As mulheres que conquistaram espaço e admiração na engenharia

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A homenagem da revistaO Empreiteiroa sete engenheiras, no evento500 Grandes da Construção, não se limitou àquelas que receberam o diploma honorífico. O objetivo era evocar as pioneiras e mostrar que as mulheres ampliam o espaço conquistado no setor

Nildo Carlos Oliveira

Foram sete engenheiras homenageadas: Liedi Bariani Bernucci, Suely Bacchereti Bueno, Iria Lícia Oliva Doniak, Olgarita Prado Godoy Riviera, Maria Beatriz Hopf Fernandes, Liliam Maria Torresan Valentin e Rosana Tiba. Por intermédio delas a revista quis homenagear todas as demais que estão trabalhando nos escritórios de planejamento, nas universidades ou nos canteiros de obras, nas diferentes regiões brasileiras, com um objetivo: estimular o aumento de alunas nos cursos de engenharia acenando-lhes com um futuro profissional que, embora não esteja imune a toda sorte de adversidade, como as outras profissões, é atraente e contribui para a construção de um país melhor.

Em edições anteriores — a primeira, em agosto de 2001, e a segunda, em junho de 2007 — a revista fez homenagem semelhante, na expectativa de inserir a história de cada uma das engenheiras entrevistadas, na história da engenharia brasileira.

Nas duas edições, a revista situou o terreno percorrido pelas pioneiras: Edwiges Maria Becker Hom´meil, formada em 1917 pela Escola Polythecnica do antigo Distrito Federal (RJ); Annita Dubugras, engenheira industrial que também se formou naquela escola; Iracema Brasiliense, engenheira civil pela Escola de Engenharia de Belo Horizonte, formada em 1922; Maria Ester Corrêa Ramalho, que saiu dos bancos da Polithecnica do DF em 1924 e Carmem Velasco Portinho, nascida em Corumbá (MS), formada em 1925.

Relatos históricos documentam que essas pioneiras, além de outras, cujos nomes não estão aqui enunciados, abriram caminho elaborando projetos e participando da construção de edificações para os mais diversos fins. Foi um início difícil, com a superação de muitos obstáculos, sobretudo, o conservadorismo. Mas o terreno foi sendo gradativamente conquistado e elas provaram, como vêm demonstrando até hoje, que não arredam pé do espaço ocupado.

Recentemente, num encontro com mulheres, a engenheira química Graça Foster, presidente da Petrobras, lançou o desafio: “Não aceitem limites em relação à sua vontade de produzir para você, para sua empresa e para o seu País”. O desafio foi aceito.

Como a corroborar o posicionamento de Graça Foster, o número de alunas que ingressam nos cursos de engenharia da Universidade de São Paulo e de outras escolas vem aumentando.

O número de mulheres, naquela universidade, cresceu 50% em oito anos. E, em recente turma de calouros da engenharia civil da Universidade Federal de São Carlos (SP), elas representaram 36% dos alunos. Esse aumento ajuda a compor o perfil do mercado de trabalho, pois, segundo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea), entre 2005 e 2012, o número de mulheres ali credenciadas para o exercício profissional registrou um aumento de 142%.

As homenageadas

Receberam a homenagem, expressa num diploma honorífico cunhado em nome do patrono, o professor e engenheiro Flavio Miguez de Mello as engenheiras:

• Liedi Bariani Bernucci.Mestre em engenharia geotécnica pela Universidade de São Paulo e chefe do Departamento de Engenharia de Transporte da Escola Politécnica da USP, cargo que ocupa pela quarta vez. Atua na área de infraestrutura de transportes: vias urbanas, rodovias, aeroportos e ferrovias. É autora, juntamente com Laura M. G. Motta, Jorge A. P. Ceratti e Jorge B. Soares, do livroPavimentação asfáltica: formação básica para engenheiros. Tem mais de 150 trabalhos publicados e vem coordenando projetos de pesquisa financiados por órgãos de fomento, agências e empresas públicas e privadas.

Ela encara com naturalidade as condições da profissão que abraçou e acha que os engenheiros já absorveram a ideia de compartilhar negócios, reuniões, funções e responsabilidade com as mulheres engenheiras. “No meu caso, vejo que venci barreiras e não encontro qualquer restrição. Ao contrário, privo do respeito dos meus colegas, docentes e dos demais profissionais da engenharia”.

• Suely Bacchereti Bueno.Formada em engenharia civil pela Escola Politécnica da USP, iniciou-se profissionalmente na área de estrutura, em 1973, trabalhando no escritório Roberto Rossi Zuccolo, onde atuava na área de edificações e obras de arte. Em 1980 passou a integrar o quadro de engenheiros do Escritório Técnico Júlio Kassoy e Mário Franco do qual se tornou sócia a partir de 1986. Vem elaborando projetos de edifícios altos e obras especiais. Atualmente divide seu tempo com as responsabilidades da presidência da Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece).

A exemplo da professora Liedi, a engenheira Suely Bueno diz que também nunca encontrou quaisquer restrições, no mercado de trabalho, pelo fato de ser mulher. “Talvez isso haja acontecido, mas por conta de minha idade, pois ingressei muito jovem nessa profissão”. Logo, no entanto, demonstrou qualidade e absoluta aptidão pela carreira. Tanto é que são muitas as obras importantes de que já participou e vem participando como engenheira calculista. Ela cita os exemplos do Centro Empresarial Nações Unidas, na Marginal Pinheiros (SP), a Torre Almirante, no Rio de Janeiro, e outros conjuntos de edifícios de grande altura.

• Iria Lícia Oliva Doniak.Graduada pela PUC/Paraná é atualmente presidente executiva da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (Abcic) e diretora de cursos do Instituto Brasileiro de Concreto (Ibracon). Ela vem trabalhando no segmento do concreto desde 1986, quando ainda era estudante. “Naquela época frequentava e desenvolvia atividades no laboratório de controle tecnológico”, informa.

Posteriormente, depois de formada e dedicar-se por inteiro aos estudos do concreto usinado e à indústria de materiais (Votorantim Cimentos), ela tornou-se consultora na indústria do concreto pré-moldado. Paralelamente, foi auditora da ISO 9000 e do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-h) pelo Bureau Veritas Quality International (BVQI), quando auditou construtoras e obras para ambos os programas, por todo o País, de 1999 a 2007.

“Hoje, executiva da Abcic”, diz a engenheira, “represento o segmento de estruturas pré-fabricadas, atuação que compreende do contexto técnico ao p
olítico. E tenho tido a oportunidade de aplicar o conhecimento e experiência adquiridos, ao longo dos 20 primeiros anos na engenharia do concreto, em favor do desenvolvimento da indústria da construção”.

Ela diz que uma das atividades de grande importância tem sido a participação em várias comissões de estudos para o aprimoramento das normas técnicas na Associação Brasileiras de Normas Técnicas (ABNT). E vem participando também da elaboração de um capítulo do livroConcreto: Ciência e Tecnologia, do Ibracon.

• Olgarita Prado Godoy Riviera.É diretora de Desenvolvimento de Novos Negócios da Tomé Engenharia. Engenheira experiente, já abriu novas opções de mercado em todas as empresas de engenharia em que atuou (Santa Bárbara Engenharia, Construcap, Constran, DM Construtora, Hochtief do Brasil e Construtora Lix da Cunha). Fez pós-graduação em sistemas de potência na USP e cursos de extensão universitária no Instituto Mauá de Engenharia.

Ela conta que um dos acontecimentos mais inusitados em sua carreira de engenheira, que derivou para o campo executivo, aconteceu em Estrasburgo, Alemanha. Ela vestia um conjunto vermelho e deu-se conta, na ampla sala de reunião, de que era a única mulher diante de 41 executivos, todos formalmente de preto, representando diversos países. No silêncio geral da sala de reuniões, ela começou a defender conceitos para a modernização da empresa em que trabalhava, a Hochtief. Disse que sua visão era a de uma empresa ágil, capaz de romper com o conservadorismo, a fim de garantir mercados já dominados e buscar novas opções de crescimento. O encontro, pelo inusitado, teve ampla repercussão.

• Maria Beatriz Hopf Fernandes.Formada pela Universidade Mackenzie em 1969, esta engenheira civil já dirigiu e coordenou projetos de grande porte em todas as áreas da Engenharia. Atualmente é presidente da Empresa Brasileira de Engenharia de Infraestrutura (EBEI). Ela já desenvolveu atividades didáticas. Foi professora-adjunta das cadeiras de Estruturas de Concreto I e II na Escola de Engenharia da universidade em que se formou e deu aulas na cadeira de Concreto Armado na Faculdade de Arquitetura daquela escola. Além disso, ao longo de oito anos foi presidente da Enerconsul S. A., empresa da holding internacional Arcadis. Atuou também durante 24 anos na Hidrobrasileiro, inclusive, em cargos de direção. Participou de mais de 300 projetos na área da infraestrutura.

Ela conta que jamais encontrou restrições no mercado competitivo da engenharia. “Em minha opinião”, diz, “o que cerceia a ascendência da mulher, seja na engenharia ou em qualquer outra atividade, ainda é a falta de uma infraestrutura eficiente que nos ajude a manter a casa, filhos etc. Parar de trabalhar até os filhos ficarem grandinhos acaba com qualquer carreira e isso é prejudicial tanto para a mulher, em sua profissão, quanto para o próprio País. Isso já não acontece nas nações desenvolvidas.”

• Liliam Maria Torresan Valentin.Engenheira química, formada pela Universidade Federal de São Carlos em 1981, registra mais de 25 anos de experiência em gerenciamento de projetos e desenvolvimento de negócios em empreendimentos nos segmentos de Óleo e Gás, Química e Petroquímica, Mineração e Metais e Papel e Celulose. É diretora de Engenharia da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e diretora de projetos da empresa CFPS Engenharia e Projetos. Sua carreira profissional inclui empresas como a Setal Engenharia, Uhde Engenhria, Camargo Corrêa, Progen, CNEC, CH2M Hill Engenharia e, hoje, a CFPS.

Mas por que uma engenheira química, com uma notável formação nesse segmento, derivou para a área de projetos? Esta a indagação. Ela responde:

“Acho que o engenheiro químico é uma espécie de `engenheiro global´. Por possuir uma sólida formação em mecânica dos fluidos, transferência de calor e massa, termodinâmica, cinética química e matemática, e também por sua interação com processos e aplicações químicas, ele está apto a desenvolver projetos tanto em termos de processo quanto de produto.

Foram esses conhecimentos técnicos que me levaram a trocar, no começo de minhas atividades como engenheira, a carreira seguramente recompensadora financeiramente em áreas de produção, pela área de projetos, fato que na época era considerado por muitos um verdadeiro suicídio profissional, em função da grande dependência externa que a área possuía.

Passar a ser apaixonada pela área de projetos ocorreu muito rapidamente, na medida em que eu percebia que a verdadeira arte da engenharia estava em fazer um projeto bem concebido e ver a fábrica funcionando de acordo com as especificações. Desenvolver soluções diferenciadas, otimizar recursos, gerar bons resultados econômico-financeiros para meus clientes, tornou-se, nesses últimos 25 anos de vida profissional, meu maior desafio e tem me dado muito prazer de fazê-lo”.

• Rosana Tiba.Engenheira civil, com especialização em gerenciamento de projetos e sólidos conhecimentos na elaboração de laudos técnicos de avaliação estrutural de obras civis. Pertence ao quadro do Grupo Concremat. Dirige a Divisão de Manutenção de estruturas civis, equipamentos mecânicos e instalações industriais.

Ela informa que iniciou sua carreira profissional, como estagiária, há 25 anos. “Desde aquele tempo”, diz, “nunca tive dificuldades para me posicionar no mercado, embora, à época, fosse pequena a quantidade de mulheres que faziam engenharia. A Concremat me acolheu superbem, nunca fez distinção, não me poupava pelo fato de ser mulher e, com isso, nunca me senti numa condição diferenciada.”

Ela diz que “assumir novos desafios, iniciar um novo projeto ou serviço, às vezes buscando uma tecnologia diferenciada, uma forma nova de fazer alguma coisa que não necessariamente seja nova, é gratificante”. E acredita que contribuir para o crescimento do País também é uma importante missão que lhe atrai, sobretudo por saber que contribui para essa finalidade.

Opção pela carreira acadêmica

A homenagem é extensiva a outras engenheiras, dentre as quais a arquiteta (formada pela UFMG) e engenheira civil (formada pela UFSC) Roberta Vieira Gonçalves de Souza, que reside e trabalha em Belo Horizonte e que se tem destacado em projetos de ilumina
ção natural e eficiência energética em edificações. É coordenadora do mestrado em ambiente construído e patrimônio sustentável e foi responsável pela consultoria que culminou com a certificação do novo edifício da Federação das Indústrias de Minas Gerais, que obteve o selo Procel Edifica. Tem mantido proveitoso diálogo com a cadeia produtiva da construção e com o Sinduscon-MG.

De certa forma, a sua posição sobre o trabalho da mulher engenheira se identifica com o pensamento da engenheira Maria Beatriz Hopf Fernandes. Ela diz que, no Brasil, a dificuldade maior, para a engenheira — assim como para as demais categorias de trabalhadoras — ainda é a flexibilização dos horários de trabalho, em razão da maternidade. “Alguns países, como a Espanha, possuem sistema mais flexível, e nem por isso diminuem a contribuição da mulher no mercado de trabalho”.

E, sobre a sua opção pela carreira acadêmica, afirma: “Ela permite ao profissional a liberdade de atuar na sua área de maior interesse, de estar sempre atualizado e de trabalhar com a transmissão do conhecimento, o que é extremamente gratificante. Esse, o motivo”.

O começo, no polo de Camaçari

Outra engenheira que tem sido exemplo de atuação pelos trabalhos realizados Everalnice Mascarenhas, da gerência de contratos da Genpro Engenharia, de Salvador-BA. Graduada em engenharia química pela UFBA, acumula experiências em organizações dos segmentos de engenharia industrial, petroquímica, petróleo, óleo e gás e celulose.

Ela conta que desde adolescente encantou-se pela área de exatas e que o pai a estimulou a estudar engenharia. Quando concluiu o curso de engenharia química, há 35 anos, o polo petroquímico de Camaçari estava em fase de implantação. Admitia profissionais da engenharia com uma ressalva: desde que fosse engenheiro. Esse obstáculo, que ela considerou inaceitável, ativou-lhe o espírito de luta. E, com a ajuda de seus professores, ela conseguiu o primeiro emprego no ramo petroquímico. Foi uma das primeiras mulheres a trabalhar de turno. Acabou aceita pelos líderes, pares e colaboradores. O reconhecimento venceu.

Ela acha que hoje mudanças aconteceram, mas que a luta da mulher, pela manutenção e conquista de espaço na engenharia, precisa continuar. E não pode ter limites.

Mais engenheiras

Há mais engenheiras e mais histórias dessas heroínas no mercado de trabalho: Clara Steinberg, que ainda aos 83 anos dava expediente na empresa Servenco, construtora carioca fundada por ela e o marido, Jacob, recentemente falecido; Olga Simbalista, que fez carreira no segmento da energia nuclear; Maria Apparecida de Azevedo Noronha, que desenvolveu suas atividades dedicando-se à tecnologia do concreto, falecida em 2008 em Ribeirão Preto (SP); e Norma Gebran Pereira, que foi presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), falecida em julho do ano passado.

São apenas alguns nomes, dentre outros de igual importância. Personagens que superam limites para fazer história.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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