Governo decide que fazer trem-bala é prioridade nacional

Compartilhe esse conteúdo

O governo resolveu enfrentar todos os obstáculos técnicos e econômicos para colocar o trem-bala em operação até 2018 ou 2020. Insiste nos custos deR$ 33 bilhões para construir 510 km de ferrovia, incluindo 90,9 km de túneis e 107,8 km de pontes e viadutos

Nildo Carlos Oliveira

Questões técnicas de menor ou maior complexidade? A engenharia brasileira resolve. Questões de engenharia financeira? Tudo também deverá ser resolvido. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiará 60% do investimento previsto. E, nessa operação, para evitar o risco de variações cambiais, ele apoiará crédito em reais, com taxas de juros preferenciais.
Bernardo Figueiredo, ex-Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), agora presidente da estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL), avalia, assim, que tudo está sendo articulado para que a agenda do empreendimento siga conforme a vontade da presidente Dilma Rousseff. Segundo essa agenda, ela não trabalha com a possibilidade de não fazer; somente com a possibilidade de ver o trem-bala em operação comercial até 2018 ou, na pior das hipóteses, até 2020, ligando as cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro.
Com a decisão do governo, os assessores de Bernardo Figueiredo já trabalham na feitura do edital, adotando cuidados para evitar que empresas com margem estreita de experiência, nesse campo, acabem participando das licitações. A EPL quer atrair grupos que eventualmente já tenham construído história nessa área.
Segundo minuta do edital, divulgado pela ANTT, haverá dois leilões; o primeiro vai selecionar a empresa que fornecerá a tecnologia do veículo e o segundo definirá as empresas que construirão a infraestrutura ferroviária, incluindo as estações. A empresa vencedora do primeiro leilão deverá comprometer-se, com a EPL, a repassar a tecnologia a ser usada na operação do trem.

De acordo com a minuta, os contratos de transferência de tecnologia “deverão garantir, à EPL, a possibilidade de usar, explorar, comercializar e sublicenciar a propriedade intelectual, ressalvadas as marcas da tecnologia compreendida no foco tecnológico”. Além disso, a empresa que ganhar a concessão para operar o TAV deve garantir “ampla participação das empresas brasileiras nas suas contratações”. A primeira etapa do empreendimento será licitada no dia 29 de maio de 2013.

A geologia do caminho do trem-bala

Os estudos de viabilidade do traçado, a cargo do consórcio liderado pela Halcrow Group (inglesa) e pelas empresas cariocas Sinergia e Balman Consultores Associados, contaram com o aporte dos estudos geológicos e geotécnicos básicos desenvolvidos pela Companhia Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) – Serviço Geológico do Brasil (CPRM), do Ministério de Minas e Energia. Esse trabalho, contratado pela ANTT, do Ministério dos Transportes, considerado de alta qualidade, teve a participação de vários consultores, entre eles o engenheiro André Assis e o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.

*Álvaro Rodrigues diz queos estudos não engessam aconcepção de trabalho dosfuturos licitantes

Álvaro Rodrigues informa que os estudos em nível de viabilidade, preparados dentro do pacote de informações básicas fornecidas aos futuros licitantes, deixam a esses a possibilidade de trabalhar com as concepções de obra que entendam como as mais adequadas. Por exemplo: cortes e aterros, obras de arte ou túneis, embora, sob o seu ponto de vista, dados os condicionantes geológicos e de segurança próprios do projeto em boa parte do traçado, a opção mais recomendada seria a subterrânea. Ele considera, no entanto, que, do ponto de vista da geologia e da geotecnia, há especificidades críticas e diferenciadas ao longo do traçado que não podem deixar de ser levadas rigorosamente em conta.
Na Baixada Fluminense sobrepõe-se a questão dos terrenos reconhecidamente de baixa capacidade de suporte. São terrenos de lençol freático superficial, nos quais, para a construção de obras de arte, será necessária a execução de fundações profundas e, no caso da construção de túneis, os processos executivos deverão prever estruturas autoportantes e adequados métodos de estanqueidade.

*Mapa dos estudos geotécnicos da diretriz básica em trecho a partir da cidade do Rio de Janeiro

Na Serra do Mar, na transposição da Serra das Araras, as obras de engenharia se defrontarão com a grande instabilidade natural das encostas. As fundações das obras de arte poderão estar sujeitas a movimentos de massa, lentos ou rápidos. Para esse trecho, em especial, o geólogo recomendaria a construção de um túnel único, da ordem de 13 km a 15 km de extensão, uma vez que uma sucessão de túneis menores implicaria possíveis riscos nos emboques e desemboques. A única desvantagem do túnel único na Serra das Araras é de ordem estética, pois os passageiros do trem-bala não poderão desfrutar de uma das mais bonitas paisagens do País.
Em sequência à crista da Serra do Mar, e em direção ao Vale do Paraíba, entra-se em um domínio de mar de morros cristalinos, solos profundos e muito suscetíveis a processo erosivo. Nesse compartimento a engenharia deverá definir critérios pelos quais, na dependência das situações apresentadas, o desenvolvimento deverá se dar por cortes, aterros, obras de arte ou túneis. No caso de cortes os principais cuidados serão com os processos erosivos e com a estabilidade geotécnica dos taludes.
A seguir, obras evoluirão pela Bacia Sedimentar de Taubaté, onde predomina um relevo colinoso mais suave, também sensível às operações de corte e aterro. São terrenos muito ricos em argilas expansivas, que acabam por deteriorar taludes inicialmente considerados estáveis. Outros aspectos sensíveis também a serem considerados nessa bacia sedimentar é a existência de solos colapsíveis e de turfeiras sujeitas a combustão espontânea.
“Todos esses aspectos”, diz Álvaro Rodrigues, “têm de ser examinados com m
uita atenção, pois em se tratando de um empreendimento da natureza do traçado do trem de alta velocidade, não pode ser admissível, em hipótese alguma, a ocorrência de acidentes com causas geotécnicas.” A preocupação do geólogo procede: uma ocorrência, mínima que seja, de desestabilização de um talude, por exemplo, durante a passagem de um trem a uma velocidade da ordem de 300 km/h, pode provocar uma tragédia. É que, nesse caso, não seria um desastre ferroviário; seria um desastre de proporções aeroviárias.
A partir de Taubaté (SP), ingressa-se na sucessão de morros que vai até a região metropolitana de São Paulo, onde se situam os terrenos da Bacia Sedimentar Terciária de São Paulo, bastante conhecidos da engenharia brasileira, em especial por causa da construção das linhas do metrô paulistano. O TAV brasileiro deverá passar por essas áreas, no subsolo. Mas os problemas aí constatados – grande heterogeneidade geológica, intercorrência com o lençol freático e lençóis suspensos, falta de autossustentação das camadas sedimentares etc. – são velhos problemas que a engenharia brasileira sabe resolver. De São Paulo a Viracopos há outra sequência de mar de morros cristalinos com as mesmas características das anteriores.

Segurança, o item prioritário

O engenheiro Tarcísio Celestino, gerente da Themag Engenharia e ex-presidente do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), concorda com o geólogo sobre a necessidade de se conferir à segurança a prioridade maior do empreendimento, em todas as suas fases. Inclina-se à possibilidade da construção do túnel único em trecho como o da Serra do Mar, dada a necessidade de serem evitados os riscos de emboques e desemboques, o que, segundo ele, é sempre desfavorável. Tarcísio diz que “estamos sempre convivendo com a construção de túneis rasos, construídos com material intemperizado, quando sabemos que túneis de maior comprimento e, portanto, maior profundidade, ocasionam menos riscos”.
Os dois profissionais lembram que a transposição mais recente da Serra do Mar, pela rodovia dos Imigrantes, na segunda pista, quando foram construídos apenas três túneis (conquanto mais extensos que os demais da primeira pista), significou um grande avanço da engenharia rodoviária e que igual exemplo deverá necessariamente ser seguido pela engenharia ferroviária, no caso do trem rápido, na Serra das Araras.

*Tarcísio Celestino é favorável àconstrução do túnel único naSerra das Araras

Tarcísio analisa outros aspectos da construção. Por exemplo: na atual versão dos estudos do trem-bala, ele não detectou nenhum trabalho técnico definindo a velocidade recomendada para o traçado previsto. Fala-se que o percurso entre São Paulo e Rio de Janeiro deve ser percorrido em uma hora e meia. Mas e se a viagem viesse a durar duas horas, não estaria de bom tamanho? E quais seriam as implicações técnicas para uma velocidade de 300 km/h ou para uma velocidade de 350 km/h? (Ver matéria sobre o TGV da França, na página 64 desta edição, cujos especialistas respondem a algumas dessas dúvidas).
Ele argumenta que ainda recentemente os chineses baixaram, para uma velocidade de 300 km/h, a malha ferroviária construída para 350 km/h. E fizeram isso por um motivo simples: economia de energia. “Quando se aumenta a velocidade de um trem-bala, de 300 km/h para 350 km/h, há um acréscimo de consumo de energia de até 100%. Se os chineses, que hoje detêm a parcela mais considerável do dinheiro do mundo, decidiram fazer economia nessas operações ferroviárias, por que não fazermos a mesma coisa? Acaso estaremos com essa bola toda? Há muitos trens de alta velocidade operando a 250 km/h ou a 270 km/h com grande vantagem operacional e comercial”.
O engenheiro explica que, quanto maior a velocidade prevista, maior será também o custo da construção. “É que, quanto maior a velocidade exigida, mais se impõem os raios verticais ou horizontais em túneis e viadutos, o que implica maiores custos construtivos.”

E por que TAV colado nos aeroportos?

Outras questões ficaram insistentemente pairando nas análises dos dois profissionais sobre o trem-bala. Uma delas: o trem-bala continua a ser trem-bala durante todo o tempo? Não necessariamente. Um trem-bala São Paulo-Rio de Janeiro cumpriria absolutamente a sua função nas horas de pico e poderia continuar a funcionar como trem convencional, parando, então, em diversas estações, nos períodos de baixa demanda.
Outra questão colocada: o trem-bala precisa passar pelos aeroportos de Viracopos, Guarulhos e Galeão? Resposta: não necessariamente. Esses aeroportos precisam, sim, ser servidos por metrôs ou trens convencionais, que levem os passageiros até as estações do trem-bala. O que não se pode, segundo os técnicos, é conviver eternamente com a falta de meios de transportes, a não ser táxis caríssimos e uma única linha de ônibus, para o acesso aos aeroportos brasileiros. (Nova York e Paris, por exemplo, dispõem de metrô, trens expressos, ônibus, vans e táxis para os acessos).
Álvaro Rodrigues e Tarcísio Celestino lamentam que os estudos até agora realizados não tenham levado em conta a elaboração de projetos básicos de engenharia. “Foi uma falha. A considerável cultura técnica da engenharia brasileira, desenvolvida e acumulada ao longo de tantas obras, inclusive subterrâneas, deveria estar aí, orientando a concepção de um projeto básico que servisse como referencial para os consórcios que vierem a ganhar as licitações”.

Chineses ficam fora das licitações

Pelas regras da minuta divulgada pela ANTT, para a futura licitação do trem-bala em maio de 2013, os chineses estarão fora do processo. O governo brasileiro prefere contar com empresas que tenham maior vivência e experiência do que empresas chinesas, que ainda não registram mais de 10 anos de prática nas operações dos trens de alta velocidade. Segundo a ANTT, os países que hoje detêm, com maior maturidade, a tecnologia dos trens-bala, são França, Japão, Espanha, Alemanha, Itália e Coreia do Sul. Eles formaram equipes específicas para projetos de longo prazo e têm revelado experiência em trens de alta velocidade tanto no aspecto da tecnologia quanto do ponto de vista de gestão.

Fonte: Padrão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário