Gargalos na infraestrutura do País comprometem AVANÇOS

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O Brasil caminha para ser o primeiro provedor do mercado internacional de exportações de produtos do agronegócio, mas essa possibilidade pode ser minada pela falta de investimentos em infraestrutura e logística

Joás Ferreira

Há cerca de 40 anos, o Brasil era um mero importador de alimentos. Alguns programas oficiais e a capacidade dos produtores brasileiros reverteram esse quadro, possibilitando a conquista de fatias crescentes do mercado internacional.

Hoje, o País é o 2º maior provedor do mercado internacional de exportações do agronegócio e, de acordo com especialistas no assunto, caminha para ser o 1º, dentro dos próximos 5 a 10 anos.

A dependência do mercado de commodities agrícolas em relação aos países exportadores está se tornando crítica. Proporcionalmente, nos próximos anos, poderá se torna mais significativa do que o petróleo de um só país.

Os mercados estão aí. A questão é como ocupá-los, de maneira a trazer o maior benefício possível para a sociedade brasileira. Entre as razões determinantes desse novo ambiente internacional podem-se destacar: crescimento da população mundial de aproximadamente 80 milhões/habitantes/ano; melhoria dos níveis de renda nos países emergentes, ampliando as demandas; relativa limitação das terras ainda disponíveis para a produção básica, sendo que o Brasil detém perto de 1/5 dessas áreas; mais de 80% dos produtos são gerados e consumidos no Hemisfério Norte, determinando significativas oportunidades de mercados aos produtores do Sul.

No Brasil, o agronegócio nasceu e se desenvolveu no Sul do País. Mas, com a ocupação de praticamente todas as áreas disponíveis localmente, migrou para o Centro-Norte/Nordeste e o Centro-Oeste, alterando a geografia da produção. Com isso, entretanto, passou a ocupar regiões desprovidas de infraestrutura terrestre adequada e sem estrutura portuária para consolidar os novos corredores, além do potencial hidroviário com vistas a reduzir os custos de exportação.

O gargalo portuário para granéis do agronegócio retrata o descompasso entre as demandas e os investimentos públicos. O problema mais grave está na obstrução aos investimentos privados, tanto pelo decreto 6620/08 (considerado ilegal), como pelas exigências burocráticas feitas pela Secretaria de Portos (por algumas portarias, como 178 e 257) e pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Isto é, o governo afasta os investidores privados que se disponham a colocar capitais e correr os riscos, sem qualquer ônus ao setor público.

As exportações de soja e milho têm usado, predominantemente, os portos do Sul e do Sudeste, regiões deficitárias na equação produção versus utilização final. Os portos dessas regiões concentram as exportações, o que é uma prova da falta de alternativas no Arco Norte, que utiliza como divisor o paralelo 15 graus Sul. Superadas as deficiências dos portos do Arco Norte, os grãos produzidos na sua área de influência serão naturalmente por eles escoados. As regiões Sul e Sudeste, hoje as maiores exportadoras, além de não possuírem novas áreas extensas para incorporar, concentram mais de 80% da produção nacional de aves e suínos.

Portos

O setor portuário demandará, para todas as finalidades, investimentos da ordem de US$ 30 bilhões, até 2020, de acordo com avaliações do setor privado. Nas avaliações do Ministério da Agricultura e entidades privadas, incluindo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), até 2020, o País necessitará de uma capacidade portuária no Arco Norte da ordem de 50 milhões t, o que está muito longe dos atuais 8 milhões t.

Nos novos corredores, os principais produtos a transitar serão: soja, milho, açúcar, etanol, produtos florestais, carnes e derivados. É preciso lembrar que, dentro de mais uns dois anos, deverá ser iniciada a navegação pelo novo Canal do Panamá, ampliando os volumes de tráfego e os tamanhos dos navios transitados, o que provocará uma revolução na logística envolvendo os oceanos Atlântico e Pacífico. O Arco Norte está numa posição geográfica estratégica para aproveitar essa oportunidade, em razão da redução dos tempos de navegação para os mercados asiáticos. Ampliar a sua capacidade exportadora é a solução mais racional para desafogar portos do Sul e Sudeste.

Além dos novos corredores especializados em granéis, o segmento de contêineres é o mais crítico no País e vem trabalhando no limite de sua capacidade nominal. Por ser cartelizado, com as atuais regras oficiais que geram instabilidade jurídico-institucional, não deverá se expandir na velocidade necessária para permitir o crescimento das exportações, colocando em risco o próprio crescimento da economia como um todo. Essa situação é mais preocupante no Sul e no Sudeste, onde são exportadas muitas cargas do segmento industrial e, no caso do agronegócio, carnes, café, derivados de madeira, frutas, couros, fumo, dentre outros.

Como os prazos para ampliação das capacidades operacionais não são pequenos, o problema deverá se agravar drasticamente nos próximos anos.

Segundo avaliação da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), os produtores de soja deixam de se apropriar de mais R$ 5 ou R$ 6 por saco, do que seus concorrentes globais. Mas isso é, em média, no País, o que significa que as produções localizadas nas regiões da nova fronteira rural perdem proporcionalmente muito mais.

Estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destaca a importância do Agronegócio como a maior fábrica de desenvolvimento do mercado interno e como fator fundamental na geração de empregos, de renda e na sua distribuição, além de influir na ocupação territorial no interior do Brasil. Cada acréscimo de PIB no valor de aproximadamente uma carreta de soja produzida gera um emprego permanente.

Mais de 50 milhões de brasileiros vivem de “bolsas” e programas sociais e mais de 200 mil jovens completam 18 anos a cada mês, demandando oportunidades de desenvolvimento pessoal. Essa realidade exige ações concretas para o desenvolvimento econômico e social, para tornar tais populações menos dependentes, proporcionando-lhes oportunidades de construir seu próprio futuro e garantir cidadania plena.

Com tantos pontos positivos, que incluem natureza favorável, vanguarda tecnológica mundial, mercados internacion

ais favoráveis e capacidade dos produtores, é inaceitável que o setor rural viva essa contradição: sem aumentar a apropriação de renda por quem produz, as consequências óbvias serão baixa capacidade de desenvolvimento e pontos de pobreza.

Apagão portuário

Entretanto, da crise pode-se abrir a oportunidade para uma revolução, com um mínimo de investimentos públicos, com a liberação de aportes financeiros privados no setor portuário, por meio da estabilidade jurídico-institucional, e a aplicação de recursos públicos em projetos de intervenção na infraestrutura do setor hidroviário.

Em primeiro lugar, é preciso resolver o apagão portuário que, além de encarecer a logística da produção, está provocando o abortamento da produção de soja e milho em alguns pontos das novas fronteiras, onde não existem condições logísticas que permitam cobrir os custos totais. Adicionalmente, segundo o Ministério da Agricultura, mais de R$ 1 bilhão foi despendido para subsidiar fretes de produtos agrícolas, somente em 2010.

O segmento mais crítico é, no entanto, o de contêineres, que já esgotou a sua capacidade nominal de operação nos principais portos.

A situação é dramática porque o País precisa exportar mais para sustentar o crescimento da economia, aumentar os superávits comerciais, ajustar o balanço de pagamentos e garantir renda para quem produz. O crescimento da economia brasileira depende disso e as soluções não virão a curto prazo.

Com a aplicação correta da Lei 8630/93, a revogação do decreto 6620/2008, portarias SEP 178 e 257/2009 e normas da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) decorrentes, com estímulos à liberação dos investimentos de risco da iniciativa privada e a redução das burocracias inócuas, a concorrência nos portos acontecerá, tendo como consequência redução nos preços para os usuários, sem perda do controle de Estado sobre o sistema portuário (sem ônus ao erário), e a ampliação da capacidade competitiva das exportações brasileiros.

O modelo oficial atual determinou que, além das deficiências de capacidade física, o sistema de operações fosse altamente cartelizado, tanto nos terminais públicos, como nos privados. Assim, sem mudar a política portuária, a concorrência imperfeita no sistema será um dos fatores restritivos ao crescimento da economia.

Mudanças de cabotagem

A logística é um item apreciável na composição do custo Brasil. Em novembro de 2010, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) também se posicionou formalmente pela revogação do Decreto 6620/2008.

A reestruturação da matriz de transportes fatalmente exigirá a mudança da legislação sobre cabotagem, incompatível com as características de um país que possui 8,5 mil km de costa e mais de 30 mil km de hidrovias potenciais. A cabotagem demanda o mesmo tratamento legal aplicado à navegação de longo curso, especialmente no campo tributário e operacional, mas, sem abrir mão da defesa da manutenção do poder marítimo.

De acordo com o Sistema de Informações de Fretes (Sifreca), em 2007, o custo do frete de Paranaguá a Xangai, de “longo curso” e entre países diferentes, era semelhante ao do frete de Paranaguá a Recife, que é de cabotagem e só tem 2,8 mil km. Esse comparativo dá a dimensão de quanto o modelo em vigor é nocivo para o País.

Isonomia com o longo curso é a palavra de ordem, embora com o cuidado de preservar a cabotagem nacional, mas não nos termos atuais, que a torna dependente do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), benefício eivado de contradições e com um custo econômico (eficácia) inaceitável.

Além das características do território nacional, a exploração petrolífera na plataforma continental é outro fator que reforça a necessidade de revisão do tratamento dado ao segmento. A legislação precisa ser alterada para garantir a competitividade sistêmica da economia nacional, separando-se os incentivos que venham a ser concedidos à construção naval daqueles direcionados à navegação de cabotagem.

A legislação atual simplesmente criou reservas de mercado como forma de proteção. Isso resultou em custos operacionais relativos elevadíssimos, perda de competitividade do modal em relação ao transporte terrestre e redução do poder marítimo.

Somente no agronegócio, avalia-se que poderiam ser deslocadas para a cabotagem mais de 5 milhões t/ano adicionais, cargas que hoje entopem as rodovias brasileiras. Números que seriam ainda mais traumáticos se a eles fossem somadas as cargas industriais.

As novas fronteiras sofrem pela falta de infraestrutura, mas foram agraciadas com três grandes hidrovias: do Madeira, em operação; do Tocantins, onde os investimentos, embora descoordenados e em ritmo lento, começaram a ser feitos; e do Tapajós, que desfruta de uma posição geográfica estratégica, embora não venha recebendo tratamento adequado, pois está no estágio zero. Essas três hidrovias deverão alimentar, competitivamente, os corredores de exportação do Arco Norte. O modal hidroviário nos Estados Unidos, a título de exemplo, é responsável pelo escoamento de mais de 60% do transporte de grãos e derivados destinados à exportação.

Além disso, é importante frisar que as novas rotas para exportação de produtos do agronegócio também são – e serão – caminhos naturais para minérios e bens minerais, que habitualmente representam, em tonelagem, uma ordem de 8 a 9 vezes maior.

Fonte: Estadão


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