*Bruno Meireles Naves e Roberta Dal Sasso
Os estudos de fluxo permitem uma maior compreensão e gerenciamento da movimentação de usuários de transporte em situações excepcionais, como as que estamos enfrentando atualmente. Configurados e analisados pela SYSTRA, eles também possibilitam o fornecimento do melhor suporte possível aos operadores de transporte, por meio do desenvolvimento de viáveis soluções que ofereçam maior conforto aos usuários e, acima de tudo, segurança.
A atual crise da saúde e as várias diretrizes governamentais, em termos de contenção, têm causado uma redução acentuada nas viagens e, portanto, no uso do transporte público. Mesmo que essa crise de saúde tenda a diminuir, as atuais medidas de contenção ainda permanecerão a fim de impedir uma nova disseminação do vírus. Nesse contexto, com o desconfinamento gradual e os deslocamentos vinculados à retomada das atividades, o gerenciamento do distanciamento físico é um tema relevante e que deverá permanecer por tempo indeterminado.
Quais serão os impactos no dia a dia dos usuários de transporte público? O gerenciamento de passageiros em espaços confinados e restritos, como as estações de metrô, é um dos elementos a serem analisados, bem como a ocupação dos veículos, cuja capacidade será reduzida em função das regras de distanciamento. Essa questão deve ser avaliada com uma visão de “sistema global”, levando em consideração as capacidades de acumulação e de fluxo de passageiros.
Os estudos de fluxo fornecem algumas respostas para esse problema. Permitem analisar a segurança e o conforto dos passageiros em relação às medidas de contenção, além de garantir o uso otimizado dos espaços públicos, por meio da implementação de recomendações para a utilização das áreas de circulação de passageiros.
No intuito de estudar as necessárias adaptações da operação de um sistema de transportes frente a situação de pandemia, a SYSTRA realizou um estudo de gestão da operação em estação, considerando as premissas seguintes:
- Foram consideradas as recomendações de distanciamento social indicadas pelos professionais de saúde em relação à prevenção do risco de contaminação;
- O caso estudado é uma estação de metrô subterrânea típica. Contudo, o estudo pode ser adaptado para outras tipologias de implantação (estação em superfície ou em viaduto), e também para outros modais de transportes (BRT, VLT, trem metropolitano) que tem também estações fechadas;
- O caso é de uma estação simples, mas pode ser ampliado para situações mais complexas como estações de integração, por exemplo.
O vídeo produzido por nossa equipe (assista aqui: https://vimeo.com/425125038) apresenta duas simulações dinâmicas, aplicadas a um caso específico de uma estação de metrô:
- Cenário típico de operação para uma estação que recebe 2.000 passageiros durante os 15 min mais carregados da hora;
- Cenário durante o desconfinamento, com a aplicação de ajustes recomendados pela SYSTRA para respeitar as medidas de distanciamento, permitindo analisar seu impacto e compará-lo com a situação normal.
Como esperado, à medida que as regras de distanciamento físico demandam um espaço maior dedicado a cada usuário, as estações e terminais não serão capazes de absorver sua frequência usual durante o horário de pico. Dentro desse cenário, para assegurar a melhor operação possível, recomendamos vários dispositivos para otimizar o uso dos espaços da estação. Em nosso estudo de caso, esses dispositivos garantem que a estação comporte cerca de 70% da demanda usual nos horários de pico, graças às seguintes propostas:
- Marcações no piso que permitem, intuitivamente, o respeito da distância física durante a espera na plataforma de embarque e nos percursos dentro da estação;
- Estabelecimento de “zonas de amortecimento” para a espera de usuários nos acessos às escadas, aguardando nas filas de catracas e na via pública de acesso à estação, que podem ser controlados por agentes ou por sinalização dinâmica;
- Gerenciamento de fluxos vinculados à operação da estação como, por exemplo: neutralização de metade das catracas; acessos dedicados por sentido, para uma separação eficiente dos fluxos de entrada e saída da estação; uso de bilhetes/passes eletrônicos para evitar agrupamentos nas bilheterias, balcões, máquinas de venda automática etc.
A estação do modelo funciona adequadamente em horários normais, não havendo situações de congestionamento de usuários. Para uma estação cuja capacidade de recepção já estivesse saturada em condições normais de operação, essa taxa de 70% será reduzida, considerando uma configuração de espaço equivalente.
Essa primeira abordagem não leva em consideração a distância física necessária dentro dos veículos do metrô. Isso certamente reduziria a capacidade de carga de cada unidade e, portanto, a capacidade da estação pode ser ainda menor. Uma modelagem mais complexa poderia representar esse efeito.
Além disso, a oferta de serviço disponível (headway) pode alterar essas condições, bem como o gerenciamento do acesso à estação, o que pode significar o aumento de pessoas na área de espera na via pública, anterior aos acessos de entrada da estação. Com efeito, o volume de passageiros observado em condições operacionais normais é um reflexo da oferta de serviços e de integração com outros modos de transporte. Assim, em uma situação de crise, o nível de serviço da rede de transporte é modificado, afetando a demanda de passageiros nas estações.
Portanto, esse exemplo de simulação deve ser aplicado nesse tipo de situação global vivenciada atualmente, decorrente dos impactos da pandemia, marcado principalmente pelas reduções no fluxo de pessoas e pela necessidade do distanciamento físico em todos os espaços públicos, o que é bem possível modelar com nossas ferramentas.
Dessa forma, é necessário conciliar duas questões principais: o volume de pessoas na estação e a lotação dos veículos do metrô para evitar a saturação do sistema.
As diretrizes para responder a esses desafios exigem uma reflexão mais abrangente:
- Continuar favorecendo o trabalho remoto ou, pelo menos, ajustar os horários de certas atividades para limitar o volume de passageiros durante os horários de pico (a bordo dos carros e nas estações);
- Para os serviços de transporte de massa, avaliar a possibilidade de fechamento de determinadas estações, examinando cuidadosamente questões como demanda e distância entre paradas, a fim de aumentar a velocidade comercial e, ao mesmo tempo, a frequência de veículos, combinada a uma intensa campanha de incentivo à utilização da mobilidade ativa (caminhada, bicicleta e demais modos não motorizados) para viagens curtas;
- Incentivar a complementação de viagens com outros modos de transporte (caminhada, ciclismo, táxis e aplicativos);
- Desenvolver ferramentas e aplicativos (como MaaS, Mobility as a Service[1]) para fornecer aos usuários informações em tempo real como:
- Frequência dos serviços de transporte disponíveis (ônibus, metrô, VLT e afins), ajustada às necessidades da demanda e das regras sanitárias, a fim de evitar possíveis congestionamentos e perda de tempo;
- Escolha dos assentos nos serviços de transporte através de um sistema de reservas (também pode ser aplicado a outros modos como BRT, VLT etc.), limitando assim, por meio de uma cota fixa, o número de usuários do transporte público.
Em todos os casos, as regras de distanciamento físico no transporte urbano das grandes cidades restringem, inevitavelmente, a manutenção da capacidade de acumulação e fluxo de usuários no sistema de transporte.
*Bruno Meireles Naves, coordenador comercial e de negócios da Systra (bmeireles@systra.com) e Roberta Dal Sasso, coordenadora de consultoria da Systra (rdalsasso@systra.com)