Explorar e crescer,mas preservar a floresta:o dilema amazônico

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O aumento do interesse pelas riquezas da floresta, recursos hídricos e reservas minerais mantém a sustentabilidade da Amazônia na ordem do dia

Marisa Marega,
com colaboração de Aghane Carvalho – Manaus (AM)

  
Há quem acredite no pior cenário, com a destruição acelerada da floresta e a ampliação da miséria da população. Mas há quem aponte para um quadro completamente inverso, com a perspectiva de criação de uma economia forte, crescimento sustentável e preservação de grandes extensões de área verde.
Contudo, há um cenário mais realista: conservação da floresta em grande escala, custeada por grandes empresas com operações na região; remuneração internacional para projetos ambientais, e polos isolados de desenvolvimento, fortalecidos principalmente pelos empreendimentos já instalados e outros que venham para a região.
O momento atual, no entanto, ainda é de dependência econômica de outras regiões do País, destruição gradual da floresta com avanço do desmatamento, inclusive em áreas protegidas, e a continuidade da pobreza.
Diante das controvérsias seculares sobre o destino da Amazônia, a pergunta que se faz é o seguinte: Ela será capaz de reinventar a sua economia, estruturando-se a partir das pesquisas e evolução do banco genético da floresta, das novas conquistas da energia hidrelétrica e dos modernos processos de extração e processamento de minério na região, com políticas públicas eficazes voltadas para a população? Enfim, como ficará a floresta nas próximas décadas?

BATALHA PELO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

   A região amazônica possui a mais importante bacia hidrográfica do mundo e a maior floresta com reserva de biodiversidade do planeta. Também abriga outras não menos importantes particularidades, o que dá um “tempero” a mais nas discussões em torno do futuro da região, lembra o professor Alex Fiúza de Mello, reitor da Universidade Federal do Pará, que organizou o livro “O futuro da Amazônia: dilemas, oportunidades e desafios no limiar do século XXI”.
“A abundância em minérios, potencial pecuário, alta produtividade agrícola capaz de ocupar importante papel no cenário mundial, entre outras características, colocam a região amazônica diante do grande desafio que é o desenvolvimento sustentado”, avalia.

Segundo estudo do Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), já há propostas com base no desenvolvimento econômico e social da região, principalmente com foco no agronegócio em grande escala e outras voltadas às necessidades das populações locais. Elas integram o Plano Amazônia Sustentável (PAS), meio do qual o governo pretende superar os erros de políticas anteriores ali adotadas.
O debate em torno dos esforços para a conservação da Amazônia frente ao desmatamento e sua sinergia com outras atividades, como, por exemplo, o mercado de terras na região, levanta questionamentos sobre o custo da supressão vegetal.
“O fator agravante para a perda anual da cobertura florestal tem sua causa no baixo valor das terras na região, o que torna a expansão da pecuária mais lucrativa ali que em outros lugares. Assim, as áreas ocupadas pela pecuária proporcionam ganhos ao pecuarista, que promove aumento do rebanho, e consequentemente, novos desmatamentos para dar lugar a mais pastagens”, explica o pesquisador Leandro Ferreira, do Museu Emílio Goeldi (PA). Por conta dos efeitos do desmatamento, especialistas alertam que pode ocorrer o assoreamento dos rios, córregos, lagoas e a degradação do solo. De acordo com estudo do IPEA, as atividades consideradas responsáveis pelo desmatamento são: pecuária bovina, agricultura de grãos, principalmente de soja, arroz e milho, e a carência de fiscalização na extração e venda de madeira irregular de várias formas – tora, carvão e lenha, que geram, ainda, intensa disputa pela posse de terra.
O plano do governo é transformar o País em uma “potência florestal” em até 10 anos, segundo estudo coordenado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).
A iniciativa prevê a liberação de terras ocupadas pela pecuária, além de áreas já degradadas. Essas áreas, dadas às circunstâncias, teriam preços mais baixos e produtividade mais alta o que tornaria a pastagem mais lucrativa. A ideia do governo, ainda em discussão, é disponibilizar áreas de terras que seriam muito provavelmente usadas para a criação de gado e para atividades de expansão de florestas plantadas. No entanto, a facilidade de comércio de terras na região, somada à ausência de fiscalização efetiva, provocaria a corrida à posse da terra, com seu imediato desmatamento como forma de garantir a propriedade.
Ações em favor do desenvolvimento combinado com a conservação da natureza constam do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que visa substituir o uso de carvão mineral e vegetal de origem ilegal, além da venda de créditos de carbono no mercado internacional. O desenho desse mercado nasce com o Protocolo de Kyoto, de 1997, que levou adiante a ideia de criar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. O modelo combina o pagamento dos países industrializados em troca de créditos de carbono produzidos na floresta.
Também há planos de se substituir, por meio da Política Nacional de Florestas Plantadas, o diesel usado na operação de pequenas usinas térmicas na Amazônia por biomassa de madeira, além de diversos estudos, conduzidos pela Embrapa, Instituto Emílio Goeldi, entre outros, para aprimorar os avanços genéticos e técnicas de resgate e conservação de germoplasma (DNA da vegetação) para o futuro do ecossistema da Amazônia, considerado único no planeta.

GERAÇÃO DE ENERGIA
CRIA CONTROVÉRSIAS

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, lançado pela Empresa de pesquisa Energética (EPE), prevê que o Brasil terá de expandir em 53.200 MW a capacidade instalada para geração em hidrelétricas e termelétricas – as duas fontes básicas do País, até o fim da década. Desse total, 18.100 MW dizem respeito a projetos que ainda necessitarão passar pelo licenciamento ambiental e por leilões organizados pelo governo. A maior parte dessa expansão prevista será na Amazônia. O total de investimentos para o cumprimento do megaprojeto é de R$ 236 bilhões entre 2011 e 2020. Estão previstos R$ 190 bilhões em geração e R$ 46 bilhões em transmissão. Com a expansão, a participação da região no Sistema Interligado Nacional passará de 10% da capacidade instalada do pa&ia
cute;s para 23% até 2020. Ou seja, o governo federal espera que a potência instalada na Amazônia chegue a 38.800 MW, um crescimento de 265%, o maior do País na década.
Maurício Tolmasquim, presidente da EPE, afirma que o governo demandará compensações para minimizar impactos. Mas essas compensações não impedem que alguns trechos dos projetos alcancem terras indígenas e áreas de preservação. Isso certamente pesará na lentidão para a obtenção dos processos de licenciamento.
Tolmasquim, porém, explica que a exploração do potencial hídrico na região Norte do País já é pautada com base no tripé sustentabilidade ambiental – desejabilidade social – viabilidade econômica.
“Foi possível ver esta lógica nas discussões em torno das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO); e de Belo Monte, no rio Xingu (PA). São projetos que passaram por longos e amplos processos de debates públicos. Cerca de 2/3 do potencial hídrico brasileiro ainda a ser explorado está localizado na região Norte. Trata-se de um
recurso renovável, abundante e barato, do qual o Brasil não poderá abrir mão de pelo menos uma parte. Apesar de a diversificação na exploração de outras fontes de geração de energia ser um processo contínuo e crescente no Brasil já nos dias de hoje, a energia
hidráulica permanecerá como a mais importante da nossa matriz elétrica nos próximos anos”, explica.
Para reduzir a resistência de ambientalistas, uma concessão já foi anunciada: haverá diminuição no tamanho das usinas. A secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia calcula que 80.000 MW, dos 260.000 MW em capacidade instalada de hidrelétricas ainda disponíveis no Brasil, serão abandonados em razão dessa restrição ao porte das usinas. Os especialistas acham que é o mínimo a ser feito diante do choque ambiental que esses projetos provocarão na Amazônia. De outro lado, os desenvolvimentistas do setor elétrico acreditam que a redução do tamanho das usinas é desperdício diante da necessidade futura que o Brasil terá de geração de energia.

CONSUMO DE ENERGIA NA DÉCADA
REQUER MAIS QUATRO ITAIPUS

Hoje, o País tem 110.000 MW em capacidade de geração quando somadas todas as fontes de energia disponíveis. Até o fim da década, para atender toda a demanda prevista, terá que entregar 171.000 MW em potencial de geração. Para dar uma ideia do tamanho do empreendimento que se terá pela frente, é o mesmo que dizer que até 2020 será necessária a instalação de quatro usinas de Itaipu. Só que até aqui, obstáculos como a concessão de licenças ambientais fazem com que 20% das usinas já contratadas ainda estejam sem previsão de quando entrarão em operação — obras estas que já sofreram atrasos ou nem foram iniciadas.
Mesmo com todos os desafios apontados, o presidente da EPE garante que a médio prazo a situação é de tranquilidade tanto do ponto de vista dos reservatórios quanto das condições estruturais. “A situação energética do Brasil hoje, do ponto de vista hidrológico, é excepcionalmente boa e fazia muito tempo que a gente não vivia um momento tão positivo”, expõe. Ele avalia ainda que o País tem total garantia de atendimento à demanda mesmo que a situação hidrológica não se mantenha tão favorável. “A nossa realidade hoje é essa: a oferta é muito maior do que a demanda. Então, independentemente da evolução dos reservatórios, há tranquilidade. O Brasil conta com um manancial invejável de opções energéticas que fazem da nossa matriz a mais limpa do mundo”, afirma.
De acordo com as projeções do Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2020, se por um lado a participação das hidrelétricas cairá de 76% para 67% nos próximos dez anos, a geração oriunda de fontes alternativas – como a de usinas eólicas, de térmicas à biomassa e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) – vai dobrar, passando de 8% para 16%. A geração eólica será destaque, aumentando de 1% para 7%. Com isso, a fatia de fontes renováveis se manterá em torno de 83% ao final do decênio. Além disso, projeta-se para o período decenal a manutenção da forte expansão da demanda de etanol no mercado brasileiro. A demanda deste combustível deverá triplicar nessa década, passando de 27 bilhões de l em 2010 para 73 bilhões em 2020 – incluindo 6,8 bilhões de l para exportação.
Jorge Samek, diretor-geral brasileiro de Itaipu, defendeu recentemente opção do governo federal pela construção de novas usinas hidrelétricas, como as dos rios Madeira, Tapajós e Xingu, todas na região Norte. Para ele, os novos investimentos têm potencial para aliar desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. No último Congresso Mundial da International Hydropower Association (IHA), realizado em Foz do Iguaçu (PR), ele explicou: “Hoje temos de agregar, a cada três anos, uma Itaipu para sustentar o nível de crescimento que queremos. É bom lembrar que o consumo atual de energia do brasileiro é sete vezes menor que o do norte-americano e quatro vezes e meia abaixo que a média do europeu. Não significa que queremos alcançar o nível de consumo exagerado dos norte-americanos, mas muitos brasileiros ainda não contam com serviços elétricos básicos. E, para que isso aconteça, temos que dotar o Brasil de mais energia”.
Samek lembrou ainda que somente 30% do potencial hidrelétrico são explorados no Brasil e os 70% a serem explorados estão na Amazônia. “O País tem outras fontes de energia, como a proveniente da cana-de-açúcar e amplo potencial eólico e solar. Sem contar as fontes não renováveis. Todos os países desejariam ter a matriz larga que nós temos. Podemos escolher”, aponta.

Fonte: Padrão


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