O Brasil ainda está longe de encontrar o caminho do “crescimento sustentado”, conforme o vocabulário de empresários, políticos e economistas. A distância pode ser calculada não em quilômetros, mas em volume de recursos. Para ele se aproximar do “crescimento sustentado” satisfatório, precisa aplicar pelo menos R$ 108,4 bilhões de investimentos em infra-estrutura todo ano, ao longo de dez anos, ininterruptamente.
Só assim, segundo estudos da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), poderão ser sanadas deficiências na geração e distribuição de energia elétrica, nos transportes – malhas rodoviária e ferroviária, portos, aeroportos, hidrovias -, saneamento e telecomunicações. Ao longo de 2007 os investimentos realizados corresponderam a 77,6% do volume necessário, todo ano. É possível que até final de 2008, o País haja aplicado 79,8% dos recursos considerados imprescindíveis.
O ritmo atual do crescimento é mantido pela demanda das commodities, investimentos privados em segmentos vitais da infra-estrutura, aceleração da expansão ou construção de novas plantas industriais, abertura do crédito, que proporcionou fôlego novo ao mercado imobiliário, e a fatores externos favoráveis. Na contramão, o governo continua a expandir gastos públicos e a aumentar a carga tributária, com risco de reduzir a competitividade das empresas. Simultaneamente, precisa prosseguir controlando rigorosamente a inflação que, no entanto, ameaça retornar, em parte revigorada pela “crise global dos alimentos”.
Mas se engana quem imagina o “crescimento sustentado” como uma condição isolada, específica, apoiada apenas nos investimentos, independentemente de outros fatores. Ele interage no conjunto de forças que mobilizam o País e requer planejamento e ações de curto, médio e longo prazo. Somente assim as distorções de toda ordem começarão a corrigidas.
Como obter o “crescimento sustentado” em ambiente social em que a violência urbana deixa a vida de todos por um fio? A morte de uma criança de quatro anos, metralhada numa rua do Rio de Janeiro, é um exemplo de que os cordões da segurança pública foram rompidos há muito tempo. Outros exemplos estão no dia-a-dia: a conivência de policiais com delinqüentes do narcotráfico nos morros cariocas e em outras regiões; os crimes financeiros pipocando em operações exóticas, de nomes exóticos, haja vista a Operação Satiagraha (“firmeza na verdade”) que levou banqueiros e até um ex-prefeito paulistano para a cadeia – mesmo que por um dia ou dois; a corrupção à solta em instâncias de governo e até em prefeituras de pequeno porte; a desenvoltura de políticos na apropriação do dinheiro público; os milhares de cargos comissionados, em detrimento de concursos públicos fiscalizados, e outras mazelas do gênero.
A raiz das distorções está no próprio Estado. Um exemplo disso é identificado em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou o sistema tributário brasileiro em relação à distribuição dos recursos na sociedade. Concluiu que boa parte dos tributos, sobretudo o ICMS e o IPTU – taxa ricos e pobres como se eles fossem absolutamente iguais. O ICMS arranca 16% da renda dos 10% mais pobres. Já dos mais ricos abocanha 5,7%. Resumindo: os 10% mais pobres têm 32,8% de sua renda destinados ao pagamento de impostos diretos e indiretos, enquanto os 10% mais ricos comprometem somente 22,7%. É por isso que, com base no trabalho do Ipea, se conclui: “O topo da pirâmide se apropria de 75,4% da riqueza nacional”.
Saindo da inércia
Apesar dos desajustes aqui apontados, o País se movimenta e está mudando, rompendo, enfim, um prolongado ciclo de estagnação. O presidente do Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon), empresário Luiz Fernando dos Santos Reis, vem atribuindo essa mudança à credibilidade obtida desde a época do governo anterior e que se fortaleceu na administração Lula da Silva, permitindo, nos últimos dois anos, acelerar os investimentos no desenvolvimento industrial. Em contrapartida, aumentou a necessidade da expansão e da recuperação da infra-estrutura do País.
O crescimento de que hoje tanto se fala, considerando-se os produtos que requerem processos mais sofisticados de elaboração, é visível na área siderúrgica, na qual as plantas industriais se encontram em ampliação, enquanto novos empreendimentos são anunciados.
No que diz respeito aos produtos primários, há um boom na área de mineração que está sacudindo o status quo: registra-se aumento da produção, implantação de novos projetos e de sistemas de logística. A indústria cresce com muita força em outros segmentos como, por exemplo, o de papel e celulose, com as modernizações e ampliação da Aracruz, a expansão da Klabin no Paraná e a construção da VCP no Mato Grosso do Sul. No agronegócio, novas fronteiras estão se abrindo, somando as culturas de alimentos com as de biocombustíveis.
Paralelamente, a subida desbragada do preço do barril do petróleo no mercado internacional, que até meados do mês passado estava no patamar, sempre mutável, de US$ 140,00, vem permitindo à Petrobras tornar viáveis projetos até então julgados anti-econômicos. Hoje, ela pode lançar-se à revisão de seus investimentos para 2020, expandir atuação integrada em refino, comercialização, logística e distribuição de gás; aumentar a participação no segmento petroquímico e preparar-se para romper a camada de sedimentos e pré-sal nos novos campos de petróleo descobertos.
Da mesma forma, ela pode cuidar de melhorias nas refinarias em operação e contratar a construção de refinarias novas, conforme programa estimado em US$ 43 bilhões. Atualmente estão em construção a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, prevendo-se a construção de mais três refinarias: uma no Ceará; a unidade de Guamaré (RN) e outra no Maranhão.
O PAC ameaça decolar
Nesse cenário, emergem as obras do governo listadas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): a transposição do rio São Francisco, obra polêmica que vem contentando os caciques políticos do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro; a Transnordestina, que só conseguiu rodar sobre os trilhos pouco mais de 100 quilômetros; as obras pontuais que vão avançando na BR-101, algumas sob a responsabilidade dos batalhões de engenharia do Exército e, dentre outras, as usinas hidrelétricas do rio Madeira (ver matéria nesta ediç&a
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No conjunto, são iniciativas que começam a decolar, mas cujo passo, moroso, às vezes empaca devido a uma grave falha técnica do governo federal: a falta de capacidade de gerenciamento.
No geral, o atual crescimento, acionado pelas obras privadas e, em câmara lenta, pelas obras do governo, têm absorvido a mão-de-obra disponível nas empresas da construção pesada, onde, hoje, não há capacidade ociosa. Luiz Fernando atribui esse fato menos ao volume de obras em andamento e mais à constatação de que “estávamos despreparados para esse nível de crescimento”. Explica-se: como a capacidade ociosa na engenharia era muito grande nos anos recentes, houve uma natural evasão de engenheiros para outras áreas, algumas das quais até muito diferentes da profissão para a qual eles estudaram e se preparam. Portanto, ao longo de mais de duas décadas sem investimento expressivo em obras de infra-estrutura, muitos cérebros migraram para outros campos. De forma que hoje, além da falta de profissionais preparados para o exercício da profissão, há escassez também de máquinas e equipamentos.
“Mas”, diz o presidente do Sinicon, “isso não é um fenômeno apenas de empresas brasileira nessa área. Em outros países há problemas semelhantes. Vários países europeus que mantêm empresas de engenharia operando no Oriente Médio, na África e Ásia, sobretudo na China, encontram disponibilidade de mão-de-obra, e quem precise adquirir máquinas e equipamentos, como guindaste de grande porte, infalivelmente tem de ficar na fila de espera aguardando seis meses e até um ano para ser atendido”.
Por conta desse fenômeno – o “apagão” de cérebros – a engenharia brasileira tem de repensar o papel do engenheiro ligado à produção. Luiz Fernando acha, que o mercado está pronto para absorver, não necessariamente o engenheiro “pleno”, mas igualmente o engenheiro que de imediato possa ser colocado na produção; um profissional preparado a curto prazo capaz de exercer o seu talento e capacidade no dia-a-dia das obras.
Além disso, esse seria o momento de se repensar também a área da engenharia consultiva, cujas equipes precisam ser ampliadas e capacitadas a elaborar um volume maior de projetos afinados intimamente às especificidades brasileiras. Assim, o governo não poderá alegar que não vai licitar obras por falta de bons projetos.
Onde estão as vulnerabilidades
A área da infra-estrutura tem alguns gargalos, uns mais críticos do que os outros. Para a construção pesada, no entanto, os pontos mais vulneráveis estão no saneamento e na logística.
O saneamento é crítico porque repercute de imediato na área da saúde. E muita coisa aí deixa de ser feita porque esbarra no obstáculo das licenças ambientais. Em geral – e não apenas refletindo a situação do meio ambiente – tem-se deixado de empreender e executar obras prioritárias diante da perspectiva da agressão ao meio ambiente. Diz Fernando dos Santos Reis: “Ninguém, às vezes, reclama da devastação perpetrada pelas moradias construídas em áreas de risco, nas periferias, e até nas proximidades das áreas de proteção dos mananciais. Mas quando uma indústria pretende se instalar em algum local, implantando projeto que vai empregar mão-de-obra, puxar desenvolvimento, e prevendo medidas destinadas a evitar ou a reduzir impactos ambientais, há uma gritaria generalizada e a burocracia dificulta e retarda a concessão da licença”.
Exemplo dessa observação do presidente do Sinicon é a usina hidrelétrica de Estreito, no Tocantins. O próprio ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, estava a reconhecer, por esses dias, que em qualquer outro país do mundo a licença para uma obra desse tipo é liberada em seis meses; no máximo, em um ano. Somente no Brasil ela demora até cinco anos para ser concedida.
Os defensores do meio ambiente, que devem ser respeitados e reconhecidos pelo ideário com que trabalham, deveriam, segundo o raciocínio setorial, considerar que a solução dos gargalos na infra-estrutura não pode ser postergada por conta da burocracia emperrada, monótona, do poder público. Se a obra é reconhecidamente importante e foi licitada segundo as leis que regem o processo, é de supor-se que não deva nem possa ser embargada.
O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público devem ter em mãos instrumentos capazes de serem acionados diante de qualquer indício de irregularidade. Quem sabe, devam receber a garantia de que o poder público seja ressarcido, na hipótese da constatação de alguma ilegalidade. O que não se concebe é que uma obra, planejada, detalhada e licitada, seja iniciada e, depois, suspensa por um, dois, três, cinco anos, por causa de indícios de maracutaias que dependem de apuração. A sociedade, nessa linha de raciocínio, não pode pagar pelos prejuízos de obras paralisadas.
O outro segmento que continua a ser um calcanhar-de-aquiles na área da infra-estrutura é a logística, mais especificamente a logística portuária. Continua válida, nesse caso, uma antiga frase, corrente no meio empresarial, de que a indústria brasileira é competitiva até a porta da fábrica; daí em diante perde fôlego, pela dificuldade em chegar ao porto, uma vez que faltam estradas e ferrovias. Por isso, lembram o exemplo da Vale. E o presidente do Sinicon afirma: “A Vale é competitiva. É que, além de empresa mineradora, é também uma excepcional empresa de logística”.
O mérito do presidente Lula da Silva
O presidente Lula da Silva tem um mérito, entre outros. Aos poucos, com o Programa de Aceleração do Crescimento, esse mérito vai se revelando com maior visibilidade: não tem feito obras novas; apenas dado andamento às obras antigas.
Quais são as obras novas empreendidas no cenário brasileiro atual pelo presidente Lula? Com uma lupa pode-se identificar uma ali, outra mais adiante. No geral, aquelas listadas no PAC são de anos, até décadas passadas. Nesse ponto, há uma falta de sintonia entre ele, que gosta de comparar-se a Juscelino Kubitscheck (ver matéria à pág. ) e o presidente que construiu Brasília e pôs em prática o Plano de Metas elaborado por Celso Furtado. É que, enquanto JK abriu fronteiras, construindo obras novas, Lula só vem cuidando, majoritariamente, de obras de governo anteriores. Caso ele estivesse se empenhando em empreendimentos novos, grandes obras prioritárias, de que são exemplos as usinas do rio Madeira, poderiam, mais uma vez, ficar para as calendas gregas.
A expectativa, segundo o presidente do Sinicon e de outros empresários, é de que ele continue assim, empenhado nas obras listadas no PAC e, simultaneamente, na contratação de outros projetos importante para erradicar os gargalos da infra-estrutura. Os empresários dizem esperar que se consolide a cons
ciência segundo a qual as obras necessárias ao crescimento brasileiro, não pertencem aos governantes de plantão, mas ao Estado e, portanto, não podem ser descontinuadas, sob a pena de causarem prejuízos enormes à sociedade.
Fonte: Estadão