Mais receita, gasto maior, menos investimento e o desabafo do Raí

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Maior arrecadação deve significar, teoricamente, maior controle e até redução das despesas para melhorar a qualidade dos investimentos em obras e serviços. Certo? Errado. Aqui, tal equação está subvertida. Fica assim: maior arrecadação + dispêndio – investimentos

Nildo Carlos Oliveira

 

Foi boa a arrecadação do governo federal no exercício passado. Embora ele estivesse na expectativa até de uma meta mais elevada, o fato é que se chegou a um recorde, se avaliadas as arrecadações de anos anteriores (em 2012, R$ 1 trilhão, e em 2011, R$ 969,9 bilhões). A soma de impostos, taxas e contribuições resultou no volume de R$ 1,138 trilhão ao longo de 2013, com aumento de 4,08% acima da inflação oficial, considerando-se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
 

Os dados oficiais demonstram que somente em dezembro último arrecadaram-se R$ 118,36 bilhões, volume apontado como o maior de igual mês, ao longo dos anos. Ficou abaixo apenas do volume arrecadado em janeiro de 2013, quando os cofres federais receberam R$ 121,878 bilhões em valores corrigidos pelo IPC.

O governo conseguiu tais resultados estimulando os parcelamentos especiais (a exemplo do que fez com o Refis da Crise) e impulsionando o crescimento da arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). E contou com a lucratividade das empresas, embora o desempenho da indústria não tenha sido satisfatório. Se, de um lado, a arrecadação foi boa, de outro o governo deixou de arrecadar R$ 77,8 bilhões por conta das medidas de alívio fiscal.

Historicamente, os recursos obtidos com os contribuintes não param de aumentar nos cofres federais. E muito se poderia fazer com tal soma de dinheiro, nas contrapartidas para a melhoria da logística, mobilidade urbana, energia, saúde, habitação, segurança pública e outras providências cotidianamente reivindicadas.

O que se tem verificado, no entanto, é a manutenção de uma lógica às avessas. Quanto mais se arrecada, mais aumenta o dispêndio e mais se deixa de investir, sobretudo em infraestrutura. Tanto é que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que o volume de R$ 25 bilhões empregados em 2012, nos modais rodovias, aeroportos, ferrovias e portos, representou apenas 0,6% do PIB. Trata-se de percentual muito inferior à média dos recursos aplicados por outros países classificados como “emergentes”.

As justificativas para a má qualidade dos investimentos costumam ser invariavelmente as mesmas; falta de aprimoramentos da lei de licitações; projetos elaborados a toque de caixa; contratos redigidos em cima da perna; desapropriações altamente judicializadas; demora nas licenças ambientais e outros problemas de natureza igual ou assemelhada.

Assim, o déficit de moradia continua elevado; as carências de equipamentos para a saúde se agravam; as soluções para a mobilidade urbana continuam a ser meros paliativos (veja-se o exemplo das faixas exclusivas de ônibus em São Paulo); o saneamento continua a ser uma tragédia a céu aberto no mar, lagoas, córregos e rios; o transporte ferroviário tem ficado fora dos trilhos e o transporte rodoviário tropeça nas estradas malconservadas e/ou sem pavimentação, confluindo para acessos portuários precários. Embora a Copa esteja batendo à porta, alguns dos aeroportos das cidades-sede ainda não passam de canteiros de obras. Enquanto isso, o dispêndio aumenta continuamente. Os altos salários estão engordando nas três instâncias do governo e as viagens oficiais se tornam vilegiaturas.

Nesse cenário compreende-se o desabafo do ex-jogador de futebol Raí. Em entrevista ao caderno de Esportes da Folha de S.Paulo, não escolheu palavras para dizer que o governo brasileiro deveria espelhar-se no exemplo do governo britânico, que cuidou da realização da Olimpíada em Londres, no ano passado. Segundo Raí, o governo inglês foi a todos os meios de comunicação para dar conta, minuciosamente, dos custos com as obras e serviços necessários à realização daquele evento. No Brasil, não tem havido transparência na apresentação dos custos e nada foi discutido com a sociedade brasileira sobre isso. Além do que, não se está aproveitando a oportunidade para a organização e, nem sequer, a construção de uma política esportiva.

Raí diz que o País gastará, com o Mundial, muito mais dinheiro público do que se imagina. Mas tudo bem. O evento acabará contribuindo para mostrar “o verdadeiro Brasil para o mundo e para nós também”.

O desabafo do ex-craque é natural em um País que arrecada bem, gasta mal e não investe o suficiente para dar segurança e atender aos demais reclamos de sua população. O governo age como se já tivesse apagado da memória a mensagem dos grandes protestos de junho do ano passado. Os protestos recentes, contra a realização da Copa do Mundo, são um novo alerta sobre a falta de soluções eficazes para a infraestrutura obsoleta, em especial nas grandes cidades brasileiras, vulneráveis. Haja vista o que aconteceu em São Paulo (SP), com as enchentes recentes. Diversas áreas ficaram submersas enquanto a prefeitura e o estado batem boca sobre a Cracolândia.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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