Nildo Carlos Oliveira tinha três traços marcantes — sua generosidade em orientar os jovens jornalistas, sua memória sobre os fatos históricos da engenharia brasileira, desde os tempos do Império, e sua visão crítica de como o Brasil poderia ser um país melhor se as obras “comuns” de infraestrutura fossem projetadas e construídas com mais qualidade, dentro do orçamento e prazo.
Na sua trajetória de 77 anos, trabalhou na Folha de S. Paulo e em diversas revistas de arquitetura e infraestrutura, como Projeto, Construção & Mercado, O Empreiteiro, entre outras. Tenho a confessar que muito do que sei sobre construção, infraestrutura e engenharia, essa emaranhada teia que são as relações
entre empresas de engenharia e contratantes públicos — que representam o governo nos seus três níveis – devo ao Nildo. Ele atuou por diversos períodos na revista OE que juntos devem somar três décadas ou mais.
Testemunhamos o auge das obras de infraestrutura na época do “milagre brasileiro”, propiciado pelo financiamento externo barato e abundante, construções essas das quais a economia brasileira depende até hoje em termos de transportes, energia, saneamento e indústrias de base como petróleo e petroquímica. Visitamos muitas dessas obras in loco, percorrendo as distâncias continentais desse País.
Estivemos na hidrelétrica de Curua Una, perto de Santarém (PA), cujas fundações foram assentadas sobre solos arenosos; fomos conhecer as superestacas de concreto que foram empregadas no porto do Rio Grande (RS); quando visitamos uma barragem no rio Doce (ES), o engenheiro residente da obra mandou
buscar camarões de água doce para nosso jantar no canteiro de obras; subimos numa caçamba de concretagem içada por guindaste para tirarmos do alto fotos panorâmicas da obra; voamos
num helicóptero sem portas na usina de Paulo Afonso (BA), para não prejudicar a qualidade das imagens —
foi a primeira vez que vi o semblante do Nildo preocupado.
O primeiro emissário de esgotos no rio Amazonas, executado com tubulação plástica, a partir de Manaus (AM), ele apelidou de “Operação Boiúna” na matéria publicada na revista OE — nome de uma cobra aquática mitológica que aparecia na região; visitamos a ponte Propriá-Colégio, quando descobri que Nildo nasceu na região de Arapiraca (AL) – e ele atravessou a ponte para ir até sua cidade natal; descemos de Kombi a estrada velha de Angra dos Reis (RJ) para chegar ao canteiro da usina nuclear Angra I, que foi a obra pioneira construída no País com “garantia de qualidade”.
Assistimos às tentativas infrutíferas do primeiro consórcio construtor nas obras de fundações da ponte Rio-Niterói, que acabou abandonando, e a chegada de outro consórcio que trouxe o engenheiro Bruno Contarini, que estava na Argélia num projeto do Niemeyer, para liderar os trabalhos, importar novos equipamentos para escavar as fundações e erguer a ponte sobre a baía de Guanabara. Esses fatos estão registrados no livro “O Mestre da Arte de Resolver Estruturas”, que Nildo escreveu recentemente sobre a história do Contarini e suas obras e publicou no ano passado. Ele reclamava nos tempos recentes como se tornaram raras no País as obras marcantes de engenharia. O último projeto que Nildo fez questão de visitar pessoalmente foi a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e as complexas soluções de engenharia adotadas, que incluiu estudos minuciosos sobre o enchimento do reservatório para preservar a rede de igarapés. Lamentou que os trabalhos de engenharia ficassem num segundo plano perante a opinião pública, ofuscados pelas questões indígenas que o governo não conseguia solucionar.
Estas são algumas das passagens da maravilhosa convivência de mais de três décadas, ao lado do jornalista e amigo Nildo. A imprensa especializada, as instituições de engenharia, as empresas construtoras,
projetistas e de montagem industrial, e seus amigos jornalistas vão sentir muito a sua falta.
(Joseph Young)
Fonte: Revista O Empreiteiro