50 anos de Engenharia, do planejamento à obra pronta

Compartilhe esse conteúdo

Dois motivos me levam a refletir sobre o tema.

Primeiro, porque em dezembro de 2015 minha turma vai comemorar meio século de diplomação em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na prática comecei a trabalhar com engenharia desde estudante, em 1963, ainda no terceiro ano da faculdade.

Quando me formei já tinha vivido o mundo real da profissão, aprendendo, inclusive com os mestres de obras, que me ensinavam aquilo que a academia não poderia suprir. Decorridas essas cinco décadas, sou levado a rememorar o que foi feito no País por meio dessa profissão, nos ramos do planejamento, da elaboração de estudos e projetos e da construção civil.

Foram realmente tempos de muita realização em termos da boa engenharia brasileira. A ponte Rio-Niterói, as hidrelétricas de Três Marias, Furnas e Itaipu, a Ferrovia do Aço, as BRs-040, 101, 116, 135, 163, 242, 365 e muitas outras, alcançando todas as regiões brasileiras. Além dos portos de Rio Grande, Paranaguá, Suape, da navegação no Jacuí-Taquari-Lagoa dos Patos, no Tietê e no São Francisco, entre Pirapora e Juazeiro.

Mas não era uma engenharia qualquer. Era a engenharia em toda a sua essência e liturgia, com começo, meio e fim, iniciando pelo planejamento (Plano Nacional de Viação, Plano de Metas, Geipot), seguido pelos estudos de viabilidade técnico-econômica, dos projetos básicos, dos projetos finais executivos, das obras e da supervisão – tudo ocorrendo em sequência, como em uma verdadeira linha de montagem.

A infraestrutura implantada, com esmero e qualidade, tinha sua vida útil garantida pela conservação rotineira e prevenção periódica. Com ela sustentamos o crescimento econômico de duas décadas, até meados dos anos 1980. Muitas superaram suas expectativas de vida útil.

É bem verdade que os setores detinham uma relativa autonomia financeira, com base em seus orçamentos bem estruturados e alicerçados nos recursos vinculados de seus respectivos fundos nacionais dos Transportes, da Energia e das Telecomunicações.

As crises econômicas internacionais e nossas dívidas – interna e externa – resultaram na extinção dos fundos vinculados, mas não nos impediram de manter o ritmo de planejamento, dos estudos de viabilidade e dos projetos de engenharia; apenas retardaram parte substancial dos investimentos nas obras. Mas a carteira de projetos ficou estocada para a sua retomada, a partir dos anos 2000, após a estabilização da economia, conquistada com o Plano Real, desde meados de 1994.

“Nossas obras de infraestrutura estão saindo mais caras e com menor qualidade, como consequência de projetos precários contratados por preços baixos”

Neste início do século 21, não obstante nossas boas reservas cambiais e o baixo endividamento externo, surge no horizonte a ameaça do déficit público e do retorno da inflação. Tudo indica que teremos um período, ainda que curto, de forte redução nos investimentos programados, na infraestrutura de transportes (Plano Nacional de Logística e Transportes, PNLT; Plano de Aceleração do Crescimento 2, PAC 2; e Programa de Investimentos em Logística, PIL), calculados em cerca de quatro centenas de bilhões de reais.

Carentes de infraestrutura, fomos impelidos a programar um forte ciclo de investimentos que, em face de critérios pouco eficientes de contratação e gestão, foram sendo retardados, interrompidos, ou nem mesmo programados.
Não fossem as concessões ao setor privado nas rodovias, nas ferrovias, nos portos e aeroportos, estaríamos em situação ainda mais precária no que se refere à nossa infraestrutura.

Mas a realidade incontestável de hoje é que temos ainda uma grande demanda a atender, como ficou demonstrado no PNLT e no PIL.

Entretanto, cabe notar que nossas obras de infraestrutura estão saindo mais caras, com prazos mais longos e com menor qualidade, tudo isso como consequência de estudos e projetos precários, contratados por preços baixos, não compatíveis com os mínimos critérios de qualificação de seus agentes executores.

Lamentável e equivocada conduta, já que tais estudos e projetos, quando benfeitos, representam algo em torno de 5% a 7% do custo total das obras, mas terminam por garantir-lhes a plena conclusão, com qualidade, prazos e orçamentos bastante racionais e previsíveis.

Assim foi feito no citado período das grandes realizações e pode ser adotado hoje, enquanto não pudermos sustentar um forte ritmo de obras com demanda de investimentos que não teremos condições de alocar nos próximos dois ou três anos.
Por que, então, não montarmos, nesse período, uma carteira de bons estudos e projetos que custarão não mais do que cerca de 7% dos R$ 400 bilhões das obras, preparando-nos para a retomada dos investimentos, quando superarmos a travessia do mau tempo?

É certo que esse esforço, viável orçamentariamente, nos permitirá retomar o ciclo dos investimentos na infraestrutura de forma mais segura, racional e equilibrada, sem tropeços. Mas aí, sim, de acordo com a boa engenharia, na sua plena essência e liturgia, com começo, meio e fim, digna do nosso acervo técnico e da nossa tradição, provada e aprovada em obras espetaculares que já realizamos, aqui e fora daqui.

Vamos empunhar essa bandeira agora, antes que venhamos a lamentar o tempo perdido e os valiosos recursos desperdiçados. Mais do que de engenheiros, isto é tarefa para toda a sociedade brasileira.

*O engenheiro Marcelo Perrupato foi diretor técnico e presidente da Empresa Brasileira de Planejamento dos Transportes (Geipot) no período 1984/85, secretário-geral do Ministério dos Transportes em 1985/86 e secretário de Política Nacional de Transportes entre 2007 e 2013. Atualmente é consultor e senior advisor da Deutsche Bahn International.
 

Fonte: Revista O Empreiteiro


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário