Joás Ferreira*
O território pernambucano, com suas características e dificuldades, será praticamente cortado de ponta a ponta pela ferrovia Transnordestina. Além de Pernambuco, a ferrovia interligará os estados do Piauí e Ceará, perfazendo 1.728 mil km de extensão, com previsão de R$ 5,4 bilhões em investimentos totais
Com o efetivo de 11 mil funcionários diretos e a frota de mais de 1,5 mil veículos, entre máquinas e caminhões de pequeno e grande porte, a ferrovia Transnordestina já começa a ganhar feições da obra importante que deverá ser para a integração e o desenvolvimento do Nordeste brasileiro. Ela vai percorrer 1.728 km, entre o pequeno município de Eliseu Martins, no sul do Piauí, e as capitais estaduais do Recife (PE) e de Fortaleza (CE), onde estão, respectivamente, os portos de Suape e Pecém. |
Iniciadas em junho de 2006, as obras da ferrovia Transnordestina enfrentaram – e continuam tendo de sobrepujar – muitos desafios e entraves, como os de projeto, supressão vegetal, desapropriações, liberação dos recursos, logística de abastecimento de peças e equipamentos, contratação e formação de mão de obra, entre outros.
O empreendimento total, que está orçado em R$ 5,4 bilhões, insere-se no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem conclusão prevista para 2013. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) figura como acionista controladora da Transnordestina e prevê que, até 2020, a ferrovia deverá atingir capacidade para transportar 27 milhões t/ano de produtos agrícolas, minérios e combustível, principalmente.
Cortando o sertão
No interior do Pernambuco, especialmente nas regiões próximas a Serra Talhada e Salgueiro, onde se desenvolvem as obras de alguns trechos da ferrovia Transnordestina, a paisagem que se vê é verde e exuberante, em consequência do período intenso de chuvas ocorrido no segundo trimestre deste ano. Chega a ser muito diferente da imagem que, normalmente, se tem da caatinga nordestina, que remete à terra seca e aos arbustos desfolhados e também ressequidos.
Chama a atenção, nesse ambiente, a falta de grandes plantações e de pastos, como os que são comuns no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País. Há diversas áreas em que predominam as criações de bodes, que são animais rústicos, resistentes e preparados para a sobrevivência mesmo numa região em que as intempéries são tão marcantes.
As rodovias da região, tanto estaduais como federais, a despeito do que se espera, encontram-se razoavelmente transitáveis, com poucos pontos precários. Em geral, esses pontos são decorrentes da ação das últimas chuvas e, em sua maior parte, estão sendo restaurados. O que mais se encontra nessas estradas, entretanto, são os jegues que provocam inúmeros acidentes. Isso acontece porque, em função da proliferação e do consequente baixo valor de comercialização desses animais, os donos os deixam soltos nas pistas, largados à própria sorte.
As estradas também têm a fama de serem perigosas porque na região prolifera a produção e o comércio de maconha (e, mais recentemente, do crack), o que lhe garantiu o nome de “polígono da maconha”. O perigo, nesse caso, são os assaltos, sequestros, roubos de carga e até assassinatos promovidos pelos traficantes. Em alguns postos de combustível e paradas para viajantes, ao longo das rodovias, é sabido que a exploração sexual infantil camuflada também se desenvolve, em função da pobreza e da falta de opções de sobrevivência para as populações que vivem no sertão pernambucano.
É, dentro desse panorama, que surge como alento promissor a implantação da ferrovia Transnordestina. A geração de empregos, o incremento do comércio local e a melhoria da qualidade de vida são algumas das consequências esperadas com a chegada dos trilhos, mesmo que não estejam previstas estações (e nem precisaria) em todas as cidades da região.
Dificuldades
Para os engenheiros Lucas Prado e Ricardo Pinto, que atuam no canteiro de obras da construtora Odebrecht, de Serra Talhada, além das dificuldades iniciais com a desapropriação das áreas necessárias para o assentamento dos trilhos, a obtenção das licenças ambientais e da definição dos canteiros de obra, outro problema enfrentado diz respeito à logística.
“A região não dispõe de fornecimento de peças, pneus e outros componentes, por exemplo. Além disso, tivemos alguns problemas com os equipamentos empregados, em função da constituição do terreno, formado essencialmente por rochas”, lembra o engenheiro mecânico Lucas Prado.
“Para esse tipo de obra, nós dependemos fundamentalmente de um equipamento que seja resistente, versátil e que apresente rapidez na reposição de peças. A disponibilidade de peças de reposição é muito importante, neste caso”, explica. Segundo ele, “Recife ainda não é uma capital com capacidade para atender ao volume de obras que está acontecendo no Estado do Pernambuco. Em alguns casos, nós ainda temos de mandar buscar peças em São Paulo e Belo Horizonte”.
A prioridade da empresa é concluir o trecho de Salgueiro, no interior pernambucano, até o porto de Suape, no Recife. Esse trajeto sai de Salgueiro, passa por Serra Talhada, Custódia, Arcoverde, Pesqueira (onde o desmatamento já está sendo iniciado), Caruaru, Gravatá e Recife. Os lotes têm, em média, 50 km de extensão.
Até o local onde estão, segundo o engenheiro Ricardo Pinto, houve poucas desapropriações, pois se tratam de terrenos de grande extensão e esse é um segmento da ferrovia que não passa muito próximo ou dentro de cidades. “Essa necessidade vai aumentar na medida em que os trilhos se aproximem de grandes centros urbanos, a partir de Arcoverde”, destaca Ricardo.
Clima e conformação geológica
O clima do sertão pernambucano também representa um elemento de influência no trabalho de terraplenagem e de abertura da pista para a passagem da ferrovia. “Na época da seca, lutamos contra uma quantidade de pó muito acentuada e temos de nos valer intensamente dos caminhões-pipas para manter a umidade da pista e amenizar os problemas causados pela poeira dispersa no ar, que afeta principalmente os filtros dos equipamentos”, afirma Luca Prado.
Em compensação, quando chove, o excesso de água pode ser outro problema, dependendo apenas do tipo de terreno em que os trabalhos se desenvolvem. Hoje
, por exemplo, depois de uma temporada excessivamente chuvosa, é possível encontrar verdadeiros rios ou lagoas em lugares em que nem se imaginava que poderia ter água. Há quem estranhe a quantidade e a dimensão das galerias de concreto para a passagem de água que foram executados, por ser uma região tradicionalmente seca. Mas, são recursos preventivos para os períodos de chuva, que são bem intensos e podem provocar muitos estragos, explicam os engenheiros.
“Em Arcoverde, por exemplo, está prevista uma escavação de grande escala, para a execução de uma galeria de concreto armado, para passagem de um rio. Essa estrutura será soterrada e, sobre ela, serão implantados os trilhos. Em Gravatá, haverá um túnel de 700 m e, em Pesqueira, uma ponte de 800 m”, lembra o encarregado de terraplenagem da Odebrecht, Benedito Oliveira.
As extensas movimentações de terra e as escavações são fundamentais para que se obtenha o nivelamento adequado do terreno para o assentamento dos trilhos. Uma ferrovia não pode ter inclinação maior que 1,5% e, quando o declínio atingir a essa porcentagem, deverá haver um aclive compensatório, para dar maior segurança no controle da velocidade do trem.
Para realizar as operações de abertura da pista e preparação do terreno para a passagem dos trilhos, foi preciso vencer tanto rochas sãs como fragmentadas, valendo-se de desmonte com explosivo, com controle de bitola do material. Tudo o que é retirado está sendo totalmente reaproveitado em aterros. Isso elimina a operação de bota-fora e de transporte de rocha para a obra.
Depois das atividades de escavação e terraplenagem, serão executadas as partes de superestrutura, com o lançamento do lastro, assentamento dos dormentes e fixação dos trilhos.
Na região de Salgueiro, está localizada uma fábrica de dormentes da Odebrecht para suprir as necessidades da Transnordestina, que é considerada a maior instalação do tipo no mundo. A previsão é que essa planta, em plena carga, produza perto de 5 mil dormentes por dia. O empreendimento, conta ainda com uma usina de britagem, com capacidade diária para a produção de 4,2 mil m3 de brita de lastro.
Responsabilidade socioambiental
“Esta é uma obra muito boa para a região, para o País e para o nosso crescimento profissional. Hoje, contamos com cerca de 150 engenheiros, mas já tivemos o dobro disso em outras fases”, destaca o engenheiro Lucas Prado. Segundo ele, visando suprir as necessidades da obra, foram trazidos muitos profissionais de empreendimentos que a Odebrecht vem desenvolvendo em outros estados brasileiros e também no exterior. Em média, os engenheiros e os principais encarregados de setores têm cinco anos de experiência.
Por outro lado, segundo o engenheiro Ricardo Pinto, “a empresa se preocupa tanto com a parte ambiental como com a social. Essa obra está trazendo desenvolvimento para a região e a melhoria da qualidade de vida para a população local. É possível perceber claramente que o comércio cresceu nas cidades por onde a ferrovia deverá passar, graças ao aumento do poder aquisitivo da população”.
A mão de obra é, praticamente, toda local. A construtora tem um programa estruturado de treinamento para operadores, carpinteiros, armadores e ajudantes. Além disso, há a questão de assistência social, em que se procura envolver as comunidades, dando o respaldo necessário e as informações sobre as obras e a importância da ferrovia. A Odebrecht investiu cerca de R$ 1,6 milhão no programa de formação de mão de obra.
Piauí
No Piauí a linha férrea possui 420 km, dos 1,72 mil km de extensão da Transnordestina, e vai ligar a região Sul do estado aos portos de Pecém e Suape, facilitando o escoamento da produção, inclusive dos Cerrados.
O traçado da ferrovia no estado passa pelos municípios de Eliseu Martins, Pavussu, Rio Grande do Piauí, Itaueira, Flores do Piauí, Pajeú do Piauí, Ribeira do Piauí, São José do Peixe, São Miguel do Fidalgo, Paes Landim, Simplício Mendes, Bela Vista do Piauí, Nova Santa Rita, Campo Alegre do Fidalgo, Paulistana, Betânia do Piauí, Curral Novo do Piauí e Simões.
*O jornalista viajou a convite da Case Construction Equipament, empresa que responde por grande parte das máquinas utilizadas na Transnordestina, por intermédio do distribuidor da Brasif.
Números da Transnordestina
· Capacidade para transportar 27 milhões t de carga por ano.
· 1.728 km de extensão. Sendo que 955 km são compartilhados com a Transnordestina Logística.
· 110 locomotivas (em 2020).
· 2.700 vagões (em 2020).
· 260 mil t de trilhos.
· 3,7 milhões de dormentes.
· Empregos gerados durante a construção: 70 mil.
· Empregos gerados: 550 mil (diretos e indiretos).
· 900 mil t de capacidade estática de armazenagem para grãos nos terminais portuários.
Fonte: Estadão