Obra da Hidrelétrica de Santo Antônio, uma das usinas que terá reduzido reservatório
Redução de preço impositiva feita pelo governo abalou a confiança no modelo do setor elétrico e inibiu investimentos
Tatiana Bertolim
Um dos principais entraves do setor reside nas termelétricas movidas a gás natural – justamente a opção que, na teoria, é a mais viável para complementar a produção de energia do país.
Atrasos em projetos das novas hidrelétricas e a seca que atingiu boa parte do território brasileiro neste ano elevaram de 4,4% para 11,3% a participação das usinas térmicas a gás na matriz energética brasileira desde 2011. Prevista para ser acionada periodicamente, essa fonte passou a ser utilizada de forma ininterrupta.
Até aí, tudo bem. A questão é que os novos projetos de termoelétricas a gás, que preveem a instalação de mais de 20 mil megawatts (MW) nos próximos anos, não têm conseguido fechar contratos nos leilões de energia porque o custo não é competitivo para elas. O critério dos leilões tem sido o da modicidade tarifária.
“A solução precisa ser mais bem planejada e contemplar os recursos hídricos, a energia eólica e as térmicas”, afirma Erik Eduardo Rego, diretor-executivo da consultoria Excelência Energética. O problema, diz ele, é que a oferta de gás natural é insuficiente e monopolizada pela Petrobras. “Fica ao desejo da Petrobras, mas o planejamento é pensado só no setor elétrico.”
Um grande dilema é que as novas usinas hidrelétricas – como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, em desenvolvimento – têm sido feitas com reservatórios os menores possíveis. A ideia é reduzir o impacto ambiental desses empreendimentos, especialmente por se tratar da região amazônica, mas o outro lado da moeda é que o potencial de geração de energia desses projetos cai para apenas 20% da capacidade nominal em épocas de seca.
Nesse aspecto, o uso das térmicas como fonte complementar torna-se indispensável. Porém, o governo ainda não chegou a um modelo que viabilize novos investimentos nessa matriz. Projetos movidos a gás não vencem licitações de compra e venda de energia nos leilões federais desde 2011, o que acarreta uma paralisação na instalação de novas usinas dessa fonte nos três anos seguintes.
“Pode haver falta de investimentos, o que compromete a oferta de energia”, observa Jorge Trinkenreich, diretor da consultoria PSR, especializada nessa área.
Governo otimista
As projeções do governo, em contrapartida, são otimistas, como sempre. A expectativa é que a área de energia receba investimentos públicos e privados de R$ 1,15 trilhão até 2022, dos quais R$ 835 bilhões em petróleo e gás (boa parte da Petrobras), R$ 260 bilhões em eletricidade e o restante, em biocombustíveis. Segundo estimativa apresentada pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e Energia, Altino Ventura Filho, em seminário realizado no fim de maio em São Paulo, os desembolsos vão representar 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) anual nesse período.
Além de aumentar a capacidade instalada, esse montante recorde tem o objetivo de diversificar a matriz energética brasileira. Mesmo representando a maior parte dos desembolsos previstos para os próximos anos, a expectativa do governo é que o setor de petróleo e gás reduza sua participação, atualmente na casa dos 39%. Também se prevê que as hidrelétricas recuem de 70% para 47% até 2022, contrastando com o crescimento de fontes como energia eólica (de 3% para 20%) e de biomassa (que pode chegar a 22%) – mas vale ressaltar que muitos parques eólicos instalados no País estão sem gerar energia porque as linhas de transmissão ainda não foram concluídas.
No entanto, há percalços nesse caminho, decorrentes da insatisfação das companhias do setor com a política de redução tarifária imposta na gestão da presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo em que precisa atrair investimentos privados, o setor de energia não consegue deixar de lado a dependência das empresas estatais para fechar novos projetos – seja de geração, seja de transmissão.
“Todas as últimas licitações de hidrelétricas tiveram participação grande das estatais. É um sinal econômico não adequado”, diz Jorge. “Há que se refinar a comercialização de energia, e o planejamento do setor precisa ter um caráter mais indicativo.”
Para o consultor, uma das chaves do problema é que o planejamento setorial passou de um extremo a outro – era solto demais no governo Fernando Henrique Cardoso, mas se tornou excessivamente centralizador nas gestões petistas. Na avaliação dele, foi positiva a retomada do papel do ministério na elaboração de políticas de longo prazo. Ruim foi a dose. “Não é nem lá nem cá. Tem que ter planejamento da política energética, mas o governo não pode tomar o lugar do mercado.”
O auge dessa dicotomia entre setor público e mercado se deu com a edição da medida provisória 579, em setembro de 2012. A MP, que tinha o objetivo de reduzir as tarifas, às vésperas das eleições municipais, criou as bases da renovação antecipada e “forçada” dos contratos de concessão de usinas. O texto, cujo teor pegou as empresas de surpreso, foi mal recebido pelo mercado, que derrubou as ações das elétricas – o próprio governo destruiu o valor de capitalização no mercado das suas empresas de energia com a medida.
“A MP tinha até uma ideia boa, que era a busca por redução de preços. Mas na hora de fazer o governo pensou que todas as companhias iam aceitar e não foi o que aconteceu”, lembra o consultor da PSR. Mesmo com a redução de preços em um primeiro momento, o futuro mostra que inevitavelmente ajustes na conta de luz deverão ser feitos.
Autogeração
Melhorar o diálogo e o planejamento é uma questão que o próximo governo terá de atacar para garantir investimentos que dobrem a capacidade atual do sistema, de 120 GW. Para Erick, da Excelência Energética, também será necessário investir em programas de autogeração.
Segundo ele, o governo deveria incentivar a produção de energia em residências e edifícios comerciais a partir de fontes fotovoltaicas e eólicas, que gerariam parte da energia para consumo próprio. “O setor público é tímido nisso. Mas, além de produzir, esse sistema economiza em distribuição e transmissão”, diz.
Adotado em países como Alemanha e Espanha, o modelo garante a compra, pelo governo, da energia excedente. No Brasil, há uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que trata desse assunto. A questão, entretanto, esbarra em questões tributárias. Alguns Estados não aceitam que se recolha o ICMS apenas sobre a diferença entre a energia consumida e a produzida por uma unidade autogeradora. A visão míope objetiva aumentar sua base de arrecadação, desconsiderando que a energia abundante possibilita atrair novos empreendimentos industriais e comerciais que, por consequência, vão poder gerar mais receita de impostos, empregos e renda.
O debate em torno dessa proposta é apenas mais um exemplo da complexidade que o mercado brasileiro tem pela frente em sua busca pela diversificação da matriz energética.
Capacidade Instalada (MW)
Fonte | 2013 | 2012 | 13/12 |
Hidrelétrica | 86.018 | 84.294 | 2,0% |
Térmica¹ | 36.528 | 32.778 | 11,4% |
Nuclear | 1.990 | 2.007 | -0,8% |
Eólica² | 2.207 | 1.894 | 16,5% |
Capacidade disponível | 126.743 | 120.973 | 4,8% |
¹Inclui biomassa, gás, petróleo e carvão mineral / ²Inclui solar / Fonte: EPE
Geração Elétrica (GWh)
Fonte | 2013 | 2012 | 13 / 12 |
Hidrelétrica | 390.992 | 415.342 | -5,9% |
Gás natural | 69.017 | 46.760 | 47,6% |
Biomassa1 | 39.679 | 34.662 | 14,5% |
Derivados do petróleo2 | 22.090 | 16.214 | 36,2% |
Nuclear | 14.640 | 16.038 | -8,7% |
Carvão vapor | 14.801 | 8.422 | 75,7% |
Eólica | 6.579 | 5.050 | 30,3% |
Outras3 | 12.241 | 10.010 | 22,3% |
Geração Total | 570.025 | 552.498 | 3,2% |
¹Inclui lenha, bagaço de cana e lixívia / 2Inclui óleo diesel e óleo combustível / 3Inclui outras recuperações, gás de coqueria e secundárias / Fonte: EPE
Expansão de biomassa, PCH e eólica contratada e em construção de 2013 a 2018
Tipo | Região | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 |
Potência (MW) | |||||||
Biomassa | Sudeste/Centro-Oeste | 693 | 99 | 0 | 0 | 100 | 397 |
Sul | 4 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Nordeste | 78 | 0 | 0 | 0 | 0 | 350 | |
Norte | 80 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
TOTAL | 855 | 99 | 0 | 0 | 100 | 747 | |
PCH | Sudeste/Centro-Oeste | 202 | 99 | 26 | 0 | 90 | 162 |
Sul | 229 | 25 < /td> | 0 | 0 | 30 | 68 | |
Nordeste | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 5 | |
Norte | 0 | 19 | 38 | 0 | 33 | 30 | |
TOTAL | 431 | 143 | 64 | 0 | 153 | 265 | |
Eólica | Sudeste/Centro-Oeste | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 200 |
Sul | 330 | 565 | 174 | 526 | 528 | 400 | |
Nordeste | 1763 | 2098 | 2362 | 1099 | 552 | 400 | |
Norte | 0 | 0 | 0 | 58 | 203 | 0 | |
TOTAL | 2.093 | 2.663 | 2.536 | 1.683 | 1.283 | 1.000 | |
TOTAL |
| 3.379 | 2.905 | 2.600 | 1.683 | 1.536 | 2.012 |
Notas: 1Os valores da tabela indicam o acréscimo de potência instalada entre os meses de janeiro e dezembro de cada ano / 2Inclui a capacidade contratada nos leilões de energia de reserva / 3Inclui os projetos sinalizados como sem impedimento para entrada em operação comercial pela fiscalização da ANEEL.
Fonte: EPE
Expansão hidrotérmica contratada e em construção de 2013 a 2018