Embaladas pelo nível de contratações da Petrobras e pelo pré-sal, indústria nacional e empresas de engenharia apostam no mercado futuro
Osalto tecnológico que a Petrobras deu em pesquisa e desenvolvimento foi acompanhado por empresas brasileiras e seus respectivos profissionais que se dedicam a desenvolver produtos e serviços com base nas concepções dos técnicos do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Paula (Cenpes), da estatal. Por cinco anos consecutivos, a companhia está entre os oito maiores investidores em pesquisa e desenvolvimento da indústria de óleo e gás do mundo. Foram US$ 900 milhões em 2008 e 2009.
Ao levar à frente a política de exigência de conteúdo nacional cada vez mais crescente em seus empreendimentos, a Petrobras conquistou a posição de indutora da expansão da indústria nacional, "pois além dos desenvolvimentos de equipamentos e materiais, possibilita que muitas empresas busquem associações com empresas estrangeiras. Há uma migração importante de empresas do exterior em torno do Cenpes e na região da Bacia de Campos", diz Guilherme Pires de Mello, diretor de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e diretor de Operações da Techint.
Fornecedores internacionais têm se instalado no parque tecnológico da Cidade Universitária na Ilha do Fundão (RJ), onde ficam as instalações do Cenpes, como a Schlumbergern e a Baker Hughes, prestadoras de serviços especializados para exploração e produção, e a FMC Technologies, fabricante de equipamentos marítimos para produção de petróleo. "Temos informações de diversas outras com planos semelhantes. Nosso intuito é que elas se instalem no Brasil com atividades de pesquisa, para que não tenham somente fábricas, mas também pesquisas em parceria com a Petrobras e com universidades brasileiras. Na prática, com cada uma dessas empresas a Petrobras construiu uma carteira de projetos de pesquisas em conjunto, onde em conjunto aportamos dinheiro, recursos humanos e pessoas", explica Carlos Tadeu da Costa Fraga, gerente executivo do Cenpes.
E é a criação de parcerias com universidades brasileiras e a reprodução no Brasil dos laboratórios que antes usava no exterior, que colaboraram para dar origem a um parque tecnológico nacional de ponta. Carlos Fraga explica que está sendo desenvolvido o que chama de "relações intelectuais mais intensas", com o desenvolvimento de pesquisas em conjunto e a criação, por parte das empresas estrangeiras, de centros de pesquisa no Brasil. "É um movimento que a imprensa tem batizado de a criação do Vale do Silício do pré-sal", comenta. Por extensão, esse movimento aplica-se também à área de refino, gás natural, biocombustível e meio ambiente.
Águas profundas
O desenvolvimento de produtos e serviços para exploração em águas profundas, incluindo, por exemplo, produtos como as árvores de natal molhadas (conjunto de válvulas instalado sobre o solo oceânico, que controla a pressão e a vazão de poços submarinos), também decorre de parceria das empresas com o Cenpes. Para Guilherme Mello, "o pré-sal abre importante campo de negócios para ser desenvolvido com grande valor agregado: tecnologia de ponta. As perspectivas para o País são muito boas", afirma.
Em sua análise, ressalta o fato de que as empresas brasileiras que atuam na área de petróleo e gás, em sua maioria, estejam associadas a estrangeiras. "Gera desenvolvimento e emprego de qualidade", afirma, acrescentando que isto se deve à Petrobras e ao Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Promimp), para fortalecimento da indústria nacional de bens e serviços da área, visando ao aumento de sua participação para atender à demanda nacional e externa, o que acelerou o processo de transferência de conteúdo para a engenharia nacional.
"É uma via de duas mãos: as estrangeiras têm interesse porque o Brasil tem demanda de produtos e serviços e nós de que tragam tecnologia". Como resultado do trabalho do Cenpes e da Petrobras, várias indústrias e empresas de engenharia já têm capacitação tecnológica para atender ao alto nível exigido, inclusive na área de transporte de petróleo e gás, envolvendo etapas como perfuração, captação e exploração, atendendo a toda a cadeia (upstream e downstream): tubos, válvulas, estações de bombeio, etc. "Alguns itens ainda são adquiridos lá fora, mas é questão de tempo", diz. Na área de gás, destaca a instalação do Gasene (Gasoduto da Integração Sudeste-Nordeste) e do Gasduque (Gasoduto de Duque de Caxias), com instalações complexas, que foram de grande desafio operacional, com dutos de grande porte e para suportar altas pressões.
Desafio
A Abemi tem participado de missões brasileiras no exterior, como a que foi à China em 2009, objetivando associações estratégicas. "As entidades levaram representantes da indústria para reuniões face a face com empresas locais e já há ofertas de equipamentos para sondas de perfuração e pórticos de grande porte para a montagem de estaleiros", informa Mello.
Diante desse cenário, o desafio é manter a política de conteúdo nacional e o nível de investimento. "Isso demanda continuar o processo de qualificação profissional e, dentro do marco que vivemos, tornar ágeis o suficiente os licenciamento ambientais para as indústrias e estaleiros. É um processo que não é simples". Em sua visão, o setor corre perigo de se desestruturar, com o intervalo entre o PAC I e a maturação e o desenvolvimento dos projetos do PAC II. "Temos de garantir a continuidade, pois temos pessoal altamente qualificado e equipamentos. A preocupação é manter a capacidade instalada".
Cenário é otimista
Uma das empresas parceiras da Petrobras no fornecimento de produtos e serviços é a Jaraguá Equipamentos Industriais. Criada em 1957 para atender às necessidades da Petrobras em termos de equipamentos, ao longo dos anos formou uma relação muito próxima com a companhia, caracterizando-se pela posição de pioneirismo em relação ao desenvolvimento de materiais especiais.
"Há diversos desenvolvimentos, como equipamentos com aços especiais de alta resistência, como Clad e super duplex", informa Cristian Jaty Silva, co-presidente da empresa e diretor de Fabricação da Abemi. Ele explica que conseguir fabricar equipamentos com essas ligas especiais requer tecnologia especial, pois são ligas
muito sensíveis a trincas.
Para o executivo, o pré-sal irá requerer, ainda, a criação de uma nova linha de produtos, de modo a "evitar acidentes como o atual no Golfo do México, onde o material especial não resistiu às condições de uso, provavelmente foi uma válvula trincada ou corroída. No pré-sal os poços são ainda mais longos e o petróleo os gases são altamente corrosivos, o que demanda cuidados ainda maiores no desenvolvimento de produtos adequados, que resistam às condições físico-químicas do petróleo e das profundidades".
Na concepção, os equipamentos a serem usados pela Petrobras no pré-sal são os mesmos que usa nos campos tradicionais, "Trata-se de uma grande oportunidade para a indústria brasileira, porque desenvolverá tecnologias que são novas no mundo e poderá fornecê-las posteriormente para outros pré-sais. O desenvolvimento conjunto indústria-Petrobras será cada vez mais intenso. As empresas mais rápidas terão um diferencial", diz.
Jaty Silva lembra que a engenharia brasileira havia sido desmobilizada nos anos 1980 e hoje já formou muita gente na área de petróleo e gás. "Há 30 anos não se construía uma refinaria – Revap (Refinaria Henrique Lage) foi a última. Hoje estão sendo feitas quatro simultaneamente: Rnest (Refinaria do Nordeste ou Abreu e Lima), Premium I (Refinaria do Maranhão), Premium II (Refinaria do Ceará) e Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro).
"A indústria tem esperança de que essa onda a recoloque em posição de destaque como no passado. A questão do conteúdo nacional exigido pela Petrobras para seus fornecedores garante a chance de recuperar a competitividade por falta de investimento nos últimos anos. Para a Petrobras, seria cômodo e mais barato importar equipamentos, mas ela faz questão de dar oportunidade às empresas brasileiras. Por isso, a indústria nacional não pode se acomodar. Deve investir, treinar pessoas, lançar produtos, pois hoje há um cenário de 20, 30 anos com o pré-sal", conclui.
Fonte: Estadão