Favorecida pela não emissão de gases de efeito estufa,
a energia nuclear volta a ser uma opção válida, mas a construção das novas usinas ainda não consegue cumprir os orçamentos e prazos
As usinas nucleares sempre tiveram essa fama – custar muito mais do que o previsto no orçamento inicial e não ficar prontas dentro do cronograma. O histórico das usinas construídas mostra essa maldição. Mas, a mais nova usina nuclear do mundo, em obras na Finlândia, de tecnologia francesa, prova que essa herança permanece. Já estourou o seu orçamento para desgosto das autoridades finlandesas e provoca polêmica na opinião pública.
A imagem da energia nuclear teve uma reviravolta dramática. Antes associada à guerra nuclear e às duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki , quase ao final da II Guerra Mundial, ela ganhou um novo adepto da estatura de um dos fundadores do movimento Greenpeace – Patrick Moore. E existe ainda o fator econômico – uma conceituada instituição industrial americana, a Electric Power Research Institute, estima o custo da energia nuclear em 6,5 centavos de dólar o kW, praticamente ao nível do custo da energia térmica gerada a carvão de 5 centavos/kW, se esta fosse taxada por conta da emissão de carbono.
Esta competitividade econômica seria alcançada, segundo o instituto, caso as usinas de energia nuclear fossem montadas com componentes produzidos em escala industrial, ao invés de serem projetadas, fabricadas e instaladas como modelos individuais e únicos, que não se repetem. Esta nova geração de usinas ainda incorporaria o conceito de segurança passiva, desligando-se o reator nuclear automaticamente em situações de risco, independente de ação humana, isto é, do operador na sala de controle.
Os maiores fabricantes de reatores nucleares de energia no mundo incorporaram esta característica nos modelos produzidos atualmente. Somente nos EUA há planos para se instalar 14 reatores AP1000 Westinghouse, hoje controlada pela Toshiba japonesa, seis reatores simplificados de água fervente da GE, duas unidades do modelo avançado a água fervente e sete reatores pressurizados da Areva francesa.
A Suécia rompeu recentemente uma moratória de 30 anos sobre energia nuclear, embora esta decisão do governo ainda enfrente oposição. A empresa finlandesa Fortum entrou com petição junto ao governo para construir uma nova usina nuclear, que será a sexta do país, sendo quatro em operação e a quinta, a maior do mundo, em fase de montagem em Okiluoto. Outros países europeus estão avaliando projetos similares, até para reduzir sua dependência do gás natural fornecido pela Rússia. Apenas Dinamarca e Alemanha ainda mantêm uma posição fechada em não construir novos reatores nucleares.
Gigantes francesas buscam liderançaEDF
– Eletricité de France e a Areva são duas estatais controladas pelo governo francês. A primeira é uma das poucas empresas no mundo com experiência na construção e operação de usinas nucleares, num setor que encolheu após os acidentes de Three Miles Island nos EUA, e em Chernobyl, na atual Ucrânia.
Os custos crescentes na construção de usinas derivam da fabricação de componentes novos, já que cada uma é diferente. A alta do preço do cimento e do aço, e a demanda em expansão de componentes fornecidos por terceiros, provocada pela retomada dos programas de energia nuclear em diversos países, ocasionam também o aumento de preços.
A nova usina com reator EPR(European Pressurized Reactor) em construção pela EDF em Flamanville, na França, já rompeu o orçamento original de € 4 bilhões, passando a conta final para € 5,3 bilhões, devido à inflação segundo a empresa. A conclusão esta prevista para meados de 2012. O problema está na relação custo versus receita. Enquanto as usinas existentes no país produzem ao custo médio de € 30/MWh, as novas usinas vão gerar a € 55 a 60/MWh – contra a tarifa de venda atual praticada pela EDF de € 39/MWh em média. A expectativa de elevar as tarifas de energia a médio prazo é politicamente duvidosa, ainda mais após os violentos conflitos de rua e greves de trabalhadores causados pela nova legislação previdenciária, que eleva a idade mínima de aposentadoria para 62 anos.
A Areva, por sua vez, enfrenta dificuldades parecidas na construção da primeira usina com reator EPR de nova geração, na Finlândia, que está com atraso considerável no cronograma e estouro de grandes proporções no orçamento. A planta OL3 tem um contrato de preço fixo entre o consórcio Areva-Alstom e a empresa elétrica Teolisuuden Volma Oy-TVO. Com conclusão prevista inicialmente para 2009, deverá ser entregue com atraso em meados de 2012. O projeto é alvo de ações legais por parte da TVO , que busca compensação pelos custos excedentes, e o próprio consórcio, que culpa a demora na análise de documentação pelo cliente.
As duas estatais francesas foram, aliás, derrotadas recentemente, ao lado de concorrentes americanos e japoneses, quando o governo dos Emirados Árabes contratou um consórcio sul-coreano, liderado pela estatal Korea Electric Power-KEPCO, por US$ 20 bilhões para construir quatro reatores, com potencial para ganhar outro tanto na operação das usinas ao longo da sua vida útil de 60 anos. O fator decisivo foi o preço.
Embora sejam considerados menores e menos "blindados" do que seus concorrentes, os reatores coreanos ficaram bilhões de dólares mais baratos do que seus concorrentes.
Outro fator é que a KEPCO tem um histórico de construir usinas nucleares no prazo e no orçamento. Ela opera 20 usinas no seu país e planeja construir outras tantas, além de estar concorrendo a novos projetos na Índia, Turquia e Jordânia. O consórcio vencedor inclui a Westinghouse, controlada pela Toshiba, mas a parte dominante da tecnologia é coreana. Aliás, o presidente do país, Lee Myung-bak, liderou por muitos anos a Hyundai Construction, que tem experiência em obras nos países árabes e de usinas nucleares.
Reatores modulares
A Babcock & Wilcox americana anunciou um empreendimento conjunto com as empresas geradoras FirstEnergy, Tennessee Valley Authority e Oglethorpe Power para colocar em serviço um reator nuclear modular de 125 MW, por volta de 2020. O consórcio vai trabalhar junto aos órgãos regulares dos EUA para reduzir o tempo de certificação do projeto conceitual para três anos e iniciar a fabricação em torno de 2017.
O preço não está fechado, mas será competitivo por KWh com relação aos reatores maiores, segundo o fabricante, que propôs formar o consórcio para reduzir os riscos para os clientes. A construção da usina deve demorar três anos, c
omparada a cinco anos das plantas maiores. O reator incorpora a segurança passiva e será do tipo água leve com estrutura de contenção subterrânea e um reservatório de combustível para estocar o material usado durante sua vida de 60 anos.
A Toshiba também desenvolve o que ela chamou de baterias nucleares, que são unidades geradoras de energia que uma vez exauridas, serão devolvidas ao fabricante. O sucesso desses projetos poderá mudar os rumos da energia nuclear, reduzindo os investimentos de capital e os prazos de construção.
Fonte: Estadão