Impossível viver sem ela

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Rio de Janeiro e Niterói. Dois principais centros urbanos do estado do Rio de Janeiro, embora vizinhos, separados pela Baía de Guanabara. Quem não quisesse fazer a travessia usando barcas e catamarãs, responsáveis pelo transporte de passageiros e cargas, tinha que se submeter a uma viagem terrestre de mais de 100 km, passando pelo município de Magé. Desde o final do século 19 era cogitada a construção de uma ponte ou um túnel para transpor as águas da baía. Mas só em 1965 foi criada uma comissão executiva para elaborar um projeto definitivo, visando à construção de uma ponte. Três anos depois, o então Presidente da República, Artur da Costa e Silva, assinava o decreto autorizando a execução do projeto.

A obra teve início, simbolicamente, em 9 de novembro de 1968, com a presença da Rainha da Grã-Bretanha, Elizabeth II e de Sua Alteza Real, o Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo. Efetivamente, no entanto, as obras só começaram em janeiro de 1969, sendo concluídas em 1974. A presença da realeza britânica tinha razão de ser. Ela sacramentava o acordo financeiro firmado entre o governo brasileiro e um grupo de empresas da Inglaterra, lideradas pela M. Rotshield & Sons, que assegurava o fornecimento de estruturas de aço, com um comprimento de 848m, incluindo os vãos centrais de 200 m+300 m+200 m e dois trechos adicionais de 74 m, além de um empréstimo de aproximadamente US$ 22 milhões com bancos britânicos. O valor destinava-se a despesas com outros serviços da ponte, totalizando NCr$ 113.951.370,00 (cruzeiros novos). O preço final da obra foi avaliado em NCr$ 289.683.970,00, com a diferença paga pela emissão de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional.

Considerada um dos orgulhos da engenharia brasileira, a Ponte Rio-Niterói é importante símbolo de um momento da história do País. O Brasil vivia o “milagre econômico” época de forte crescimento econômico, ocorrido em plena ditadura militar, especialmente entre 1969 e 1973. Nesse período, instaurou-se o pensamento ufanista do “Brasil potência”, fortalecido com a conquista da terceira Copa do Mundo de Futebol, em 1970, no México. Os meios de comunicação e as atividades culturais eram vigiados pela polícia. Tudo o que desagradava ao governo era severamente censurado. Milhões de cruzeiros novos eram gastos em propagandas para melhorar a imagem do governo militar junto ao povo. Um dos slogans dessa propaganda repetia: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, enquanto se multiplicava o número de presos políticos nas prisões do governo.

Nesse contexto, o projeto da ponte Rio-Niterói tinha também que ser grandioso. Ele foi elaborado pelo consórcio de duas empresas: a Noronha Engenharia assinou o projeto dos acessos no Rio de Janeiro e em Niterói, assim como a ponte de concreto sobre o mar; e a Howard, Needles, Tammen and Bergendorf, dos EUA, projetou o trecho dos vãos principais em estrutura de aço, incluindo as fundações e os pilares. Os engenheiros responsáveis pelo projeto da ponte de concreto foram Antonio Alves de Noronha Filho e Benjamin Ernani Diaz. E quem assinou o projeto da ponte de aço foi o engenheiro americano James Graham.

O contrato para a execução das obras foi objeto de acirrada concorrência, da qual saiu vencedor o Consórcio Construtor Rio-Niterói (CCRN), encabeçado pela Construtora Ferraz Cavalcanti e composto pela Companhia Construtora Brasileira de Estradas (CCBE), Empresa de Melhoramentos e Construções S. A. (EMEC) e Servix Engenharia S. A.

As obras, no entanto, seguiram de forma tumultuada. Surgiram grandes dificuldades durante a execução das fundações, atrasos no connograma, desentendimento entre os responsáveis das diferentes etapas do processo. Uma prova de carga mal sucedida provocou um acidente causando a morte de operários e de um engenheiro civil. Esses fatores, agravados pelo crescente atraso no cronograma, levaram o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) a rescindir, em 26 de janeiro de 1971, o contrato com o CCRN.

Após uma longa paralisação, as obras foram transferidas para o Consórcio Construtor Guanabara Ltda, formado pela Construções e Comércio Camargo Corrêa, Construtora Rabello, Construtora Mendes Junior e Sobrenco. Como responsável pela construção foi indicado o engenheiro Bruno Contarini e como superintendente técnico, o engenheiro Mário Vilaverde.

O canteiro principal das obras foi instalado na Ilha do Fundão, mas havia vários canteiros secundários em Niterói. As empresas contratadas para a execução da superestutura em aço foram a Dormann & Long, Cleveland Bridge e Montreal Engenharia. A estrutura foi toda fabricada na Inglaterra, em módulos que chegaram ao Brasil por navios. A fabricação final da ponte de aço, com os módulos pré-fabricados da Inglaterra, foi feita na Ilha do Caju, na Baía de Guanabara. A montagem das vigas de aço também foi feita pelas mesmas firmas.

Tecnologia de ponta

A tecnologia empregada na construção da obra-de-arte é avançada, mesmo para os dias de hoje, quando a ponte é reconhecida como a maior estrutura em concreto protendido do mundo. Ela possui, no vão central, estrutura de aço, representada por duas vigas de aço que formam um caixão ortotrópico com vão livre de 300 m de extensão, por sinal também o maior do mundo em extensão, apoiadas sobre pilares. Durante o período das obras, de 1970 a 1975, foram investidos, cerca de US$ 400 milhões – hoje atualizado o valor seria de US$ 2.5 bilhões.

São 1.152 vigas de concreto protendidas, mediante 43.000 cabos de aço, toda a estrutura de concreto e aço possui um sistema de amortecimento criado por engenheiros da COPPE/UFRJ, por meio de molas que obedecem a Lei de Hook, que absorvem a energia decorrente de vibrações (movimentos de carros e ventos). Esse sistema impede que a Ponte Rio-Niterói balance verticalmente, atingindo uma oscilação máxima de + 2 cm e -2 cm.

Os números envolvidos na execução do projeto também são impressionantes. A areia empregada na construção daria para aterrar a metade da Praia de Copacabana; o vão central sobre o canal de navegação bateu o recorde em viga reta metálica do mundo; seu peso, mais de 970 mil toneladas, corresponderia a 800 edifícios de 10 andares, com quatro quartos; o cimento usado – mais de 4.600.000 sacos – se deitados, fariam 1.500 pilhas da altura do Pão de Açúcar. Do seu ponto mais alto, a 70 m acima do nível do mar, ao seu ponto mais profundo, 210 m abaixo da lâmina d’água, atingido pelas perfurações poderiam ser amontoados três estádios do Maracanã. A ferragem aplicada formaria uma linha que daria volta ao planeta, com sobras.

Antes dela, a ponte de maior extensão, em nosso País, era a Maurício Joppert, com 2.250m de extensão, sobre o Rio Paraná, na divisa de São Paulo com Mato Grosso, construída em 1965.

Aberto o caminho para a modernidade

A travessia da ponte Rio-Niterói foi aberta ao público na manhã seguinte à inauguração, no dia 4 de março de 1974. No ano em que foi concluida, era a segunda maior ponte do mundo, perdendo apenas para a Causeway do lago Pontchartrain nos Estados Unidos (a maior ponte do mundo). Ela continuou em segundo lugar até 1985 quando foi concluida a Ponte Penang na Malásia.

Pelas suas oito faixas de rolamento, nos dois sentidos – com dois acostamentos – passaram a circular, diariamente, cerca de 50 mil veículos. Desde então, a ponte se tornaria em um marco da integração e desenvolvimento econômico do estado do Rio de Janeiro, permitindo os deslocamentos da população, agilizando o serviço de transporte intermunicipal e interestadual de cargas, e contribuindo para o crescimento e a expansão de cidades, principalmente na Região dos Lagos. Atualmente, em fluxos normais, o movimento médio atinge a 140 mil veículos/dia, transportando aproximadamente 400 mil pessoas/dia.

Concessão redoviária: pioneirismo

A Ponte Rio-Niterói, como parte da rodovia BR-101, foi a primeira rodovia concedida do Brasil. Sua escolha para iniciar o Programa Nacional de Concessões de Rodovias deu-se por motivos técnicos e operacionais urgentes: em decorrência da falta de recursos para sua conservação e manutenção, ela apresentava claros sinais de cansaço estrutural. Além disso, a crescente demanda de tráfego resultava em sérios problemas operacionais.

Desde que assumiu a concessão em 1995, a empresa Ponte S/A, integrante do grupo CCR, tem executado programas regulares de conservação e manutenção estrutural e de modernização operacional. Com a implantação de novas tecnologias e equipamentos, equipes treinadas e serviços de atendimento aos usuários, a concessionária transformou a Ponte Rio-Niterói em uma das mais modernas e seguras rodovias do país, de acordo com os freqüentes levantamentos estatísticos executados.

De acordo com a concessionária, a Ponte possui um sistema de controle de tráfego de última geração. Diariamente, as equipes do SOS Usuário – médico e mecânico – realizam, em média, 140 atendimentos. Em 2000, a concessionária Ponte S/A executou a maior intervenção na história da Ponte Rio-Niterói: os caixões metálicos da superestrutura do vão central foram reforçados internamente e, por fora, a substituição do pavimento asfáltico por concreto armado constituiu uma laje de reforço estrutural adicional, com excelente trafegabilidade e baixíssima manutenção. Essa intervenção era uma necessidade estrutural e um clamor público desde os primeiros anos de funcionamento da ponte.

Recentemente foram inauguradas as novas bases operacionais suspensas, localizadas nas subidas do vão central, nos dois sentidos de direção. As bases suspensas contribuem para tornar mais rápidos os atendimentos e a liberação das pistas pelas equipes do SOS Usuário 24h, na região do vão central, onde ocorre o maior número de acidentes e avarias de veículos na ponte.

Outra obra em andamento é a reforma das defensas junto aos pilares do vão central. Os blocos de concreto, chamados Duques d’Alba, ficam à frente dos pilares da região do vão central, por onde passa o canal de navegação da baía de Guanabara, e servem para proteger a estrutura de um eventual choque de embarcação. Trata-se de uma obra com toda a logística de acesso às estruturas e execução pelo mar.

Paralelamente, a passagem dos caminhões com três eixos ou mais foi restrita ao horário de 22h às 4h, o que permitiu o redimensionamento das pistas para implantação de uma quarta faixa de rolamento, nos dois sentidos, no trecho entre a Praça do Pedágio e o vão central. Estas medidas proporcionaram um aumento da performance operacional e da capacidade da ponte de 6 mil para quase 7,5 mil veículos/hora (no pico da manhã), acabando com as retenções que ocorriam rotineiramente neste período nos acessos de Niterói.

Fonte: Estadão


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