No berço do Rio São Francisco

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O início da expertise nacional na construção de hidrelétricas vem do "velho Chico", onde foram construídas as primeiras usinas com Engenharia genuinamente brasileira

Houve um tempo em que duvidava-se que a Engenharia nacional seria capaz de construir uma hidrelétrica. Mas isso começou a mudar com o projeto da hidrelétrica de Paulo Afonso, concebido pelo engenheiro Otávio Marcondes Ferraz, considerada a primeira usina fruto da engenharia nacional, e que enfrentou logo de cara um desafio: construir uma usina com casa de força subterrânea, algo inédito no País.
Embora o projeto fosse desejado há muitos anos, foi apenas na década de 1940, com Apolônio Sales à frente do Ministério da Agricultura, que o projeto de construir uma hidrelétrica de maior capacidade no local ressurgiu, visando a impulsionar o desenvolvimento da região com a expansão do Núcleo Agroindustrial de Petrolândia, em Pernambuco.
Em 1945 nascia a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), que passou a existir de fato apenas em 1948, quando foi iniciada a construção da hidrelétrica de Paulo Afonso, com o projeto elaborado pelo engenheiro Otávio Marcondes Ferraz, diretor Técnico da Chesf.
O professor Miltom Vargas trabalhava na época no Instituto de Pesquisas Tecnológicas(IPT) de São Paulo e foi, juntamente com o engenheiro e geólogo Ernesto Picheler, analisar o solo da usina. Como Vargas é da área de solos e o terreno era basicamente formado por rochas, a maior parte do trabalho ficou mesmo a cargo de Picheler, que desenvolveu um dos primeiros ensaios do mundo para determinar a natureza da rocha, pois na época existiam apenas algumas experiências desse tipo realizadas na Itália. O ensaio consistia em abrir um pequeno túnel na rocha, injetar água e observar as deformações.
A variação no nível de água no canyon do São Francisco representava um problema para a engenharia resolver. Se a usina fosse instalada em um ponto muito alto, a salvo das enchentes, haveria a perda de muitos quilowatts na capacidade de geração. Por outro lado, colocá-la em um ponto mais baixo para aproveitar melhor o potencial hidráulico demandava a construção de escudos envolvendo a usina. A solução encontrada foi construir a casa de força subterrânea, escavando na rocha uma caverna com 60 m de comprimento, 16 m de largura e 30 m de altura, capaz de acomodar três unidades geradoras de 60 MW. Todos os projetos, a construção e a montagem foram feitas pela equipe da Chesf. Os equipamentos foram fornecidos pela Westinghouse e a Morrison-Knudsen ficou encarregada de instalar duas linhas de transmissão para Salvador e Recife e as quatro primeiras subestações.
A velocidade e a profundidade das águas impediam o emprego de pranchas flexíveis, processo clássico para desvio do rio. Marcondes Ferraz então resolveu inovar e construir um caixão flutuante, em forma de navio, com 18 m de comprimento, 12 m de altura e 350 t. Com base em modelos reduzidos e testes em laboratório desenvolvidos pelo engenheiro André Jules Balança, o "navio" foi construído na França e durante o período de enchentes foi afundado no rio, criando assim uma área de águas calmas onde as pranchas flexíveis poderiam ser colocadas.
Mas essa solução, apesar de criativa, não re-solveu totalmente o problema, pois ainda havia a segunda fase de fechamento do rio e não era possível afundar outro "navio" porque o primeiro já provocara o aumento da força das águas. Marcondes Ferraz então resolveu usar estruturas enrocadas, mergulhadas no leito do rio.
O rio foi fechado em setembro de 1954 e em janeiro de 1955 o presidente João Café Filho inaugurou a usina, com a primeira das três turbinas operando. As outras duas unidades geradoras foram finalizadas e em setembro de 1955 a usina operava com seus 180 MW.
Marcondes Ferraz planejou ampliar Paulo Afonso em etapas. Com isso, na seqüência de Paulo Afonso I, já em 1955, começaram as obras de Paulo Afonso II, ao lado da anterior e aproveitando a mesma bacia, que incluiu a construção de mais uma tomada d’água e a casa de máquinas igualmente subterrânea, abrigando seis unidades geradoras, sendo três de 75 MW e as demais de 85 MW. A primeira unidade entrou em operação no final de 1961 e a usina foi totalmente concluída em 1968.
As obras de Paulo Afonso III foram iniciadas em 1966, abrigando quatro unidades geradoras em sua casa de máquinas subterrânea, cada uma com 216 MW. As duas primeiras unidades geradoras entraram em funcionamento em 1971 e as demais dois anos depois. Mas a construção desta usina também demandou soluções diferenciadas, porque a implantação da nova hidrelétrica implicava na demolição de uma barragem provisória com 108 m de comprimento. A proximidade com a casa de máquinas de Paulo Afonso I e II, as linhas de alta tensão, o reservatório e a cidade à jusante transformou-se em dificuldades para a engenharia solucionar.
Na década de 1980 foi iniciada a obra de Paulo Afonso IV. A usina surgiu de por conta de um questionamento sobre a vazão decamilenar, que segundo a Chesf seria de 26 mil m³/s., mas para o Banco Mundial era de 33 mil m³/s. Depois de muitas discussões a respeito, a Chesf decidiu construir um canal pelo lado direito do rio com capacidade de escoar 7 mil m³/s encerrando a questão.
Graças a uma modificação no processo construtivo previsto originalmente no projeto, substituindo o revestimento de concreto da abóbada por atirantamento profundo e utilizando também tirantes para chumbar as vigas de ponte rolante às paredes da caverna, que foram executadas ao nível do solo, acompanhando as escavações, foi possível acelerar as obras da usina. A solução dada para as vigas da ponte rolante, também utilizada em Paulo Afonso III, foi considerada tão eficiente que o Banco Mundial solicitou uma cópia do projeto executivo, visando seu emprego em outras usinas financiadas pelo banco.
A primeira turbina de Paulo Afonso IV, com 410 MW de potência, foi inaugurada no final de 1979 e as demais, totalizando 2.460 MW de capacidade instalada, entraram em operação em etapas, até que a usina estivesse totalmente concluída, em 1983. Na época, era a maior usina da Chesf e só perdeu essa posição em 1997, quando as últimas unidades geradoras da hidrelétrica de Xingó foram acionadas, totalizando 3 mil MW de potência instalada.
O projeto de engenharia da usina é da hemag, mas a Sofrelco fez o projeto dos diques. Já as obras foram iniciadas em 1973 pela equipe da Chesf e dois anos depois transferidas à Cetenco. A montagem mecânica, com exceção do vertedouro, foi realizada pela Tenenge e os condutos forçados ficaram sob responsabilidade da Mecânica Pesada e da Semi. A Ródio executou os serviços de sondagem e atirantamento da caverna.
No ano passado, a Chesf completou 60 anos consolidada como uma das maiores do setor elétri

co e investiu cerca de R$ 650 milhões em obras de transmissão, para ampliar sua ca

Fonte: Estadão


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