IPR não pode morrer

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OInstituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR) fez muita história no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Era e ainda é uma Academia. Seus mestres se esmeravam na construção de notáveis obras de arte especiais, estimulando o trabalho dos escritórios de engenharia em todo o País. Mas talvez o IPR não consiga fazer tanta história no Dnit, por uma questão prática: o envelhecimento de seu corpo técnico.

Dos 100 engenheiros, doutores, especialistas e renomados que teve nos bons tempos, restaram apenas 24, sendo que 19 deles já estão próximos da aposentadoria. Das centenas de cursos, sobraram dois. E dos 15 mil alunos que teve entre a década de 1970 e 2009, hoje restam apenas 36 estudantes. Em seus cinco laboratórios (concreto e materiais de construção, ligantes e misturas betuminosas, sinalização, geologia e geotecnia) trabalham apenas quatro técnicos e laboratoristas. Todos antigos na casa.

Sem renovação urgente de seus quadros, este centro de excelência do rodoviarismo federal brasileiro corre o risco de ver o mato crescer no belo terreno de 11.874 m² que ocupa em um bairro que já foi o mais perigoso (hoje nem tanto) do Rio de Janeiro, Vigário Geral, no Km 163 (antigo quilômetro zero) da Via Dutra. Ou como dizem seus poucos habitantes, “na esquina da Brasil com a Dutra”.

Logo na entrada, a atenção dos visitantes é voltada para a menina-dos-olhos do Instituto: a Pista Experimental Circular, utilizada em estudos pioneiros sobre pavimentos rodoviários realizados pelo IPR. São poucas no mundo: os Estados Unidos têm duas. França, México, Suíça, Nova Zelândia e Eslováquia, uma em cada país. Trata-se de um simulador de tráfego eletromecânico para a realização de ensaios de pavimentação asfáltica. Equipamento caro e importante para testar a resistência das rodovias sob condições de tráfego pesado.

A biblioteca do IPR é ainda uma referência importante, com um dos mais completos acervos técnicos de engenharia de transporte rodoviário, formado por cerca de 5 mil publicações, entre monografias, teses e relatórios de pesquisa, e 400 títulos de periódicos, disponíveis para pesquisadores, técnicos e universidades.

O número e a qualidade dos estudos, pesquisas e programas ali realizados, programados ou em fase de contratação, é outro fator que exige pressa na contratação de pessoal. Os projetos abrangem identificação de rotas de transporte rodoviário de produtos perigosos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; estudos e pesquisas para revisão e criação de normas e manuais técnicos; tratamento de resíduos sólidos na construção e manutenção rodoviária. Entre os trabalhos mais importantes já concluídos, o IPR foi pioneiro nos estudos sobre o impacto dos chamdos bitrens nas rodovias.

O Instituto de Pesquisas Rodoviárias foi criado em 1957. Surgiu da necessidade de formação de um órgão técnico especializado para promover e estimular o desenvolvimento das pesquisas e difusão das informações sobre inovações tecnológicas na área rodoviária de um País com enormes contrastes geográficos, e também em função do crescimento da construção rodoviária verificado no final dos anos 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek.

Inicialmente, de 1957 a 1972, o IPR era subordinado ao CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa, que passou a denominar-se Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Na segunda fase, de 1972 a 1990, foi incorporado como diretoria do DNER. Entre os anos de 1990 e 2001, foi reestruturado, ainda sob a tutela do DNER, e desde então foi incorporado ao Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit).

IPR: soluções de ponta e pessoal reduzido

Gerente técnico do Instituto de Pesquisas Rodoviárias, o engenheiro capixaba Chequer Jabour Chequer acredita no Dnit, mas alerta para a necessidade de reforçar os quadros da autarquia, na qual ingressou em 1970, por meio de concurso, como engenheiro mecânico da Diretoria de Obras. Formou-se depois em engenharia civil, no ano de 1974, passando a trabalhar na Divisão de Construção, que na época implantava e restaurava 5 mil km de estradas por ano. Antes do IPR, passou pela Diretoria de Infraestrutura Rodoviária e pela Assessoria de Custos e Produção, acumulando a subchefia da Divisão de Construção. Ele tem, ainda, mestrado em Transportes pela COPPE/UFRJ.

“O País está no caminho certo. Hoje, a logística de transportes é seriamente avaliada pelo ministério. O que ocorre é que esse fato de ser multimodal dá trabalho mesmo, constitui um desafio. Por isso, acho que é preciso um reforço no número de engenheiros, dotar a ponta com especialistas em quantidade suficiente para fiscalizar os trechos rodoviários”, diz ele.

Chequer Jabour viveu o período em que o órgão era realmente descentralizado: “Antes nós tínhamos muita gente em campo. Os Distritos Rodoviários Federais eram dimensionados em função das obras em cada um deles. Uma gestão eficiente se faz assim, com órgãos bem dotados de equipamentos e recursos humanos.”

No que diz respeito ao IPR, o engenheiro Chequer Jabour manifesta preocupação com a realidade atual, mas não perde o otimismo: “No IPR precisamos com urgência de 30 engenheiros. Já tivemos, no passado, entre engenheiros e técnicos, 400 funcionários e uma grande quantidade de projetos em desenvolvimento. Houve uma fase de desinvestimento no setor e o número de pesquisas decresceu. Mas, hoje, o quadro está começando a melhorar.”

Os estudos e pesquisas feitos até hoje credenciam o Instituto de Pesquisas Rodoviárias a cobrar o apoio que merece para voltar à ponta tecnológica: “Já realizamos trabalhos muito importantes, como o impacto do bitrem nas rodovias. O IPR foi pioneiro. Nos anos 1990, fomos nós que introduzimos o asfalto polimerizado. A pesquisa nasceu aqui no Km 163. Também foi aqui que se utilizou o white top, alternativa construtiva utilizando o concreto, que varia de 15 cm a 25 cm de espessura, sem armadura, só com barra de transferência. Isso fomos nós que desenvolvemos. E já fizemos pesquisas para o exterior, também. Para a empresa chilena Asfalchile, por exemplo, testando o asfalto multigrade para suportar variações de temperatura”.

Nos congressos e fóruns internacionais do setor, a participação brasileira é sempre importante e o IPR reconhecido. Este ano mesmo, ele participou de um congresso em Barcelona.

“O Brasil tem voz ativa nisso. Desenvolvemos um programa de obras de arte especiais que é um primor. Um sistema com gradação de defeitos que confere notas de
1 a 5, indicando desde a obra onde não se tem o que fazer até uma que precisa de reforço estrutural. Temos todos esses softwares dentro do IPR. É uma ferramenta que permite ao administrador estabelecer um plano plurianual de recuperação de pontes e viadutos”, lembra.

Chequer Jabour destaca outra novidade, em fase de conclusão: um projeto de custos para acidentes geográficos nas rodovias, todo georreferenciado: “Você aperta uma tecla de computador e descobre que na BR-101, do Km X ao Km Z, o tipo de acidente. Então, alimentamos o DNIT com aqueles dados para que o órgão possa elaborar o projeto com total segurança”.

Corpo técnico do Dnit é metade do que a lei previu

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) foi criado em 5 de junho de 2001, pela Lei nº 10.233, como autarquia federal executora, vinculada ao Ministério dos Transportes. Possui 23 Superintendências Regionais. A lei previa um quadro de 4.740 servidores, mas hoje são apenas 2.748 em todo o país. Desse quadro, 943 são profissionais de nível superior e 1.805 de nível intermediário. Foi anunciada pelo ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, a contratação de mais 100 analistas com formação universitária, na maioria engenheiros, para cobrir o déficit do corpo técnico.

Diferente do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), exclusivamente rodoviarista, o Dnit é multimodal. Além de herdar as estradas federais do órgão antecessor, dividindo atribuições com as agências nacionais reguladoras criadas pela mesma Lei nº 10.233 – a ANTT (Transportes Terrestres) e a ANTAQ (Transportes Aquaviários) – também cabe ao Dnit construir, manter, ampliar, fiscalizar e elaborar estudos técnicos para ferrovias, hidrovias, portos e eclusas. Além disso, o Dnit administra o patrimônio da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), desde 2007, ano em que foi extinta.

Engenheiros: críticas de 2002 continuam atuais

Um documento de 40 páginas, publicado em agosto de 2002, pela Associação Brasileira de Engenheiros em Infraestrutura de Transportes (Aber), é recheado de críticas à extinção do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Criada em 1954 e com sede no centro do Rio de Janeiro, a entidade ainda se chamava, em 2002, Associação Brasileira de Engenheiros Rodoviários. A sigla Aber não mudou e os autores de “A crise no setor rodoviário” afirmam que a revisão que estão fazendo no texto manterá boa parte das críticas.

Entre as proposições, a Aber sugeria, na ocasião, a extinção do Dnit e a recriação do DNER com suas atribuições tradicionais e a transferência, para o âmbito do Ministério dos Transportes, das atividades relacionadas aos modais ferroviário e aquaviário. Em uma das justificativas apresentadas, mencionam que países como França, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Japão e Itália possuem órgãos rodoviários equivalentes de abrangência nacional.

Num comparativo com esses mesmos países, e também com Argentina, México e Portugal, os autores do documento afirmam que o Brasil “situa-se numa posição bastante constrangedora em matéria de rodovias pavimentadas”.

“O quadro a que se assiste é de abandono total, pois não há praticamente obras novas e, o mais grave, a manutenção das rodovias federais inexiste, aumentando os custos operacionais dos veículos”, prossegue o texto.

Ao referir-se ao planejamento e fiscalização das rodovias, dizem os engenheiros da Aber que “tornaram-se mera ficção, pois os órgãos remanescentes, responsáveis pelo setor, estão à beira da falência por falta de pessoal, instalações e recursos materiais para sua implementação”.

Outra queixa feita em 2002 foi sobre o total de engenheiros e funcionários, que na época somavam 3.900 profissionais. Uma década depois, este número caiu para 2.748 pessoas.

Fonte: Estadão


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