Falta de fonte complementar emperra geração

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Obra da Hidrelétrica de Santo Antônio, uma das usinas que terá reduzido reservatório

 

Redução de preço impositiva feita pelo governo abalou a confiança no modelo do setor elétrico e inibiu investimentos

 

Tatiana Bertolim

 

O Brasil está diante de um paradoxo estrutural. O País precisa dobrar sua produção energética nos próximos 15 anos para fazer frente a um crescimento econômico de 4% ao ano, segundo estimativas do Ministério de Minas e Energia, o que vai exigir um volume inédito de investimentos. Tal incremento na capacidade passa necessariamente pela diversificação da matriz. No entanto, as condições para a geração por fontes alternativas aos recursos hídricos ainda a torna pouco competitiva.
 

Um dos principais entraves do setor reside nas termelétricas movidas a gás natural – justamente a opção que, na teoria, é a mais viável para complementar a produção de energia do país.

 

Atrasos em projetos das novas hidrelétricas e a seca que atingiu boa parte do território brasileiro neste ano elevaram de 4,4% para 11,3% a participação das usinas térmicas a gás na matriz energética brasileira desde 2011. Prevista para ser acionada periodicamente, essa fonte passou a ser utilizada de forma ininterrupta.

 

Até aí, tudo bem. A questão é que os novos projetos de termoelétricas a gás, que preveem a instalação de mais de 20 mil megawatts (MW) nos próximos anos, não têm conseguido fechar contratos nos leilões de energia porque o custo não é competitivo para elas. O critério dos leilões tem sido o da modicidade tarifária.

 

“A solução precisa ser mais bem planejada e contemplar os recursos hídricos, a energia eólica e as térmicas”, afirma Erik Eduardo Rego, diretor-executivo da consultoria Excelência Energética. O problema, diz ele, é que a oferta de gás natural é insuficiente e monopolizada pela Petrobras. “Fica ao desejo da Petrobras, mas o planejamento é pensado só no setor elétrico.”

 

Um grande dilema é que as novas usinas hidrelétricas – como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, em desenvolvimento – têm sido feitas com reservatórios os menores possíveis. A ideia é reduzir o impacto ambiental desses empreendimentos, especialmente por se tratar da região amazônica, mas o outro lado da moeda é que o potencial de geração de energia desses projetos cai para apenas 20% da capacidade nominal em épocas de seca.

 

Nesse aspecto, o uso das térmicas como fonte complementar torna-se indispensável. Porém, o governo ainda não chegou a um modelo que viabilize novos investimentos nessa matriz. Projetos movidos a gás não vencem licitações de compra e venda de energia nos leilões federais desde 2011, o que acarreta uma paralisação na instalação de novas usinas dessa fonte nos três anos seguintes. 

 

“Pode haver falta de investimentos, o que compromete a oferta de energia”, observa Jorge Trinkenreich, diretor da consultoria PSR, especializada nessa área.

 

Governo otimista

As projeções do governo, em contrapartida, são otimistas, como sempre. A expectativa é que a área de energia receba investimentos públicos e privados de R$ 1,15 trilhão até 2022, dos quais R$ 835 bilhões em petróleo e gás (boa parte da Petrobras), R$ 260 bilhões em eletricidade e o restante, em biocombustíveis. Segundo estimativa apresentada pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e Energia, Altino Ventura Filho, em seminário realizado no fim de maio em São Paulo, os desembolsos vão representar 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) anual nesse período.

 

 

 Além de aumentar a capacidade instalada, esse montante recorde tem o objetivo de diversificar a matriz energética brasileira. Mesmo representando a maior parte dos desembolsos previstos para os próximos anos, a expectativa do governo é que o setor de petróleo e gás reduza sua participação, atualmente na casa dos 39%. Também se prevê que as hidrelétricas recuem de 70% para 47% até 2022, contrastando com o crescimento de fontes como energia eólica (de 3% para 20%) e de biomassa (que pode chegar a 22%) – mas vale ressaltar que muitos parques eólicos instalados no País estão sem gerar energia porque as linhas de transmissão ainda não foram concluídas.

 

No entanto, há percalços nesse caminho, decorrentes da insatisfação das companhias do setor com a política de redução tarifária imposta na gestão da presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo em que precisa atrair investimentos privados, o setor de energia não consegue deixar de lado a dependência das empresas estatais para fechar novos projetos – seja de geração, seja de transmissão. 

 

“Todas as últimas licitações de hidrelétricas tiveram participação grande das estatais. É um sinal econômico não adequado”, diz Jorge. “Há que se refinar a comercialização de energia, e o planejamento do setor precisa ter um caráter mais indicativo.”

 

Para o consultor, uma das chaves do problema é que o planejamento setorial passou de um extremo a outro – era solto demais no governo Fernando Henrique Cardoso, mas se tornou excessivamente centralizador nas gestões petistas. Na avaliação dele, foi positiva a retomada do papel do ministério na elaboração de políticas de longo prazo. Ruim foi a dose. “Não é nem lá nem cá. Tem que ter planejamento da política energética, mas o governo não pode tomar o lugar do mercado.”

 

O auge dessa dicotomia entre setor público e mercado se deu com a edição da medida provisória 579, em setembro de 2012. A MP, que tinha o objetivo de reduzir as tarifas, às vésperas das eleições municipais, criou as bases da renovação antecipada e “forçada” dos contratos de concessão de usinas. O texto, cujo teor pegou as empresas de surpreso, foi mal recebido pelo mercado, que derrubou as ações das elétricas – o próprio governo destruiu o valor de capitalização no mercado das suas empresas de energia com a medida.

 

“A MP tinha até uma ideia boa, que era a busca por redução de preços. Mas na hora de fazer o governo pensou que todas as companhias iam aceitar e não foi o que aconteceu”, lembra o consultor da PSR. Mesmo com a redução de preços em um primeiro momento, o futuro mostra que inevitavelmente ajustes na conta de luz deverão ser feitos.

 

Autogeração

Melhorar o diálogo e o planejamento é uma questão que o próximo governo  terá de atacar para garantir investimentos que dobrem a capacidade atual do sistema, de 120 GW. Para Erick, da Excelência Energética, também será necessário investir em programas de autogeração.

 

Segundo ele, o governo deveria incentivar a produção de energia em residências e edifícios comerciais a partir de fontes fotovoltaicas e eólicas, que gerariam parte da energia para consumo próprio. “O setor público é tímido nisso. Mas, além de produzir, esse sistema economiza em distribuição e transmissão”, diz.

 

Adotado em países como Alemanha e Espanha, o modelo garante a compra, pelo governo, da energia excedente. No Brasil, há uma resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que trata desse assunto. A questão, entretanto, esbarra em questões tributárias. Alguns Estados não aceitam que se recolha o ICMS apenas sobre a diferença entre a energia consumida e a produzida por uma unidade autogeradora. A visão míope objetiva aumentar sua base de arrecadação, desconsiderando que a energia abundante possibilita atrair novos empreendimentos industriais e comerciais que, por consequência, vão poder gerar mais receita de impostos, empregos e renda.

 

O debate em torno dessa proposta é apenas mais um exemplo da complexidade que o mercado brasileiro tem pela frente em sua busca pela diversificação da matriz energética.

 

Capacidade Instalada (MW)

Fonte

2013

2012

13/12

Hidrelétrica

86.018

84.294

2,0%

Térmica¹

36.528

32.778

11,4%

Nuclear

1.990

2.007

-0,8%

Eólica²

2.207

1.894

16,5%

Capacidade disponível

126.743

120.973

4,8%

¹Inclui biomassa, gás, petróleo e carvão mineral / ²Inclui solar / Fonte: EPE

 

Geração Elétrica (GWh)

Fonte

2013

2012

13 / 12

Hidrelétrica

390.992

415.342

-5,9%

Gás natural

69.017

46.760

47,6%

Biomassa1

39.679

34.662

14,5%

Derivados do petróleo2

22.090

16.214

36,2%

Nuclear

14.640

16.038

-8,7%

Carvão vapor

14.801

8.422

75,7%

Eólica

6.579

5.050

30,3%

Outras3

12.241

10.010

22,3%

Geração Total

570.025

552.498

3,2%

¹Inclui lenha, bagaço de cana e lixívia / 2Inclui óleo diesel e óleo combustível / 3Inclui outras recuperações, gás de coqueria e secundárias / Fonte: EPE

 

Expansão de biomassa, PCH e eólica contratada e em construção de 2013 a 2018

Tipo

Região

2013

2014

2015

2016

2017

2018

Potência (MW)

Biomassa

Sudeste/Centro-Oeste

693

99

0

0

100

397

Sul

4

0

0

0

0

0

Nordeste

78

0

0

0

0

350

Norte

80

0

0

0

0

0

TOTAL

855

99

0

0

100

747

PCH

Sudeste/Centro-Oeste

202

99

26

0

90

162

Sul

229

25

< /td>

0

0

30

68

Nordeste

0

0

0

0

0

5

Norte

0

19

38

0

33

30

TOTAL

431

143

64

0

153

265

Eólica

Sudeste/Centro-Oeste

0

0

0

0

0

200

Sul

330

565

174

526

528

400

Nordeste

1763

2098

2362

1099

552

400

Norte

0

0

0

58

203

0

TOTAL

2.093

2.663

2.536

1.683

1.283

1.000

TOTAL

 

3.379

2.905

2.600

1.683

1.536

2.012

Notas: 1Os valores da tabela indicam o acréscimo de potência instalada entre os meses de janeiro e dezembro de cada ano / 2Inclui a capacidade contratada nos leilões de energia de reserva / 3Inclui os projetos sinalizados como sem impedimento para entrada em operação comercial pela fiscalização da ANEEL.

Fonte: EPE

 

Expansão hidrotérmica contratada e em construção de 2013 a 2018

Ano(b)

Sudeste/Centro-Oeste

Sul

Nordeste

Norte

Projeto

Pot(a)

Projeto

Pot(a)

Projeto

Pot(a)

Projeto

Pot(a)

2013

UHE São Domingos

48

 

 

UTE Porto Pecém2

360

UHE Jirau

3.750

UHE Simplício(d)

334

 

 

UTE Suape II

381

UTE Porto do Itaqui

360

UHE Batalha

53

 

 

 

 

UTE Maranhão III(e)

499

 

 

 

 

 

 

UTE Maranhão IV(e)

338

 

 

 

 

 

 

UTE Maranhão V(e)

338

 

 

 

 

 

 

UTE MC2 N Venécia 2(e)

176

2014

UTE Baixada Fluminense

530

UHE Garibaldi(d)

175

UTE Pernambuco3

201

UTE Mauá 3

583

2015

 

 

 

 

 

 

UHE Sto. Ant. do Jari(d)

370

 

 

 

 

 

 

UHE Colíder

300

 

 

 

 

 

 

UHE Ferreira Gomes

252

 

 

 

 

 

 

UHE Belo Monte

11.233

 

 

 

 

 

 

UHE Teles Pires

1.820

2016

 

 

UHE São Roque

135


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