão do governo japonês responsável pela implementação da Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) para a elaboração de um plano diretor que vai definir as obras de prevenção necessárias para evitar as calamidades. A parceria foi realizada porque os japoneses são especialistas em combater esse tipo de fenômenos naturais em larga escala em seu país. |
A coordenadora do Projeto de Medidas de Prevenção e Mitigação de Desastres na Bacia do Rio Itajaí, ou apenas “Projeto Jica Vale do Itajaí”, Reginete Panceri, afirma que a primeira etapa terminou em dezembro de 2010 e as obras de engenharia necessárias para prevenir e mitigar os efeitos dos desastres naturais na região vão absorver cerca de R$ 2 bilhões em investimentos. Durante todo o ano passado, os engenheiros e técnicos japoneses fizeram uma série de visitas aos municípios da região e às defesas civis municipais, promoveram mais de 130 reuniões, mediram a capacidade de escoamento dos rios, estudaram os solos das 67 áreas de deslizamento, discutiram e conheceram os processos de monitoramentos existentes.
“A partir destes levantamentos, apresentaram medidas de mitigação dos desastres e proteção contra enchentes de 5,10, 25 e 50 anos de recorrências, isto é, que têm probabilidade de voltar a ocorrer conforme os ciclos da natureza”, explica Panceri. Segundo ela, a Jica mostrou o que é preciso ser feito para que as cidades fiquem protegidas em cada um destes tempos. A segunda etapa começou em março último e vai englobar o estudo da viabilidade econômica destas obras e o estabelecimento de prioridades.
O chefe da equipe da Jica que realizou os estudos em Santa Catarina, Minoru Ouchi, afirma que se o plano de enchentes para 50 anos de recorrência for implementado, conforme a proposta do Plano Diretor, a região vai se tornar modelo de prevenção único no País. “Na primeira etapa, pretendemos adotar as medidas de prevenção para a segurança de 10 anos de recorrência até 2015”, diz Ouchi.
No plano de medidas para a prevenção de enchentes foram selecionadas oito cidades para o estudo, levando em consideração a frequência da ocorrência e o valor do prejuízo com desastres de enchentes. Em relação ao desastre de escorregamentos foram relacionados 67 locais de maiores riscos nas encostas de rodovias e formulados os planos de estabilização das encostas com objetivo de prevenir os desastres do porte de novembro de 2008 (60 anos de recorrência, conforme índice pluviométrico registrado em Blumenau). A equipe propôs também a instalação de 53 estações pluviométricas, uma em cada município com objetivo de montar sistemas de alerta para o escorregamento/enxurrada em toda a bacia.
“Vamos começar a trabalhar a prevenção a partir de uma região, com projetos que atendam vários municípios, os chamados macroestruturantes”, comenta o geólogo do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Santa Catarina (Crea/SC), Rodrigo Sato. Segundo ele, o estado catarinense ocupa um dos primeiros lugares no Brasil no ranking dos desastres naturais. Só perde para Minas Gerais. Sato faz parte do Grupo Técnico Científico para Prevenção de Catástrofes Naturais de Santa Catarina, o GTC, criado pelo governo estadual após as enchentes de 2008 para levantar informações, analisá-las, e propor adoção de mecanismos minimizadores de desastres naturais. Fazem parte deste grupo, que atuou em conjunto com a Jica neste projeto, mais de 20 instituições, entre elas as universidades, secretarias de Estado e municipais, Crea/SC, Epagri, IBGE e Inmet.
A luta para obter recursos
A coordenadora do Projeto Jica Vale do Itajaí, Reginete Panceri, afirma que a primeira providência a ser tomada agora é ampliar de imediato a capacidade de endividamento do Estado. Santa Catarina teria, hoje, apenas U$$ 50 milhões para este fim. A meta é, em curto prazo, dobrar este montante para que a execução das obras iniciem em 2012. Outra frente de trabalho vai buscar recursos externos, principalmente de organismos internacionais, como o próprio bra
ço financeiro da Jica. O geólogo do Crea/SC, Rodrigo Sato, acredita que, num primeiro momento, o projeto não vai contar com o aporte financeiro dos japoneses, uma vez que parte do Japão está sendo reconstruída após ser assolado recentemente por duas catástrofes (terremoto e tsunami). Panceri afirma que, apesar disso, a Jica pode entrar com aporte financeiro.
Sato conta que há registros de inundações em Blumenau desde a sua colonização, no início do século 19. “Existe uma piada de que o fundador da cidade, Hermann von Blumenau, instalou-se no local porque não havia índio. Mas é porque os índios sabiam das inundações”, conta. O geólogo afirma que a ocupação ocorreu ao longo do rio Itajaí, na área mais crítica. “O rio é cheio de curvas que barram a circulação da água, provocando as enchentes”.
Conforme os levantamentos da Jica, a dimensão da área da planície de inundação no Vale do Itajaí é de aproximadamente 870 m2 e equivale a 5,6% de toda a Bacia, e a maioria da população reside nesta região. Na foz, as áreas de agricultura às margens do Rio Itajaí se desenvolveram economicamente e observa-se a expansão cada vez maior de áreas urbanas. “A conservação das áreas de preservação permanente – APPs – e a regularização do uso de solos dentro do planejamento urbano de cada município, se tornarão cada vez mais importantes para evitar o crescimento do potencial de danos causados pelas enchentes urbanas. Portanto, cada município deverá conciliar o crescimento econômico com o plano de urbanização que visa à construção de cidades que possam resistir aos desastres”, diz Minoru Ouchi, da Jica.
Em Blumenau, o secretário municipal da Defesa Civil, major Aldo Neto, diz que, com o sistema de monitoramento de alerta em implantação no município, dentro de um ano a população terá condições de se socorrer e retirar os pertences das casas quando ocorrerem as enchentes. “Mas enchente não é considerada um desastre natural”, explica. Segundo ele, a cidade tem um regime histórico de chuvas de enchentes tipo gradual, diferente do que aconteceu em 2008, quando ocorreu um desastre climático, com enxurradas que ocasionaram a subida rápida da água dos rios e provocaram alagamentos e deslizamentos. “Foi a primeira vez que tivemos um evento desta magnitude, com três mil pontos de escorregamento em Blumenau”, conta o secretário. Segundo ele, os cientistas asseguram que os eventos climáticos continuarão cada vez mais severos na região, com maior impacto e maior duração. “Para este tipo de ocorrência, nem um município está preparado e só as ações propostas pela Jica poderão amenizar seus efeitos.”
Depois da calamidade em 2008, que deixou 135 mortos, seis mil desabrigados na região e praticamente destruiu o Porto de Itajaí, 35 grandes áreas de risco foram mapeadas em Blumenau. Uma parte do local está sendo interditada para evitar novas construções e para recuperação das florestas. Nestes locais, cinco mil famílias foram atingidas e foram enquadradas na política de habitação pública de Blumenau. O major Sato afirma que depois de 2008 a cidade foi redesenhada, sua malha viária está sendo modificada e seu crescimento orientado para a região Norte, que apresenta um solo menos suscetível à ação das águas.
O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Santa Catarina (Senge/SC), José Carlos Rauen, afirma que as ações de prevenção e mitigação de enchentes são incipientes e falta mão de obra qualificada para enfrentar as mudanças climáticas adversas. “Com a incidência cada vez mais recorrente dos desastres climáticos, a ´engenharia da catástrofe´ torna-se cada vez mais atual, mas os governos e iniciativas privadas precisam investir mais na prevenção. Os profissionais de engenharia do País precisam estar habilitados, e isso somente poderá acontecer se uma iniciativa em forma de curso na área de segurança for viabilizada, englobando as mais diversas áreas e segmentos da nossa profissão”, diz.
Principais recomendações da Jica*
– Contenção das águas chuvas nas arrozeiras (22.000ha)
– Barragem de pequeno porte (sete lugares)
– Melhoramento da operação das barragens e sobre-elevação do vertedouro (duas barragens)
– Melhoramento no canal de dois ribeirões em Blumenau (rios urbanos)
– Alteração na operação das barragens hidrelétricas e uso para contenção de cheias
– Melhoramento do sistema de alerta para enchentes
– Melhoramento do canal do Rio Itajaí Mirim e instalação de comportas
– Em relação
às medidas de escorregamentos, foram selecionados 13 locais de maiores riscos nas encostas de rodovias para implementação das medidas preventivas, além da proposta de criação do sistema de alerta de escorregamentos e enxurradas.
*Medidas estruturais para o grau de segurança de 10 anos de recorrência.
Fonte: Estadão