O aumento da demanda por energia elétrica e a necessidade de diversificar a matriz energética vêm estimulando o crescimento do mercado de co-geração no País. Mais confiabilidade no fornecimento pelo paralelismo permanente com a concessionária, redução do consumo de energia elétrica em função do aproveitamento térmico e melhor qualidade da energia gerada são algumas das vantagens que tornam esse tipo de fonte alternativa de capacitação energética atraente para o setor privado principalmente o setor terciário.
Se esses argumentos não bastassem, a necessidade de evitar a reedição do “apagão” ocorrido no período 1999-2001, com graves conseqüências para o consumidor doméstico e para as atividades econômicas em geral, bastaria para justificar investimentos em unidades termelétricas, desenvolvidas sob medida para as necessidades dos usuários. O fim do monopólio estatal na geração de energia elétrica e a extinção das barreiras alfandegárias que dificultavam a importação dos equipamentos são facilitadores para o desenvolvimento e implantação de projetos com esta finalidade.
Mas falta uma política governamental clara, de estímulo a esses empreendimentos, como a criação de linhas de financiamento especiais, a taxas confortáveis, para fazer frente às necessidades de investimentos nas unidades termelétricas. E ainda não há a definição a nível nacional de uma política diferenciada de comercialização do gás natural para co-geração, principal insumo das unidades termelétricas.
Isso é o que afirmam especialistas no assunto, como o engenheiro João Argollo, Diretor da UTC Engenharia, empresa brasileira que vem se destacando, nos últimos anos, no desenvolvimento, implantação e gerenciamento de projetos de co-geração. Nesse momento, a UTC está envolvida na construção e montagem de um desses projetos que poderá se tornar um marco no setor, no Brasil. Trata-se da unidade termelétrica a gás natural, do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro.
O projeto está dividido em duas fases. A primeira fase tem 10,7 Mw de capacidade instalada de geração a gás natural e mais 10,7 Mw de geração a diesel. A Central de Água Gelada (CAG) terá 4.100 TR’s (toneladas de refrigeração) de capacidade térmica instalada. Já a segunda fase (ainda não contratada pelo Cenpes), terá mais 7,1 Mw de geração a gás e mais 6.300 TR’s. A primeira fase foi licitada no ano passado, sendo vencedora a UTC Engenharia. Atualmente as obras encontram-se em execução, com conclusão e início da operação previstas para abril de 2009.
SUCESSO NO SHOPPING IGUATEMI
A unidade co-geradora do Cenpes está sendo desenvolvida com base numa experiência de sucesso que a UTC obteve na central de co-geração de energia do Shopping Center Iguatemi, na Bahia.
É uma planta que funciona em sua capacidade plena desde o início de agosto de 2005, com aproximadamente 9 Mw de potência elétrica instalada, e 3.400 TR´s de refrigeração de ar. Para viabilizar o projeto denominado UTE Iguatemi Bahia a UTC constituiu uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), a Iguatemi Energia S.A. (IENSA) responsável pela construção, operação e manutenção da unidade termelétrica.
O contrato firmado entre a IENSA e o Condomínio do Shopping Center Iguatemi garantirá o fornecimento de energia por um prazo mínimo de 15 anos. A unidade geradora ocupa uma área de 1.000 m2 em terreno pertencente ao shopping. É a maior planta desse tipo no setor terciário e pioneira no Nordeste.
Nesse caso, o processo de cogeração consiste no seguinte: a partir de um motor de combustão interna, alimentado por gás natural, é acionado um gerador que produz energia elétrica. Através do aproveitamento dos gases de exaustão e água de arrefecimento dos motores, obtém-se a energia térmica, sob a forma de água quente, que é transformada em frio através de chillers de absorção fornecendo água gelada para o sistema de refrigeração de ar.
“Com o projeto, buscamos implantar uma central de Co-geração de Energia com capacidade instalada de 8.565 Kw, através de três motogeradores a gás natural de 2.855 Kw, tornando o shopping auto-suficiente, na produção, para consumo próprio de energia elétrica”, detalha João Argollo. Ele explica que se a unidade co-geradora fosse utilizada apenas para gerar energia elétrica, ela não teria viabilidade.
“Ela se torna viável a partir do momento em que passa gerar também energia térmica na forma de frio, água quente ou vapor tornando a planta mais eficiente.” O calor proveniente dos gases de exaustão dos motores, que seriam dissipados na atmosfera, a uma temperatura de aproximadamente 420ºC, e do seu sistema de arrefecimento, tem seu aproveitamento através de três caldeiras para produção de água quente, que em seguida é enviada para três chillers de absorção, que transforma essa energia em forma de calor para frio.
O resultado é a obtenção de água gelada à temperatura de entre 5,5° a 7°c. Essa água gelada, produzida a um custo baixíssimo, é destinada ao sistema de ar condicionado do shopping center, gerando uma capacidade de refrigeração de ar de aproximadamente 1230 TR’s (toneladas de refrigeração).
Entretanto, como a carga térmica do shopping é maior do que a capacidade de geração através do sistema de absorção, a carga térmica é complementada com chillers de compressão elétricos, que somam mais 2130 TR’s ao sistema de refrigeração do shopping.
PARALELISMO
O sistema de cogeração do shopping baiano é interligado a concessionária local de energia a COELBA, através de paralelismo permanente. Isso permite, no caso da falha de um ou mais motogeradores ou mesmo na falta de gás natural, suprir o shopping com a energia da Concessionária.
Além disso, o paralelismo permanente possibilita a otimização da operação. Durante o dia, ou seja, no horário de funcionamento do shopping, quando é maior o seu consumo, toda a energia tanto elétrica como térmica vem do sistema de cogeração. Nesse período, o shopping é 100% auto-suficiente.
Já à noite, no horário de não funcionamento do shopping, o consumo da energia cai significativamente, inviabilizando a utilização da unidade cogeradora, entra em ação a energia fornecida pela concessionária. “De qualquer forma, se houver um “apagão” em Salvador, o shopping Iguatemi será, provavelmente, o único lugar com energia na capital baiana”, orgulha-se o engenheiro. O Diretor da UTC revela que, no início da implant ação do projeto do Iguatemi, o custo estimado era de cerca de U$1,2 milhão por MW instalado. Mas hoje, com o aumento da demanda, os preços dos equipamentos subiram muito, de forma que não é mais possível executar o mesmo projeto por este valor. “Hoje, para cada MW instalado, acredito que teríamos um custo de aproximadamente U$ 2 milhões”, calcula Argollo.
Para complicar ainda mais, se antes a entrega de cada motor acontecia quase que imediatamente após a compra, hoje a espera média é de 18 a 24 meses. “Isso prova que o mundo está atrás de soluções energéticas e que uma dessas soluções é a co-geração”, comemora Argollo, otimista. Semelhante ao sistema instalado no shopping de Salvador, mas em menores proporções, é a unidade de co-geração do shopping de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, também instalada pela UTC.
É uma planta de aproximadamente 3 MW, vendida para a Iqara Energy, do Grupo British Gas, uma das acionistas da Comgás.
EQUILIBRANDO A MATRIZ ENERGÉTICA
Entusiasta da co-geração, João Argollo afirma que modelos como esses, multiplicados, podem mostrar o caminho para o equilíbrio da matriz energética no Brasil. “Hoje o Nordeste produz gás para sua auto suficiência, como o Rio de Janeiro, graças às reservas da Bacia de Campos. São Paulo também tem gás, que virá da Bacia de Santos, e ainda temos Urucu, na Amazônia, que é a maior reserva de gás do país”, analisa Argollo.
Além das vantagens já citadas, a auto-produção de energia, segundo o executivo, tem mais um diferencial sob a ótica do estado: a possibilidade de gerar energia ao lado do cliente/consumidor, evitando que o poder público tenha que investir com a desapropriação de áreas e obras para a instalação de novas unidades geradoras, linhas de transmissão e distribuição, ou para minimizar os impactos sobre o meio ambiente.
Todos os custos da co-geração, incluindo desenvolvimento do projeto, construção, montagem e acompanhamento, são bancados pelo próprio cliente. Portanto, por todos os ângulos que se olhe, a co-geração é um excelente negócio.