As frases e gestos que ficam para a história

Compartilhe esse conteúdo

Há alguns dias o historiador britânico Kenneth Maxwell, que vem assinando coluna na Folha de S. Paulo, escreveu sobre os “gestos que ficam”, citando o famoso sinal V, de Churchill, o simbólico beijo do marinheiro em sua companheira na Times Square, Nova York, no fim da Segunda Guerra e outro gesto, este protagonizado, em local e em circunstância impróprias, por um representante do primeiro escalão do governo Lula da Silva. A exemplo dos gestos, há as frases que ficam. A começar por uma das mais célebres, de autoria do poeta maior, Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. E há algumas colocadas para instigarem reações profissionais inesperadas. Entre elas se inclui a de Oscar Niemeyer, de teor popularesco: “Urbanismo e arquitetura não acrescentam nada. Na rua, protestando, é que a gente transforma o País”. Exatamente ele, o arquiteto que estabeleceu parâmetros para gerações de arquitetos e impôs, com o vôo de sua criatividade, a necessidade do desenvolvimento de cálculos e técnicas diferentes de engenharia para suas obras ficarem de pé. Coube a Millôr Fernandes a irônica conceituação de habitação popular: “’… é uma casa sem portas e na qual não se podem colocar janelas porque não tem paredes”. Era, na época em que foi formulada, e continua sendo até hoje, uma maneira de provocar as autoridades para um problema que secularmente desafia o poder público e que prosseguirá desafiando, até que o direito de morar, consagrado na Carta das Nações Unidas, possa ser atendido e respeitado em sua plenitude. Mas foi o Bruxo do Cosme Velho, o eterno Machado de Assis, quem definiu a natureza política brasileira, mostrando onde está a raiz da corrupção que infesta o País ao longo dos anos. Em um trecho de Esaú e Jacó, no capítulo XL – Recuerdos – há a seguinte passagem: – “Que rumor é este, Carmen?”- perguntou ele entre duas carícias. – “Não se assuste, amigo meu: é o governo que cai.” – “Mas ouço aclamações…” – – “Então é o governo que sobe. Amanhã é tempo de ir cumprimentá-lo.” Resumindo: a ocasião faz o político. Gira o mundo e Nelson Rodrigues provoca. Por que há o silêncio? Por que as manifestações não explodem? Em seu inconformismo lembra: “Antigamente o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem”. Mas nem tanto. Pelo menos no Parlamento há manifestações, embora elas fiquem invariavelmente circunscritas às quatro paredes do prédio projetado por Niemeyer. Em um momento de invectivas verbais, quando se discutia o caso da prevaricação do senador Renan Calheiros, Demósthenes Torres disse a seu colega Almeida Lima: “A ignorância de Vossa Excelência vai ao limite. E prossegue.” Com tudo isso, talvez esteja em uma frase do senador Antônio Carlos Magalhães, recentemente falecido, o conselho que deveria ser válido e colocado no pórtico de cada administração municipal, estadual ou federal: “O governante que vigiar a própria família tem 80% de chance de evitar a corrupção”. Uma frase que possivelmente faria inveja a Machiavel, sobre a arte de bem governar, foi proferida pelo presidente Lula da Silva, a título de aconselhamento ao seu ministro Guido Mantega, da Fazenda: “Em determinados cargos, a gente não diz aquilo que pensa nunca; a gente faz quando pode e, se não pode, a gente deixa como está para ver como é que fica”. Pronunciada em momento de dilaceração nacional por conta do caos aéreo, a frase pegou. E doeu.
Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário