A mesa-redonda da revista O Empreiteiro (OE 533), que discutiu soluções técnicas para resolver o problema do sistema Cantareira (SP), ampliou a polêmica. A Cobrape propõe um pacto de planejamento de ações e intervenções a fim de garantir a segurança hídrica no Estado.
Nildo Carlos Oliveira
Aparentemente o governo Geraldo Alckmin rendeu-se às evidências de que a crise na gestão hídrica do sistema é o maior conflito pela água no Brasil hoje. Até fins do mês passado, contudo, ele continuava a resistir à adoção do racionamento, aguardando o milagre das chuvas para não decretar aquela medida. O volume de água armazenado no reservatório do sistema havia caído mais uma vez. E ali o sistema operava com apenas 7% de sua capacidade.
O engenheiro Carlos Alberto Amaral de Oliveira Pereira, diretor da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos, contribui com um depoimento para mostrar o alcance da crise e as soluções possíveis, dentro das circunstâncias atuais. O depoimento do engenheiro é o seguinte:Causas do colapso. O principal fator, que contribuiu na conformação das atuais condições de operação do sistema Cantareira, foi a reduzida vazão afluente às represas que compõem o sistema de abastecimento de água. O regime hidrológico que vem sendo observado desde o final de 2013 configura-se como o mais crítico da história da região.
Monitoramento prévio. Nem o monitoramento prévio, nem as análises meteorológicas poderiam ter previsto quando ocorreria um evento crítico com a dimensão do que está sendo observado. Nenhum estudo seria capaz de antecipar uma data em que se instalaria na região um quadro de escassez hídrica como o iniciado no período correspondente ao verão 2013/2014. O que se sabe, e as análises das séries históricas da hidrologia regional permitem antecipar, é que a região Sudeste, da qual a Região Metropolitana de São Paulo e os territórios do sistema Cantareira fazem parte, está sujeita à ocorrência de fenômenos de estiagem intensa.
O planejamento. A antecipação do problema, portanto, deve ocorrer na fase de planejamento dos sistemas de mananciais. Não se pode dizer que na região metropolitana de São Paulo este planejamento não vem sendo executado. Ao longo das últimas décadas, diversos estudos foram realizados, tanto para o planejamento dos novos sistemas de abastecimento de água quanto, também, para as melhorias da gestão operacional dos sistemas na qual se incluem as iniciativas para a redução de perdas nos sistemas públicos de abastecimento, o uso racional da água (voltado para a maior eficiência do uso pelos consumidores), a introdução das técnicas de reúso da água (deste modo podendo-se postergar investimentos em novos sistemas) etc.
Entre outros estudos, em 2013, o governo do Estado de São Paulo, por meio do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), concluiu o Plano Diretor de Aproveitamento Hídrico para a Macrometrópole Paulista. Este estudo, que envolveu diretamente as secretarias de Planejamento e Desenvolvimento Regional, de Meio Ambiente e a de Saneamento e Recursos Hídricos, teve como meta a avaliação de alternativas para as intervenções necessárias para se garantir o suprimento hídrico da região da Macrometrópole até o horizonte do ano 2035, considerando-se, além do abastecimento urbano, o atendimento às demandas dos segmentos da indústria e da agricultura irrigada. Este estudo, bastante divulgado nos meios de comunicação, apontou, em um cenário tendencial, que a região, composta de 180 municípios, na qual em 2008 residiam cerca de 31 milhões de habitantes, demandará um incremento da oferta de água da ordem de 60 m3/s. O estudo indicou, também, que um intenso e financeiramente vultoso programa de investimentos na gestão da demanda (controle de perdas, uso racional da água, educação ambiental etc.) poderia resultar em reduções significativas dessas vazões incrementais.
A meu ver, o que tem poder de antecipar os problemas e evitar que eles ocorram e disseminem seus efeitos negativos por toda a sociedade é a existência de um planejamento de intervenções, realizado em bases técnicas consistentes, e a disponibilidade de recursos financeiros para executá-lo.
A explosão demográfica já não estava a exigir uma nova Cantareira? O problema não se limita à questão demográfica. O saneamento básico e, em particular, o abastecimento de água são aspectos estratégicos das condições necessárias para que o Estado de São Paulo possa aumentar a geração de riqueza e continuar contribuindo com o processo do desenvolvimento econômico brasileiro. A segurança hídrica é uma condição estratégica para esse desenvolvimento econômico e o bem-estar das populações. Neste aspecto, convém lembrar que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da Região da Macrometrópole Paulista é da ordem de US$ 16 mil. Mesmo em se dobrando este valor, não se alcançariam os patamares atualmente observados nos países desenvolvidos do Hemisfério Norte.
O que está em jogo, no meu entendimento, é o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida das populações. No caso da Macrometrópole Paulista, que abrange as regiões atualmente abastecidas pelo sistema Cantareira, os estudos técnicos demonstram que podem ser acessados recursos hídricos mais que suficientes para fazer frente às demandas futuras. Há diversas alternativas para se garantir este abastecimento, mesmo em face da ocorrência de condições climáticas adversas como as que no momento estamos vivenciando. Essas alternativas incluem um conjunto de ações e intervenções, estruturais e não estruturais. Dado o caráter estratégico do suprimento de água, resulta claramente que a coordenação das decisões sobre a execução dessas intervenções e suas formas de financiamento e respectivos agentes executores deve ficar subordinada à autoridade que detém a dominialidade das águas e a responsabilidade pelo seu planejamento.
Estas decisões devem levar em conta o grau de risco com o qual a sociedade está disposta a conviver. Quanto mais investimentos houver, melhores as condições de enfrentamento das situações críticas de escassez hídrica. Esse montante de investimentos, por sua vez, deve ser comparado com os prejuízos que uma situação crítica em larga escala poderia acarretar para a saúde pública, a qualidade de vida da região, a atratividade de oportunidades de investimentos, as finanças dos governos estadual e municipais e, enfim, para a socioeconomia geral do Estado mais rico da federação.
Como a crise pode ser superada. A normalização das condições hidrológicas no próximo verão seria muito bem-vinda. Afora isso, no curto prazo, os órgãos públicos, os operadores de saneamento e, no caso particular do sistema Cantareira, a Sabesp, devem prosseguir na implementação de medidas de comunicação social, de incentivos à racionalização do consumo e de viabilização, com a máxima eficiência possível, da utilização de todos os recursos hídricos disponíveis. Neste caso, cabe destacar a rápida e eficiente atuação da Sabesp no processo de acionar as reservas estratégicas do sistema Cantareira e de transferir parcelas das demandas atendidas por este sistema para outros menos afetados pela estiagem. No longo prazo, os atuais eventos devem servir de alerta para a necessidade de se estabelecer e pactuar, com todos os envolvidos, um planejamento de ações e intervenções que garantam a segurança hídrica de todo o Estado de São Paulo — e por que não de todo o Brasil — e evitem (ou minimizem) os efeitos que uma estiagem de grande porte poderia causar à economia e às condições socioeconômicas de importantes parcelas do território brasileiro.
Fonte: Revista O Empreiteiro