Estes temas são recorrentes e não são isolados. Nem sempre a globalização é entendida como um fenômeno econômico mundial. Há uma forte tendência a reduzir sua compreensão e tratativa, apenas ao avanço da informática e à comunicação instantânea ligando todas as pessoas do planeta. Este é um fato, real, que revolucionou e permanece alterando significativamente o comportamento social em todo o mundo. |
Faço um breve parêntesis para refletir sobre isto, tentando observar as conseqüências negativas à economia, trabalho e produção. Hoje em dia, a maior parte do tempo das pessoas é despendida em conversas frugais, talvez inúteis, por escrita virtual. Inicialmente usando o computador, depois, também um aparelho celular, dentro dos escritórios, sem que o empregador o detecte e perceba que o precioso tempo de sua equipe está sendo desperdiçado com assuntos estranhos à produção.
Fora do ambiente de trabalho, tenho observado um enorme declínio da educação e cultura, de jovens e adultos, em sua maioria mais que aficionados, quase que dependentes da virtualidade do enorme “lixo eletrônico” circulante na internet. A ortografia, o vocabulário, a gramática estão sendo excluídas dos anseios das pessoas, já atingindo as decisões governamentais, que, antes lenientes, hoje já propugnam sua conspurcação.
Há quase uma década, vivemos a apologia da ignorância. Isto é muito preocupante. Nossas crianças e adolescentes, vivendo nesse mundo lúdico, abandonaram a busca do conhecimento de “coisas chatas” como matemática elementar, língua pátria, ciências exatas, com evidentes prejuízos futuros, econômicos e sociais. Os poucos que, mais adiante, detiverem o conhecimento das matérias básicas, dominarão a sociedade, com sérios riscos de se tornarem discricionários.
Pois bem, evidentemente a comunicação simultânea através da internet propiciou e foi o instrumento eficaz para o surgimento da globalização. Mas o fenômeno real não é a interação das pessoas, é sim, aquele da quase subitânea migração dos capitais, antes detidos pelos estados no mundo, destes para os particulares. A grande concentração das riquezas, no domínio e gestão dos governos, foi pulverizada, mesmo que alguns conglomerados privados ainda os detenham em relativa larga escala. Ruíram os governos do leste europeu, não porque as populações de lá tenham se cansado do comunismo, mas porque os governos perderam a força que o capital outorga. Tampouco foi diferente no Brasil. O governo forte de 1964 a 1985, controlador de 80% da economia, através das companhias estatais, afastou-se, serenamente ante as injunções políticas, pelos mesmos motivos.
Neste quadro, sobreveio a crise econômica geral, e a nossa também, que perdurou de 1985 a 2005, período em que a informática saiu dos grandes centros de processamento de dados dos governos e das universidades, para os microcomputadores, um ou mais em cada lar. A meu ver, o alívio de 2005 para cá não significa o fim da crise. Os exemplos de grandes problemas econômicos em várias nações, são fortes indícios de que ainda está em evolução a globalização, tudo acontecendo sob os olhares parvos da atual população alienada e sob a atonia dos ainda instruídos que não conseguem compreender e agir para ajustar os rumos de tal fenômeno.
A Engenharia brasileira, gloriosa e proficiente no terceiro quartil do século passado, sofreu com a crise econômica. Infelizmente, quando se instala a crise, a engenharia é a primeira atividade a paralisar. As equipes formidáveis que compunham o sistema dispersaram-se. Os profissionais, em razoável maioria, buscaram outras ocupações para sobreviver.
Certamente os outros segmentos econômicos lucraram consideravelmente, em particular o bancário e financeiro, pois passaram a dispor de trabalhadores sem medo de fazer contas. Mas esse contingente envelheceu. Afinal, foram vinte anos de estagnação. Aqueles ainda vivos, em boa parte já estão aposentados. Os realocados já têm carreira consolidada noutro ramo. Dificilmente retornarão para atender à atual demanda, aparentemente florescente.
Porém, a parte mais cruel dessa história, é que não houve reposição de profissionais engenheiros no mercado em crise. Desapareceu o interesse dos jovens pelos cursos de uma profissão estagnada. A engenharia virou segunda linha de procura nos vestibulares. Por outro lado os estudantes vindos dos cursos secundários, chegaram na mais absoluta ignorância de aritmética, álgebra, geometria, física e química, matérias desde então desprezadas pelo ensino. Sobreveio a insopitável leniência nos cursos superiores e daí, a sofrível qualidade no preparo acadêmico dos engenheiros recém-formados. Mesmo no corpo docente, ainda que bem composto por professores instruídos, veio a ocorrer deficiências.
Na falta da atividade, os professores de hoje lecionam engenharia sem nunca terem pisado um canteiro de obras ou o chão de fábrica. Não há como culpá-los, mas o problema e muito profundo para vermos como fácil a rápida recuperação do corpo técnico brasileiro. Tampouco nos iludamos com o suprimento da área por profissionais estrangeiros. Por lá também grassou a crise. Não os há em quantidade e nem em qualidade suficientes para atender a demanda atual.
Deste modo, creio que precisamos encarar com realismo e denodo o problema que se apresenta. Primeiramente, porque é só um problema de alentadora demanda, portanto estimulante. E, em segundo lugar, porque é possível agir com eficácia, buscando prioritariamente a essência da formação técnica constituída pelas já citadas matérias de matemática, física e química, o que pode ser realizado em período de um a dois anos, para em seguida aplicá-las aos preceitos da engenharia. Por último, é fundamental que a classe aprenda a dura lição e venha a voltar ao prestígio das associações de engenheiros, foro adequado para discutir os problemas, alertar a sociedade dos riscos futuros e para preservar o conhecimento e evolução científica e tecnológica, patrimônio essencial, somente reconhecido como tal quando vem a faltar, a exemplo dos dias de hoje.
*Aluizio de Barros Fagundes é presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo (IE)
Fonte: Estadão