Discussão sobre o destino da maior floresta tropical do mundo provoca reações
antagônicas. Para uns é impossível desenvolver e preservar; para outros a
sustentabilidade é a solução para evitar a devastação
Na Amazônia brasileira está um terço das florestas tropicais do mundo. Estima-se que a floresta possua perto de 60 bilhões de m³ de madeira. Mas os recursos ali concentrados vão muito além de simples toras para corte. Na região amazônica encontra-se o maior acervo de biodiversidade do planeta, tanto em número de espécies quanto em endemismo – animais e vegetais encontrados apenas em determinado local. Um ecossistema riquíssimo, porém frágil e vulnerável. Aos poucos isso tem sido assimilado no País, com o reconhecimento internacional dos limites ambientais dos modelos de desenvolvimento até então em vigor. “A região amazônica deve ser desenvolvida, mas não no modelo predatório como ocorreu com a mata atlântica, no qual só restou cerca de7% de sua cobertura vegetal”, adverte Magno Castelo Branco, coordenador de meio ambiente da ONG Iniciativa Verde.
Para o ambientalista, a pressão para a ocupação e uso do solo na região é grande, e se o objetivo for efetivamente preservar a Amazônia não é possível ignorar a realidade atual. O entendimento das necessidades sociais e a inclusão da população local em modelos sustentáveis de desenvolvimento não devem apenas ser debatidos, mas tidos como premissas básicas para o desenho de qualquer estratégia efetiva de conservação da Amazônia. Sendo assim, “a aplicação de modelos sustentáveis de desenvolvimento da região torna-se essencial para que a floresta amazônica não tenha o mesmo destino da mata atlântica”, diz Branco.
Já Pedro Leitão, secretário geral do Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio), acha difícil manter intocadas as riquezas existentes na região e concorda que é legítima a preocupação com o desenvolvimento das comunidades locais. “A população da região precisa sobreviver, ter acesso à educação, saúde, bens materiais. Não pode ficar isolada. Mas essa integração não precisa vir por meio de projetos de desenvolvimento que agridam a natureza. Um zoneamento florestal é fundamental para controlar o que pode e o que não pode ser desenvolvido na Amazônia. Gerar riqueza não é sinônimo de destruição ambiental.”
Leandro Valle Ferreira, pesquisador da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia (Geoma), do Museu Paraense Emílio Goeldi do Pará, diz que não adianta pensar que a simples criação de cinturões verdes, formados por unidades de conservação ou terras indígenas vai limitar o uso comercial de determinada área. É preciso definir claramente onde as atividades econômicas podem ser implantadas e em que lugar aquelas ligadas à conservação são necessárias. “Isso só se dará por meio de um planejamento integrado do uso do território por meio do zoneamento ecológico-econômico”, afirma o pesquisador. Essa proposta de ordenamento territorial contempla todas as atividades possíveis de serem realizadas na Amazônia legal. Segundo Ferreira, existe, por exemplo, espaço para aumento da expansão das atividades econômicas tradicionais, como pecuária e agricultura, que já desmataram cerca de 17% da região e podem chegar até 20%, mas têm de parar por aí. Outras ações devem ser implementadas na opinião do especialista, como o aumento da preservação em Unidades de Conservação de Proteção Integral, o respeito às terras indígenas e principalmente o uso econômico florestal da Amazônia, em terras públicas e privadas. “É preciso romper com o modelo tradicional de ocupação, não se pode encarar a Amazônia como uma região a ser explorada irracionalmente. O ordenamento territorial pode ser uma solução para subsidiar as decisões de planejamento socioeconômico em bases sustentáveis”, diz Ferreira.
Já para o professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em produção agropecuária, Guilherme Leite da Silva Dias, é impossível existir produção agropecuária sem impactar a Amazônia. Na opinião do professor, o principal problema para a produção ambientalmente correta na região é a extrema pobreza dos solos da floresta. A falta de terras mais ricas torna inviável uma cultura intensiva baseada na alta produtividade em pequenos espaços, exigindo maior cobertura vegetal nativa. De acordo com Dias, o sistema produtivo deveria ser removido do ecossistema da Amazônia para outras áreas que já são cultivadas no restante do País, ampliando sua capacidade produtiva. “Para atender a demanda a produção bovina é preciso crescer 35% a cada dez anos. Continuando nesse ritmo, em 20 anos não teremos mais Amazônia”, afirmou o professor ao portal Amazônia .org.br.
“Além disso” – observa Magno Castelo Branco – “a maioria das análises que tratam de modelos de desenvolvimento na região são tendenciosas e desconsideram a questão das mudanças climáticas e da demanda global de alimentos”. Os modelos do IPCC (sigla em inglês para painel internacional de mudanças climáticas), segundo o pesquisador, prevêem uma redução na produtividade agrícola no Brasil e um aumento enorme de produtividade nas regiões mais frias do globo, como o Canadá e o norte da Rússia. Isso significa que vamos produzir menos alimentos, ao mesmo tempo em que outras regiões vão passar a produzir mais, em um cenário de 100 anos. Some-se a isso o fato de a floresta amazônica ser o motor hidrológico que alimenta o ciclo de chuvas na área do agronegócio brasileiro. Com a redução da cobertura florestal para o desenvolvimento de outras culturas, inevitavelmente o padrão de chuvas no resto do País vai mudar. “Apesar de a floresta ser vital para a manutenção do agronegócio, a região em si não é adequada para esse fim.”
O pesquisador Leandro Valle Ferreira tem uma visão um pouco diferente. Ele concorda que normalmente os solos da Amazônia são pobres, mas existe tecnologia para superar este problema. “A área desmatada na Amazônia seria suficiente para a produção de grãos e pecuária. Não se precisaria desmatar mais para produzir e ainda seria possível recuperar áreas já desmatadas. Contudo, isso só se faz com investimentos maciços de recursos para aumentar a produtividade”, explica.
Segundo a professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federa
l do Pará, Oriana Almeida, a Amazônia vem sendo ocupada por uma pecuária extensiva e de baixa produtividade. A grilagem e o processo de ocupação com a baixa produtividade são grandes equívocos na opinião de Oriana, que vê formas mais inteligentes de desenvolvimento na região. “Há uma variabilidade muito grande de processos de ocupação na Amazônia e várias experiências, como a integração entre grandes produtores ou de madeireiros com pequenos produtores. Não há uma Amazônia, existem várias e é importante se conhecer cada caso para tratar o problema de forma pontual.”
É consenso entre os especialistas que uma das atividades que mais evidenciam a devastação da Amazônia é a extração de madeira. Boa parte das perdas da floresta se deve à exploração desordenada, com grande desperdício, dos recursos da mata virgem. Entretanto, há os que acreditam na possibilidade de extrativismo vegetal acontecer de outra forma, mais sustentável. “A exploração madeireira quando feita com técnicas de manejo florestal é uma forma adequada de manter a cobertura vegetal nativa e ao mesmo tempo continua sendo uma atividade de grande rentabilidade”, revela Oriana Almeida.
“O extrativismo sustentável e a criação de selos e certificações sérias que valorizem os produtos extraídos e manufaturados de forma ambientalmente correta na região podem ser boas alternativas”, complemente Magno Castelo Branco. “O problema é que é muito mais barato desmatar ilegalmente do que produzir madeira extraída legalmente e certificada.”
Para Oriana, o fundamental é que os ciclos de corte sejam respeitados. “A atividade madeireira traz uma renda enorme para a região e como tal deveria ser praticada de forma ambientalmente responsável. Por meio dela é possível manter a cobertura vegetal, as funções ecossistêmicas e gerar renda.” Mas Oriana não deixa de destacar um problema crônico para isso acontecer na Amazônia, que é garantir o cumprimento da legislação.
De acordo com especialistas, o Brasil tem uma das melhores legislações ambientais do mundo, mas difícil de ser implementada. “A legislação para propriedades privadas é bem severa, com a reserva legal de 80%. Se a lei vigente fosse empregada haveria um enorme potencial de conservação da floresta”, afirma Oriana. A fiscalização é ineficiente e não dá conta de controlar uma região tão grande e complexa, gerando perdas irreparáveis.
“Está ocorrendo um extravio enorme do patrimônio genético causado pelo desmatamento que o governo brasileiro não tem conseguido frear”, acrescenta Branco, lembrando que várias espécies animais e vegetais têm uma distribuição bastante reduzida, mesmo dentro de um bioma enorme como a Amazônia. “O Brasil é o principal responsável pela perda desse patrimônio genético que ainda não possui valor estimado.” Outra problema é a burocracia. “Para um pesquisador brasileiro conseguir uma autorização e coletar material nas florestas é uma luta que dura meses, enquanto qualquer um que chegar lá informalmente pode retirar o que quiser à vontade”, diz Branco.
São fortes os interesses em torno da exploração dos recursos naturais da Amazônia. Para enfrentar a cobiça é necessário criar meios mais atraentes de rentabilidade do que derrubar árvore ou praticar biopirataria. “Deve-se agregar valor aos recursos naturais, de modo que a floresta valha mais viva do que no chão, oferecendo oportunidades interessantes para as populações locais, que precisam ser desenvolvidas”, sustenta Pedro Leitão, que defende o pagamento pelos serviços prestados pela floresta. “Precisamos dela, então devemos garantir economicamente sua sobrevivência, pagando por isso, inclusive às populações locais, seus melhores guardiões.” Aos poucos, vai se formando consenso na sociedade do potencial da floresta amazônica em pé: um verdadeiro banco genético, representando uma promissora fonte de exploração econômica para as indústrias de alta tecnologia, como a farmacêutica, cosméticos, alimentícia e outras.
“Experiências em comunidades locais têm demonstrado que acrescentar valor ao produto extrativista é uma estratégia importante, como a produção de sabonetes, perfumes, sandálias de borracha natural, mas isso não se faz sem planejamento e principalmente sem capacitação das comunidades”, adverte Leandro Valle Ferreira. O ecoturismo é um modelo que deu certo em outras regiões do País, como o Pantanal, e pode se encaixar na região, inclusive gerando mais renda para as populações locais. “Os modelos de atividades múltiplas podem melhorar a qualidade de vida dos povos da floresta”, acrescenta Magno Castelo Branco. Mas, segundo o coordenador da Iniciativa Verde, o sucesso dessas formas de exploração é diretamente dependente da presença de instituições fortes e comprometidas em garantir a sustentabilidade das iniciativas por meio de embasamento científico e um constante monitoramento das atividades extrativistas.