Ao observar o panorama político internacional, depois que o último baluarte hipotético da ética na política global veio abaixo com o caso do romance no escritório do presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, o cidadão comum, mais critico, sofre um ataque de frustração. É que os eleitores de diversos países parecem ter escolhido a dedo um ilusionista capaz de entretê-los durante quatro ou cinco anos. É com essa arte que, no Brasil, o presidente Inácio Lula da Silva, adepto confesso de bonés de diversos formatos e cores, obtém um dos maiores índices de popularidade que um mandatário brasileiro já teve. Depois de quatro anos sem produzir nada de prático, exceto os resultados conhecidos das Bolsas Família e seus derivados, ele continua acreditando que frases de efeito podem resolver os graves problemas nacionais. E tais problemas não são poucos: infra-estrutura em colapso, corrupção endêmica que permeia as varias instâncias da República, previdência sacrificada por um déficit continuamente extraordinário, hospitais públicos em frangalhos, etc. etc. Até o pomposo PAC já está deslizando no barro das estradas interioranas, por falta de liberação de recursos e gestores competentes para orientar o desenvolvimento dos diversos projetos ali relacionados. No país dos nuestros hermanos argentinos, Kirschner conseguiu expulsar diversos investidores estrangeiros, que se revelavam importantes para empreendimentos de infra-estrutura. Além disso, ameaçou empresários locais com tabelamento de preços, proibiu exportações de determinados produtos e passou a enfrentar grave crise de fornecimento de energia. Contudo, sua popularidade permanece em alta e fala-se abertamente que sua mulher será virtualmente eleita à Presidência nas próximas eleições. Kirschner fala em crescimento espetacular sob sua gestão, quando a base de comparação, referente à época do calote da dívida externa, é extremamente baixa. Um dos alvos prediletos da política externa argentina é o Brasil, acusado reiteradamente de pretensões hegemônicas – sem provocar até agora uma resposta à altura do Itamaraty. Na Venezuela, o presidente Hugo Chavez usa a abundante receita propiciada pela alta do petróleo para projetos de reestatização, além de apoiar financeiramente, de modo indireto, países considerados parceiros como Equador e Cuba, enquanto a infra-estrutura de seu país continua obsoleta, entravando o crescimento da economia local. Exemplo disso é o viaduto que despencou em Caracas interrompendo o único acesso rodoviário expresso ao aeroporto dessa capital, o que tem obrigado os usuá- rios a um desvio precário que demora algumas horas para ser percorrido. Sua popularidade, entretanto, é imbatível – o que o estimula a preparar uma reestruturação institucional incluindo o Congresso venezuelano. Caso ele consiga essa reestruturação, deverá permanecer no poder ainda por muitos anos. Já o presidente da Bolívia, Evo Morales, até agora ganhou todas as paradas na sua relação com o Brasil, sobretudo as questões que envolvem a Petrobras. A economia brasileira tornou-se refém do gás natural boliviano – um erro estratégico de sucessivos governos que ocuparam os gabinetes de Brasília. Morales reduziu drasticamente as vendas de gás para o Chile, exportado através da Argentina. Entretanto, na sua própria terra, onde se dispõe a resgatar a dignidade das imensas massas de descendência indígena, a estatal Comibol entrou em conflito armado com garimpeiros independentes, quando até dinamite foi utilizada, por causa da exploração de jazidas de estanho. Houve diversas mortes. Apesar disso, o prestígio do presidente continua inabalável. Saindo do Terceiro Mundo e observando outras regiões, vemos que as coisas não são melhores. Na França, o ex-presidente Chirac deixou um legado pífio, após um longo período no poder, mantido ao final de sucessivas reeleições. O país é um dos que menos cresce na Europa. Os trabalhadores trabalham 35 horas por semana, os filhos de imigrantes nos banlieu continuam sem perspectivas de ascensão social – e tocam fogo nos carros para demonstrar o seu descontentamento.Chirac não quis se candidatar novamente e deixou o palco montado para Sarkozy. Finalmente, chegamos aos Estados Unidos. O presidente Bush, que arrastou seu país ao atoleiro do Iraque, reprisando um novo Vietnã no península arábica, continua popular nas imensos rincões conservadores do território americano. Fora dos EUA, talvez seja o presidente mais criticado por países amigos e rivais – do alto escalão político até o cidadão comum. O Partido Democrata, que agora controla o Congresso, não consegue apresentar propostas políticas factíveis – começando pela guerra do Iraque. Numa democracia madura como EUA, é incompreensível para muitos que o sistema político tenha produzido ao longo dos últimos anos figuras apenas medianas e resultados tão pouco satisfatórios. Arriscando resumir esses cenários políticos, chega-se à conclusão que cada povo elege o ilusionista que merece – e depois se recusa a aceitar o fato de que se equivocou, a ponto de reelegê-lo na eleição seguinte. É claro que falta uma visão inovadora aos seus opositores, capaz de galvanizar a opinião publica. Isso não abala a convicção, de que o futuro desses países precisa de uma nova geração de estadistas.
Fonte: Estadão