Belo Monte: Contra e a favor

Compartilhe esse conteúdo

População está dividida, mas muitos, como os índios,
já enxergam benefícios com a construção de Belo Monte

As opiniões dividem-se entre ribeirinhos e moradores deverão que ser remanejados por conta da construção da hidrelétrica de Belo Monte. A maioria parece estar contra a realização da obra, mas não por questões ambientais, e sim porque não quer sair de suas casas. Já outros, com pouca ou quase nenhuma instrução escolar, preferem aceitar as condições, embora desejem permanecer morando na beira do rio Xingu, seja em que parte for. Mas, todos reclamam da falta de informação sobre o local para onde serão remanejados.

Maria das Graças Pereira Mota mora desde que nasceu na orla do rio Xingu, em Altamira, a 740 km de Belém. Em uma palafita de madeira, mora com o companheiro. "Não sou nem contra nem a favor. Só quero poder morar na beira de um rio porque já moro assim a vida toda e gosto dessa vida, o clima é mais ameno, é o meu canto", diz. "Só acho ruim é não falarem para onde vão nos levar", desabafa, angustiada.

No dia 22 de junho deste ano, moradores de áreas que poderão ser alagadas com a construção da barragem juntaram-se aos professores de Altamira, e fecharam a rodovia Transamazônica em protesto contra Belo Monte. Os manifestantes queriam chamar a atenção da sociedade e da imprensa, que estava no local para a visita, no dia seguinte, do presidente Lula da Silva. No meio dos manifestantes, estava Lucimar Barros da Silva, que mora na comunidade "Divino Pai Eterno", uma das que será atingida pelo lago da barragem. "Somos mais de 20 mil famílias na localidade de ‘Volta Grande’. Vão destruir tudo que a gente construiu", afirma, referindo-se à plantação de mais de 10 mil pés de cacau que sua família possui no local. Segundo ele, a Eletronorte fala que existem 12 mil famílias na área e que todos serão indenizados. "A gente acredita que o dinheiro que será pago não compensará, porque essa é uma área muito fértil e que a gente lutou para ter e que já trabalha lá há muito tempo", ressalta.

Raimundo Gomes das Chagas mora desde que nasceu na beira do rio Xingu. Em uma casa humilde, de madeira e sem paredes, ao ar livre, ele mora com a mulher, Maria Neuza de Lima, com quem teve nove filhos. Ele diz que é contra a usina. "Acho que essa obra só será boa para quem é sabido. Para mim, que só sei do cabo da enxada, da foice e do machado, não será", fala. Analfabeto, ele tirou a carteira de identidade recentemente. "Só aprendi a trabalhar e ensinei meus filhos assim também. Mas, aqui, tenho tudo. Pesco peixe, planto feijão, mandioca, faço farinha. Só compro mesmo o café e o açúcar", conta. "Nem sei para onde vão nos levar, nunca nos disseram. Mas eu gosto de morar é aqui, gosto da liberdade desse lugar e não quero sair daqui", acrescenta o ribeirinho, que não tem luz elétrica em sua casinha. "E tenho certeza que mesmo depois da construção da hidrelétrica, nós continuaremos sem energia, porque ela é só para os ricos".

Sebastião Bandeira da Silva também é ribeirinho e mora próximo de um dos canais do rio Xingu que será alargado. Com malária pela quinta vez, ele, que mora com outras 19 pessoas em uma casa, diz que sua vida é simples, vivendo do que plantam. "Por isso, tenho medo de sair e de não ter a mesma vida que tenho hoje, até porque nunca nos disseram para onde vão nos mandar", explica. Ele diz que não é contra a obra. "Tem muitas coisas que falam, que a gente nem sabe o que pensar. Só não queria sair daqui".

Progresso à vista

Em Altamira, os empresários não só apóiam a construção de Belo Monte como estão confiantes de que a obra levará desenvolvimento ao município e ao Estado. Os argumentos são vários e vão desde a geração de emprego e renda até à melhoria da qualidade de vida da população. O fazendeiro José Carlos Rosa Dias, conhecido em Altamira como "Zé Durão", conta que possui uma fazenda desde 1984 no km 27 da Transamazônica. A área será atingida pela obra e ele terá que sair do local. Mas, conta que não se incomoda. "O canal ‘Di Maria’, que é um dos que será alargado, passará dentro da minha fazenda e sei que terei que sair de lá, mas sei que essa obra é importante para o País e estou disposto a colaborar", diz.

A fazenda de "Zé Durão" possui um total de 94 ha, sendo 10 deles com plantio de cacau e três com café. "Vejo que a solução para nosso País crescer é ter energia elétrica limpa e sem tantos impactos ambientais. Ainda não sei para onde irei, mas poderei trabalhar em outra área", afirma, acrescentando confiante "que essa obra acabará com as casas de palafitas que tem na beira dos rios e o município oferecerá melhores condições de vida à população".

O mineiro Lucílio de Moraes Filho, dono de uma papelaria em Altamira, também acredita no desenvolvimento que a obra trará. "Hoje, não há saneamento básico, o déficit habitacional é de cerca de 6 mil habitações e com a construção da hidrelétrica poderemos cobrar melhorias para nosso povo", declara, referindo-se às medidas mitigadoras e compensatórias previstas no projeto. Para ele, a geração de emprego é o grande atrativo, pois há cerca de 15 mil desempregados cadastrados. "Aqui não temos indústria e há muita mão-de-obra desqualificada. O projeto prevê a realização de cursos de capacitação profissional, o que será muito bom para todos, porque além de gerar mais emprego, fará com que aumente a circulação de renda", destaca.

Marcelo Zanella é outro entusiasmado com a construção de Belo Monte. Empresário do ramo da construção civil, acredita que haverá melhorias para todos. "Essa obra está atrelada a outra que também é muito importante, que é o asfaltamento da Transamazônica. Isso é muito bom, porque possibilitará melhor circulação de mercadorias, o que será preciso quando a obra estiver sendo executada", destaca. "Acreditamos muito nesse projeto. Agora, ele tem que vir junto com desenvolvimento sustentável e pelo que estou vendo o governo quer que a obra sirva de modelo para o País".

Reconhecimento no exterior

A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte não é aprovada apenas pelos empresários e comerciantes de Altamira. O presidente da Comissão de Energia da Federação das Indústr

ias do Estado do Pará (Fiepa) e do Centro das Indústrias do Estado do Pará (CIP), José Maria da Costa Mendonça, diz que o setor industrial paraense não tem dúvidas dos benefícios que a obra trará ao Estado. "O Brasil possui uma necessidade de energia limpa e renovável e é isso que essa hidrelétrica produzirá. É claro que a agressão ambiental sempre existirá, mas a mitigação prevista no projeto é altamente positiva", defende.

Engenheiro civil de formação, Mendonça diz que tem estudado a fundo o projeto de Belo Monte, revelando que recentemente esteve na China e constatou que a aceitação do projeto é muito grande lá fora. "Todos reconhecem Belo Monte como uma obra de grande desenvolvimento e com característica sustentável de destaque", afirma. "Os estudos de impacto ambiental definem claramente as medidas mitigadoras e compensatórias que serão adotadas e se tudo for feito como está no projeto, os impactos serão mínimos e os benefícios para o Estado e o País incalculáveis", ressalta.

A previsão da Fiepa é de que mais de 17 mil empregos diretos sejam gerados só no período de construção da hidrelétrica. O número de empregos indiretos será bem maior. "Só quem não conhece o projeto, quem não o estudou, é contra, porque quem parar um pouquinho para analisá-lo, verá que se trata de um projeto bom para todos e que já vem sendo negociado há décadas. Apoiamos e acreditamos no projeto de Belo Monte", conclui.

Índios ficam a favor

Os povos indígenas que possuem representação em Altamira apoiam a construção da hidrelétrica, mas reivindicam junto ao governo federal ações e políticas que garantam melhores condições de vida aos indígenas da região. Ireprin Kayapó, líder da aldeia Kararauã, é a maior liderança indígena da área, representando 18 aldeias de nove etnias. Ele diz que o movimento de resistência à obra acabou. "Estamos cansados de resistir. Resolvemos aceitar, mas queremos melhores condições de assistência à saúde e qualidade na educação", diz.

"Todos são a favor de Belo Monte. Só duas aldeias, uma dos Arara e outra Juruna se manifestaram contrárias, e mesmo assim, apenas parte dos integrantes da aldeia, não a maioria, o que é uma mostra muito pequena diante das demais 18 aldeias", conta o líder indígena, que diz ter recebido críticas por ter entrado em acordo com o governo. "Em 1989, quando começamos as discussões sobre a construção, éramos contrários. Participamos de várias reuniões e decidimos que somos poucos e que não temos força e condições de brigar", revela. Em suas reivindicações, eles querem que sejam concluídos os estudos no rio Bacajá "para que a Eletronorte faça as medidas de compensação, que nos permitam continuar navegando e pescando por lá, sem passar por dificuldades, porque não queremos que nossas vidas sejam atingidas pela obra", explica Ireprin Kayapó.

"Um marco para usinas na Amazônia"

Responsável pela concessão da Licença Prévia – que indicou a viabilidade ambiental de Belo Monte -, o Ibama condiciona a obra a ações que deverão prevenir, mitigar ou compensar os impactos. "O instituto espera que a construção de Belo Monte se torne um marco na gestão ambiental de usinas hidrelétricas na Amazônia, demonstrando que é possível uma obra deste porte ser sustentável para a região", diz Pedro Alberto Bignelli, diretor de Licenciamento do Ibama, ao falar à Revista O Empreiteiro. Leia a seguir trechos da entrevista

O Empreiteiro – O Ibama acredita que os estudos de impacto ambientais realizados até o momento serão suficientes para assegurar a construção da hidrelétrica?

P.A.B. – Primeiramente, é importante situar que a licença ambiental fornecida pela Ibama se constitui de uma Licença Prévia (LP), que indica a viabilidade ambiental da obra, entretanto não autoriza ainda a construção. As obras são autorizadas após a emissão de uma Licença de Instalação (LI).

O Empreiteiro – Quais medidas mitigadoras e compensatórias estão sendo planejadas para minimizar os impactos ambientais?

P.A. B.- As medidas que estão contempladas na Licença Prévia são inúmeras. Podemos destacar as ações antecipatórias, na qual o responsável pela construção deverá garantir, antes do início das obras, condições de infraestrutura mínima para a população residente na área da usina e também uma projeção de crescimento populacional decorrente da migração da mão de obra atraída pelo empreendimento. Tais ações são basicamente a promoção de saneamento ambiental, melhorias na condição de moradia, educação e saúde pública. Estão incluídas ações ambientais de conservação, como programas de conservação de tartarugas da Amazônia, de peixes e de espécies de fauna terrestre, e vários direcionados às comunidades ribeirinhas, sejam elas indígenas ou não.
O Empreiteiro – O Ibama assegura que Belo Monte não trará prejuízos ambientais para a Região Amazônica?

P.A.B. – O instituto espera que a construção de Belo Monte se torne um marco na gestão ambiental de usinas hidrelétricas na Amazônia, demonstrando que é possível uma obra deste porte ser sustentável para a região.

Novos estudos reduzem impacto ambiental de Belo Monte

Desde 1975, quando a Eletronorte contratou o inventário da bacia do rio Xingu, prevendo a construção de uma usina hidrelétrica, até a realização do leilão do agora Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, no primeiro semestre de 2010, foram cuidadosos os estudos efetuados para o formato final ao projeto. Entretanto, após a divulgação do consórcio vencedor, surgiu a informação de que se fizeram novos estudos, necessários para recomendar a redução de custos com concretagem e equipamentos, como opções técnicas por apenas um canal, em vez de dois, a restrição no número de turbinas, de 20 para 18, e a diminuição de tamanho e possível mudança do local indicado para a casa de força principal.

Belo Monte terá capacidade instalada de 11.233,1 MW, operando a fio d´água, com reservatório de 516 km2, sendo que 228 km2 referem-se ao próprio rio. Anteriormente, essa área era de 1.225 km2. Dos 516 km2 da área de inundação, 134 km2 estarão situados na área que rec

ebeu o nome de Reservatório dos Canais e que estará ligada ao próprio rio pelos canais.

A operação será interligada ao Sistema Integrado Nacional (SIN) e fornecerá energia para as regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Deste modo, participará da troca de energia entre as regiões brasileiras que têm períodos de chuvas diferenciados.

A Eletronorte garante que com essa formatação não haverá inundação de terras indígenas e nenhum outro empreendimento gerador de energia será construído no rio Xingu. De acordo com o projeto de engenharia, haverá obras nas localidades denominadas Pimental, em Vitória do Xingu e Altamira; Bela Vista e Belo Monte, em Vitória do Xingu; e na região dos canais e diques, também em Vitória do Xingu.

A barragem principal estará localizada no rio Xingu, 40 km rio abaixo do município de Altamira, no sítio Pimental, e a partir dela será criado o Reservatório do Xingu. A água ali armazenada será desviada pelos canais para o Reservatório dos Canais, situado a 50 km de Altamira por estrada de terra.A criação dos reservatórios irá inundar terras de Vitória do Xingu (48%), Altamira (52%) e Brasil Novo (0,1%).

A casa de força principal será erguida na localidade Belo Monte e terá potência instalada de 11 mil MW. O vertedouro principal e a casa de força complementar, executados junto à barragem de Pimental, terá 233,1 MW de potência, considerada suficiente para atender 750 mil pessoas, o que equivale a metade da população da capital paraense. No sítio Bela Vista ficará o vertedouro complementar que controla o nível do reservatório.

O trecho de vazão reduzida do rio Xingu terá 100 km de extensão e estará localizado entre a barragem em Pimental e a casa de força principal. Este trecho ficará sujeito aos efeitos do desvio da água para o Reservatório dos Canais. Com a finalidade de garantir a navegação nos períodos de secas e a vida aquática, foi idealizado um hidrograma ecológico desse trecho. Sobre essa solução, Luiz Fernando Rufato, superintendente de Expansão de Geração, afirma "Esse rio já teve cheia de 32 mil m3/s de água e seca de 440 m3. Prevemos a realização de um controle de vazões em que vamos perder energia firme, cerca de 7%, mas respeitaremos o ecossistema e as questões sociais. É um compromisso do empreendimento".

As previsões indicam que o Aproveitamento Hidrelétricode Belo Monte demandará dez anos para ser construído e operar a plena carga. Os primeiros cinco anos serão destinados à obra física e, os demais, à montagem e funcionamento, com a geração de energia nas duas casas de força.

Bilhete premiado da Loteria

Melhoria das condições de vida é o que a população do entorno
espera com construção de Belo Monte

"Aexploração do potencial energético da Amazônia não colocará em risco as riquezas naturais do Brasil".A afirmação é de Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, ao participar de audiência pública sobre os impactos da construção da hidrelétrica de Belo Monte, na região do Rio Xingu (PA), no final do último mês de junho. De acordo com ele, a construção é fundamental parao País, que precisa acrescentar 3.300 mW médios de energia a cada ano, caso queira viabilizar um crescimento econômico futuro em torno de 5%.

Orçada em R$ 19 bilhões e prevista desde 1975, a obra é motivo de polêmica entre autoridades e ambientalistas contrários ao empreendimento. Tolmasquim reconhece a sensibilidade do bioma amazônico, o que torna natural a preocupação dos ambientalistas. Lembra que 40% da região está ocupada por reservas indígenas e áreas de preservação, e que Belo Monte foi planejada para ocupar apenas 0,5% desse bioma.

Na sua visão, existe espaço para o aumento da eficiência energética no Brasil, como defendem alguns ambientalistas, mas essa medida não seria suficiente para garantir o crescimento, tendo em vista que parte da população está ascendendo socialmente e começa a consumir mais. "E eles têm direito de fazê-lo".A modernização de usinas com mais de 20 anos também não livraria o Brasil de novas hidrelétricas, uma vez que essas modificações seriam insuficientes para garantir o acréscimo anual de 3.300 mW médios de energia. Outras fontes alternativas, como a energia eólica, poderiam apenas complementar o padrão atual, mas não substituir a matriz energética.

O presidente da EPE também rebate criticas de que tenha havido precipitação do governo na construção de Belo Monte, pois os estudos são desenvolvidos há mais de 30 anos e houve aperfeiçoamento do projeto nesse período. "A concepção original previa a construção de seis usinas, com a geração de 9.599 mW médios e inundação de uma área de 18.300 km2. A previsão atual é a de que o lago da usina ocupe um pouco mais de 400 km2", destaca.

Além disso, as otimizações que estão sendo idealizadas pelo consórcio Norte Energia, vencedor do leilão para construção do empreendimento, caminham no sentido de reduzir não só os custos do investimento, mas também o impacto ambiental redução do número de canais de derivação de dois para um e do número de turbinas de 20 para 18, além do deslocamento dos vertedouros da casa de força principal para a secundária, conforme declarações de José Ailton de Lima, presidente do consórcio.

Entre 2007 e 2009, foram realizadas 12 consultas públicas; dez oficinas com a comunidade que vive na área do empreendimento; fóruns técnicos em Belém e no Xingu; visitas a mais de 4 mil famílias; quatro audiências públicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com mais de 6 mil pessoas; e 30 reuniões da Fundação Nacional do Índio (Funai) em aldeias com a participação de funcionários da Eletronorte.

Tolmasquim considera que a usina de Belo Monte levará progresso e desenvolvimento à região de Altamira (PA) e municípios vizinhos, com a geração de aproximadamente 18 mil empregos diretos e a melhoria das condições de vida de 4.500 famílias que residem em palafitas. A região também receberá uma compensação financeira anual de R$ 88 milhões.

"A região ganhou um bilhete premiado da loteria. Os municípios receberão em cinco anos o que todo o Pará deverá gastar em 20 anos. [A usina] vai transform

ar a realidade complicada da região, que não tem saneamento básico", disse.

Ele garante que a usina não terá impacto direto sobre nenhuma terra indígena, mas que haverá impacto indireto, embora não esteja prevista remoção de seus habitantes. Reconhece, no entanto, que haverá mudança de vazão na área da Volta Grande do Xingu, mas explica que o hidrograma proposto pelo estudo de impacto ambiental da obra garante as condições adequadas para a manutenção dos modos de vida das tribos Juruna e Arara.

Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário