Aduelas e mãos-francesas antecipam ponte de 2.830 m

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Se tudo correr bem e não houver incidentes de percurso de última hora, a ponte estaiada e em curva que transpõe o Canal de Laranjeiras, em Laguna, sul de Santa Catarina, poderá ser entregue ao tráfego até antes de maio do ano que vem, prazo fixado para a conclusão da obra

Nildo Carlos Oliveira – Laguna (SC)

De longe ou de perto, pela esbeltez e singularidades das técnicas de execução, a Ponte de Laguna, que a população e os usuários da BR-101 catarinense vêm se acostumando a chamar de Ponte Anita Garibaldi, em homenagem à célebre heroína local (nasceu em Laguna em 1821 e faleceu em 1849), é considerada exemplo de uma obra bem concebida do ponto de vista de projeto e de execução de engenharia. 

Reivindicada há muitos anos, a ligação passará a receber o fluxo de veículos que ainda circula sobre a antiga e acanhada Ponte Henrique Lage, inaugurada em setembro de 1934 e que, ao longo de décadas, se transformou no principal ponto de estrangulamento do tráfego na região. Ela integra o conjunto de obras da duplicação daquela rodovia, que é um dos elos de ligação do Brasil com os demais países do Mercosul. Só esse fato é suficiente para mostrar o quanto ela é de importância estratégica, do ponto de vista da economia. E, por causa disso, instiga o questionamento: Por que uma obra dessa relevância não foi planejada, projetada e construída há muito mais tempo?   

A ponte, com 2.830 m de extensão e segmento estaiado de 400 m, possui 53 vãos. A singularidade mais evidente consiste no sistema de lançamento e disposição das aduelas em cujas bordas ficam ancoradas as mãos-francesas. O conjunto forma o tabuleiro construído para a pista Norte e para a pista Sul, com duas faixas de rolamento com 3,60 m cada, além de uma faixa de acostamento com 3 m e uma faixa central de segurança com 1,10 m.

A obra, de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), é construída pelo consórcio formado pelas empresas Camargo Corrêa, Aterpa M. Martins e Construbuse, que ali aplicou diversas técnicas consideradas inovadoras. Elas vão incorporar, daqui em diante, o rico acervo das técnicas utilizadas na construção de obras de arte especiais no País. 

Tudo, um novo aprendizado

O engenheiro Luiz Gustavo de Oliveira Zanin, da Camargo Corrêa, responsável pelo gerenciamento da obra, diz que a construção vem constituindo um grande aprendizado e um acervo de experiências para obras futuras. O êxito do andamento dos trabalhos decorreu fundamentalmente, até aqui, segundo ele, de providências prévias, na sequência de um planejamento rigoroso. Além disso, desde a fase preparatória, o consórcio pode contar com o engajamento da equipe. No pico chegou-se a um contingente de 1.900 pessoas, número que decresceu para 1.300 este mês (outubro), quando a revista O Empreiteiro visitou a obra.

“O fato”, informa o engenheiro, “é que, na prática, tivemos de fazer uma série de obras antecessoras.” E não poderia ser de outra forma: todo o ambiente de trabalho teve de ser preparado para que os serviços pudessem ser iniciados dentro das previsões. Houve necessidade, por exemplo, da construção do canteiro fluvial, ao lado do canteiro em terra. É uma minicidade flutuante dotada de alojamento, infraestrutura de serviços e das condições para os trabalhadores desenvolverem os serviços. Foi preciso alugar um porto para construir balsas, uma vez que não havia esse tipo de equipamento disponível, em número suficiente, no mercado.

No canteiro em terra, em área de 95.910 m², foi montada uma estrutura que inclui a central de concreto, destinada a funcionar 24 horas/dia; o pátio de fabricação de pré-moldados; porto náutico; alojamentos; áreas de apoio e convivência; estação de tratamento de água; estação de tratamento de efluentes; refeitório e outros serviços de apoio. 

O planejamento previu a dragagem ao longo do canal, uma vez que a lagoa não possuía profundidade que permitisse navegação. Com essa série de serviços preparatórios, a obra mesmo só foi iniciada aí por volta de julho de 2012.

Concluídos esses preparativos foi iniciada a etapa das fundações, com a utilização de camisas metálicas com diâmetro de 2,50 m. Nesse serviço recorreu-se ao emprego de guindastes sobre balsas com capacidade de 250 t, a martelos hidráulicos e à tecnologia Wirtgen, com sistema de circulação reversa, para perfuração em rocha. Como se usou no processo lama betonítica, tomou-se cuidado especial para que esse material não vazasse das balsas para o canal. 

O engenheiro destaca a etapa da execução dos pilares. Para esse fim, foi desenvolvida uma forma metálica que “rendeu para a obra toda”. É uma forma bipartida, montada com o uso de guindaste. Na prática, um prolongamento da estaca da fundação. Com ela foram feitas as primeiras concretagens, obtendo-se de 1,50 m a 2 m de altura e depois se avançou para 3,30 m e 3,50 m, até se atingir o gabarito fixado. As estacas mais profundas chegaram a consumir cerca de 350 m³ de concreto cada.

Progrediram, também com inovações, os trabalhos de construção da mesoestrutura com distâncias entre pilares de 50 m. Foi nessa etapa que o consórcio aplicou um recurso que mais se refletiu no cronograma e também na redução da mão de obra especializada: uma treliça lançadora importada.

As aduelas e as mãos-francesas

Os projetos de duplicação da BR-101 Sul foram elaborados pelo consórcio Iguatemi/Engevix para o Dnit. O projeto específico da ponte previa o uso de aduelas pré-moldadas na execução do tabuleiro, conforme relata o engenheiro Luiz Gustavo Zanin, mas não entrava no mérito da metodologia executiva.

Fase de execução dos pilares. Os trabalhos exigiram apoio náutico em todas as suas etapas

O engenheiro Francisco Catão Ribeiro (Enescil) informa que o seu escritório realizou a consultoria estrutural do projeto básico e do projeto executivo da ponte, e atuou também no acompanhamento da construção do conjunto da obra, aplicando
, ali, o know-how e a expertise em pontes estaiadas e o conhecimento do sistema Berd de cimbramento autopropelido, no caso, com aduelas pré-moldadas de concreto. 

O consórcio construtor, liderado pela Camargo Corrêa, estudou o projeto, desenvolveu pesquisas e acabou optando e importando aquele sistema de treliça lançadora de Portugal. Trata-se de equipamento dotado de guincho elétrico que se apoia nos pilares do vão a ser montado.

A estrutura metálica de 131 m de comprimento, com 12 m de altura, e cerca de 9 m de largura, opera apoiada em dispositivos fixados sobre os pilares. Tem capacidade de carga de 1.260 t e pode içar e acoplar o conjunto completo de aduelas. Cada vão do trecho corrente é formado por 14 aduelas – 12 unidades de 3,60 m de comprimento, 9 m de altura e 3,2 m de altura. As outras duas peças têm 1,65 m de comprimento. Cada unidade pesa cerca de 90 t.

As peças são fabricadas no pátio de pré-moldados. Passam por rigoroso controle de qualidade e são concretadas face a face (ímpares e pares) para um encaixe preciso. Depois de prontas, as peças são estocadas e, em seguida, conforme o cronograma, içadas e transportadas por dois pórticos de 60 t cada até as balsas. A viagem até o local de içamento e instalação na ponte leva de 30 a 40 minutos.

O processo de içamento, acoplamento etc. é repetitivo. São seis dias de trabalho na execução de um vão completo. As aduelas de concreto armado, depois de instaladas, ganham a aplicação de um adesivo estrutural à base de epóxi. Posteriormente, a parte central do tabuleiro, formado pelo conjunto de aduelas, recebe as mãos-francesas, que o complementam. Há, nesse caso, outro pormenor: a treliça opera equipada com o sistema OPS de controle. E a protensão de um vão se dá de uma só vez, constituindo, segundo o engenheiro, outro ponto inovador do processo de construção da Ponte de Laguna.

As mãos-francesas são estruturas triangulares utilizadas para dar suporte às pistas da rodovia sobre o canal. Elas são instaladas nas bordas exteriores das aduelas. Acima das mãos-francesas são colocadas as pré-lajes para a concretagem das pistas. Elas são instaladas a 3,65 m uma da outra e, nesse espaço, é disposta a pré-laje. No conjunto, serão instaladas 1.598 unidades de mãos-francesas que se ancoram no tabuleiro formado pelas aduelas.

No trecho estaiado

As aduelas do trecho estaiado são lançadas com as mãos-francesas já acopladas. Elas são transportadas por balsa para o ponto de lançamento, já com dois pares de treliças norueguesas suportadas pelos apoios centrais. O trabalho de instalação se dá simultaneamente segundo o sistema de balanço sucessivo.

“A treliça lançadora que importamos de Portugal”, explica Luiz Gustavo Zanin, “constitui um diferencial marcante”. Documento da obra resume as vantagens desse equipamento: reduz o prazo em relação a métodos tradicionais; opera com menor número de trabalhadores na montagem, uma vez que é totalmente mecanizado; proporciona segurança aos operadores; e traz resultados compensadores do ponto de vista de custo final.

O engenheiro destaca uma parceria estabelecida pelo consórcio construtor com a francesa Freyssinet com vistas à construção do trecho estaiado. Diz ele que esta empresa está trazendo ao Brasil o sistema de Isotensão. É diferente do sistema tradicional de tensionamento amplamente utilizado. A Isotenção aplica uma força igual em cada cordoalha. Desta forma, os esforços são 100% distribuídos igualmente pelas cordoalhas.

Premiação

Os trabalhos não foram e não têm sido fáceis, conforme se observa no canteiro. Embora as obras avancem sobre uma lagoa, de águas tranquilas, as condições geológicas são irregulares e as fundações tiveram pela frente ocorrências rochosas que exigiram procedimentos especiais. Além disso, correntes muito fortes de vento impuseram cuidados especiais para a ancoragem e equilíbrio das embarcações mobilizadas para os serviços de construção.


Outro dado importante no começo das obras foi a identificação do sítio arqueológico Sambaqui, local cerimonial onde povos pré-históricos sepultavam os seus mortos. Ali foram descobertos 23 sepultamentos de adultos e crianças. O sítio foi preservado.

Em razão das técnicas inovadoras utilizadas e dos cuidados especiais mencionados o consórcio conquistou quatro certificações. “É isso”, diz o engenheiro. “O sistema de gestão nesses trabalhos está nos levando a uma quíntupla certificação: a de responsabilidade social”.

Ficha técnica – Ponte de Laguna (Ponte Anita Garibaldi)
Extensão: 2.830 m
Contratante: Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)
Valor do Contrato: R$ 597 milhões
Construção: Consórcio Ponte de Laguna: Construtora Camargo Corrêa/ Aterpa M. Martins e Construbase
Projeto: Consórcio Anhambi/Engevix
Principal equipamento: Treliça lançadora de aduelas Berd, fabricada em Portugal
Sistema de Isotensão: Freyssinet

Principais quantitativos
– Peças pré-moldadas: 786 aduelas, 1.598 mãos-francesas e 11 mil pré-lajes
– Estacas escavadas com 2,50 m de diâmetro: 136
– Aço: 20.000 t
– Concreto: 100.000 m³
– Embarcações utilizadas: 55

Formas moldam barreiras NJ

A empresa Menegotti, fundada em 1940 em Jaraguá do Sul (SC) e que tem um histórico voltado para a fabricação de equipamentos para múltiplas utilidades, forneceu as formas para a fabricação da barreira New Jersey do novo cartão-postal de Santa Catarina: a Ponte de Laguna. É barreira de segurança utilizada como divisor de fluxos de tráfego ou para delimitar provisoriamente zonas em obras. Ela tem como principais vantagens uma elevada resistência a impactos e ocupa espaços acanhados.

Uma participação técnica especial

A Mills tem contribuiç&a
tilde;o avançada na construção da Ponte de Laguna, com soluções em formas metálicas para as diversas estruturas de concreto armado, com o emprego do sistema modular de formas metálicas SL 2000  e, principalmente, com o fornecimento de equipamentos especiais de engenharia para execução do trecho estaiado. Com esse fim, recorreu ao sistema de carros içadores de aduelas pré-moldadas.

Ricardo Gusmão, diretor comercial e de operações da Mills, informa que a empresa ls desenvolveu, em conjunto com a empresa Norueguesa Strukturas, — “nosso parceiro em tecnologia” , soluções através  dos carros de içamento de aduelas, que possuem estruturas principais em aço treliçadas. Estas trabalham apoiadas e ancoradas na aduela anterior já consolidada e conta com um sistema de guinchos de elevação em balanço  possibilitando o içamento das aduelas pré-moldadas.

Ele informa, que na fase de desenvolvimento de projeto, um dos desafios foi compatibilizar os locais de reação e apoio próximos às paredes do caixão e garantir que no içamento as deformações geradas pelo esforço no apoio e também as deformações geradas na aduela içada não tornassem esta união incompatível. ”Este trabalho foi desenvolvido em conjunto com a projetista, a Enescil, cujo diretor, Francisco Catão Ribeiro, participou ativamente, com o consórcio construtor, das reuniões que definiram os parâmetros técnicos da estrutura e do estudo de geometria e residência das peças pré-moldadas.”

Para aquele trabalho, a Mills mobilizou quatro carros içadores (dois pares) e vem executando 400 m do tabuleiro principal com aproximadamente 94 aduelas pré-moldadas e peso de 120 t por aduela.

Ricardo Gusmão esclarece: “Nossa engenharia nacional vem na última década evoluindo em uma velocidade cada vez mais rápida, tornando-se necessária a busca constante de soluções e tecnologias que anteriormente não eram empregadas no País. A procura por soluções mais racionais em insumos, mão de obra e menores agressões ao meio ambiente vem transformando nossas obras de arte especiais e necessitando de equipamentos cada vez mais específicos para executá-las. Nossa parceria com a empresa Norueguesa Strukturas visa possibilitar o desenvolvimento de soluções customizadas para cada tipo de obra, como ocorre nessa obra, a Ponte de Laguna”.


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