Valorizar o planejamento e o projeto

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João Alberto Viol

Houve, sim, uma queda na qualidade da engenharia do País. Um dos motivos que explicam essa situação é o fraco crescimento da economia brasileira nos últimos anos. Ele afetou o setor produtivo como um todo. Fruto deste fraco desempenho, as empresas perderam a capacidade de investir em novos quadros, novas tecnologias e equipamentos e houve absorção de engenheiros em outros segmentos de atividade, como o próprio sistema financeiro.
Neste cenário desfavorável, a engenharia consultiva que trabalha com três vetores fundamentais de atividades – o planejamento, o projeto e o gerenciamento do empreendimento – perdeu espaço, quadros técnicos e a capacidade de renovação e de atualização do conhecimento. Isto, sem falar na capacidade de inovação tecnológica.
A engenharia consultiva é tão importante no âmbito da engenharia que muitas vezes sua queda é confundida como causa da queda de qualidade da engenharia como um todo. Na realidade, ela perdeu qualidade e se encolheu em função do mau desempenho da economia e, com isso, comprometeu irremediavelmente a cadeia produtiva.
A Revista o Empreiteiro me pergunta: Quais são os óbices que estão dificultando inovações e aperfeiçoamentos no processo de projetar, construir e gerenciar, sobretudo obras de infraestrutura? Entendo que as obras de infraestrutura têm uma característica especial: são contratadas pelo setor público.
A partir do final de 2007 houve um crescimento muito grande de demandas por projetos e gerenciamentos de modo geral. Esse aquecimento apanhou o segmento totalmente descapitalizado e com poucos quadros técnicos, além de desatualizado com relação à utilização de tecnologias de ponta. Consequentemente, teria baixa capacidade de resposta às demandas. Pelo lado das empresas há necessidade de se investir em equipes e tecnologia, mas para investir é necessário ter a segurança de um luxo de caixa compatível com o investimento. E, isso, não se tem há muito tempo.
O setor público, por sua vez, perdeu, ao longo dos anos de crise econômica, a capacidade de planejar e contratar adequadamente os seus projetos. Aí, o que se vê é uma roda-viva que gira movida pela pressão da sociedade: as necessidades aumentam em todas as áreas da infraestrutura, a sociedade pressiona, o poder público anuncia os empreendimentos, licita as obras com projetos básicos contratados às pressas e executa os empreendimentos sem uma supervisão e gerenciamento adequados. O resultado são obras mal executadas ou não concluídas, prazos não cumpridos e orçamentos estourados.
Os equívocos cometidos pelo poder público na ânsia de responder às pressões sociais chegam ao ápice quando se trata de eliminar os atrasos e resolver os gargalos para conclusão dos empreendimentos. Neste momento, a palavra chave é "agilizar". E a solução genial encontrada pelo poder público é contratar os serviços técnicos especializados de engenharia por preço ou pregão eletrônico, pois assim agiliza-se e economiza-se. Não é possível agilizar um empreendimento abordando apenas sua fase de projeto, que é a mais curta. E não é possível economizar atuando sobre cerca de 5% do valor da obra e colocando em risco todo o montante a ser investido na construção.
Este cenário evidencia que a falta de planejamento, do setor público, é o fator preponderante para a falta de capacidade de investimento das empresas em seus sistemas de qualidade. Elas acabam totalmente dependentes das oscilações da economia. Derivam daí as distorções na forma de contratar os serviços técnicos especializados, expressos na utilização dos critérios de menor preço ou pregão eletrônico, termos de referência mal elaborados e editais falhos. O resultado é um impacto negativo muito forte na qualidade do projeto e do empreendimento.
Acho ser necessário planejar e depois projetar, antes de se realizar qualquer tipo de obra. No Brasil, não se valoriza o planejamento e o projeto. Isso faz parte de uma cultura que deve ser mudada. O legado de qualidade que nos projetou internacionalmente está ligado a fases de crescimento econômico que propiciaram às nossas empresas responder convenientemente às demandas.
Sair desse vai-e-vem, crescer continuamente, respondendo às necessidades do País e contribuir para que o Brasil alcance o patamar do Primeiro Mundo são o grande desafio que enfrentaremos neste século como cidadãos e como profissionais.

João Alberto Viol é vice-presidente de gestão e assuntos institucionais do Sinaenco e diretor da JHE Consultores

Fonte: Estadão


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