Orçamentos de obras públicas, uma obra de ficção

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Carlos Brizzi

No Brasil, a maioria das licitações de obras públicas é de empreitada por preço unitário e os orçamentos dessas obras, que deveriam ser pecas técnicas de engenharia não o são na sua maior parte, porque não atendem completamente à legislação em vigor, com uma demanda maior que a oferta à aceitação desse orçamento pelo mercado é quase obrigatória, induzindo assim os futuros contratados a ficarem à margem das exigências legais. A administração pública tem a obrigação e o dever de orçar as obras no menor custo possível, porem precede á confecção deste custo o estudo, a escolha da tecnologia e de métodos executivos VIÁVEIS. Seguir os projetos, suas especificações e na falta de alguma informação adotar critério coerente e factível para essas estimativas orçamentárias, pensar na futura execução dentro das Normas Técnicas e da legalidade, contemplando a totalidade e especificidade dos serviços e sub-serviços necessários à total e completa execução da obra. A seguir, a lista de algumas importantes omissões em orçamentos de obras públicas:

1 – Editais com orçamento sem registro da responsabilidade do profissional – confEa/crEa – Habilitação profissional.

Os orçamentos contidos nos editais não são assinados por profissionais habilitados, com seus respectivos registro no CREA e tampouco constam as Anotações de Responsabilidade Técnica (Arts) de cargo e função perante o CREA. Registre-se que a LDO de 2009 já está exigindo a ART.

2 – orçamentos não contemplam Todos os custos necessários – lei 8.666 e suas alterações, art. 7º, parágrafo 2º, item ii e parágrafo 4º.

Os orçamentos, na sua maioria, não contêm planilhas que expressem e componham TODOS os seus custos unitários e muitas vezes os quantitativos dos serviços principais não correspondem às previsões reais do projeto básico (plantas) e principalmente, os quantitativos, dos sub-servicos necessários à execução dos serviços principais, são sub-dimensionados ou não constam na planilha. Somando-se a isso, muitas das composições escolhidas não condizem, na sua totalidade, com as especificações dos serviços e nem a peculiaridade de cada local onde serão realizados os trabalhos, que muitas vezes implicam em produtividades mais baixas e/ou necessidades especiais de trabalhos e/ou serviços em horários extraordinários.

3 – Orçamentos não contemplam as determinações dos acordos sindicais – lei 7.418/85, acordo sindical, artigo 166da clT, nr-6, e lei 8.666, art. 12, item vi.

Os orçamentos não contemplam vale-transporte, vale-refeição, café da manhã, seguro de vida, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), tais como capacetes, botas, máscaras, etc., e SECONSI que é um projeto de responsabilidade social do Setor, que presta serviços gratuitos de saúde, educação e lazer ao trabalhador, itens fundamentais para melhoria de vida e segurança do trabalhador, mas que demandam contribuição do empregador chancelado em acordo sindical .

4 – orçamentos com Epcs com quantidades insuficientes – Lei 8.666 e suas alterações art. 12, item VI.

Os orçamentos não contêm – ou contêm em quantidade insuficiente – os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs), fundamentais para a segurança do trabalhador e do público que transita nos locais das obras, tais como plataformas de proteção a transeuntes, cercas passarelas etc.

5 – projetos básicos com elementos insuficientes para orçamentação – lei 8.666 e suas alterações, art. 6º, item ix.

Os orçamentos são baseados em projetos básicos que não contêm um conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão, para a caracterização da obra objeto da licitação e que possibilitem a avaliação do seu custo com a definição dos métodos construtivos e dos prazos de execução.

6 – orcamentos não contemplam as exigências do ministério do trabalho – in 0003/05 ministério do Trabalho.

A grande maioria dos orçamentos não contemplam a implantação dos canteiros de obras e suas instalações de acordo com as exigências legais, com espaços e equipamentos insuficientes, mal dimensionamento de: escritórios, almoxarifados, ferramentaria, local apropriado para estocagens de combustíveis, locais para troca de roupa e armários, chuveiros, vasos, mictórios, área de refeitório etc. que são vitais para a saúde, ambiência e conforto dos trabalhadores.

7 – orçamentos com administração local insuficiente – confEa/crEa e acórdão TCU no 325/07.

Os orçamentos não contêm – ou contêm em quantidades insuficientes – a administração local em planilhas abertas e transparentes, com engenheiros nas modalidades exigidas pelo CREA, técnicos de construção civil e de segurança, médicos quando assim for necessário, mestres de obras, encarregados, vigias, pessoal de limpeza para a perfeita higiene dos locais, compatível com as necessidades de ordem técnica e da gestão responsável, considerando-se a complexidade técnica, extensão, prazo, localização, planejamento, controle, medição, qualidade, segurança do trabalho e patrimonial.

8 – faltam compatibilização entre as diversas peças do edital – lei 8.666 e suas alterações.

Não existe uma compatibilização entre o que é projetado, especificado, o que consta no memorial descritivo e o que é orçado. O projeto básico e o orçamento são simples, enquanto as especificações e o memorial descritivo são complexos, o que somados ao contrato geram obrigações contratuais de um rigor desproporcional á sua contrapartida no orçamento.

9 – orçamentos não contemplam as exigências legais -ABNT (associação Brasileira de norma
s Técnicas) e exigências ambientais
.

Os serviços orçados não contemplam – ou contemplam em quantidades insuficientes – as exigências contidas nas Normas Técnicas e as exigências ambientais. Por exemplo, valas escavadas com profundidades acima de 1,25m devem ser escoradas para segurança do trabalhador, e o bota fora só deve ser feito para locais licenciados.

10 – orçamentos com preços com data base defasada – lei 8.666 e suas alterações, art. 40, item xi, e lei 10.192/01.

Os orçamentos das obras devem ser atualizados o mais próximo possível da data da divulgação do edital, e o contrato deve contemplar reajustes após 12 meses da data base do orçamento. Isto é o correto. Redigir editais e contratos do tipo adesão de forma diferente é auferir vantagens indevidas para a administração pública, diminuindo os preços do contratado, aviltando e desequilibrando-os, pois reajuste não é aumento, e sim recuperação do valor real da moeda. Esse é o entendimento original da lei, desvios de interpretação do tipo, só reajustar após doze meses da data base do contrato, estando o preço base do orçamento defasado em relação a este contrato, não tem a mínima lógica, ou pior, o contratado assume o preço base, completamente defasado, da data da proposta ou do contrato obrigando-se a trabalhar com desequilíbrio econômico financeiro, nos primeiros doze meses, de 10% a 15% do nível de inflação de hoje.

E quais são as conseqüências de todas essas omissões?

Este sistema gera um jogo em que todos perdem. A administração pública perde com obras paradas e ás vezes de qualidade questionável. As empresas do setor perdem, com obras paralisadas ou pelo seu sucateamento, muitas vezes seguido de falência. A maioria das empresas sucumbe antes de completar cinco anos, algumas chegam a 10 ou 15 anos, mas são raras as que ultrapassam 20 anos, enfraquecendo um segmento que constrói este País, e é importante indutor de crescimento e de distribuição de renda para os menos favorecidos.

E como transformar essa peca de ficção em realidade?

Nestes novos tempos, o interesse das empresas está inexoravelmente ligado ao interesse da administração pública e, consequentemente, ao da população. As empresas, representadas por suas entidades de classes, devem interagir de forma absolutamente transparente com os Governos, CREA e Tribunais de Contas, no sentido de estabelecer procedimentos para elaboração de orçamentos de obras públicas, que seria precursores de uma Norma Técnica para “Confecção de Orçamento de Obras Públicas”. Na prática, poderíamos iniciar com uma listagem completa, contendo todos os possíveis centros geradores de custos, como: o terreno em que se localiza a obra, logística de apoio, instalações e implantação do canteiro, administração mensal, equipamentos de proteção individual e coletivo, custo para o funcionamento e manutenção do canteiro e da obra, necessidades extra canteiro, tais como: licenças, ARTs, seguros, cauções, etc., todos os serviços e sub-serviços necessários à execução completa da obra divididos por tipologia de obras mais usuais, serviços especiais, manutenção pelo prazo exigido no contrato e toda a demanda criada por exigência do edital e contrato Esses centros geradores de custo, contendo cada um uma listagem, tipo “CHECK LIST”, de serviços possíveis, devem ser cuidadosamente analisados e quantificado pelo profissional, que irá decidir quais deles estarão presentes no orçamento em elaboração.
Para se obter bons projetos e orçamentos corretos é necessário que haja tempo para desenvolvê-los compatível com a complexidade de cada obra, sendo exatamente o que hoje não existe, pois quando o recurso é viabilizado, o projeto e o orçamento são executados da noite para o dia sem tempo suficiente para os profissionais desenvolverem um trabalho de bom nível técnico, na maioria das vezes adapta-se, de uma forma completamente não técnica e inconsistente, mutilando completamente o orçamento, a obra ao recurso disponível. Para mudar isto é necessário que os Governos pensem no futuro das Cidades, dos Estados e do País, como?

Com Um plano diretor de obras com visão de futuro.

Os governos Federal, Estadual e Municipal separadamente devem desenvolver ações em conjunto com os setores interessados, de forma absolutamente transparente, e amplamente discutidas com a sociedade civil, para desenvolver um “Plano Geral de Obras” com prioridades de curto, médio e longo prazo de acordo com as necessidades locais e de suas responsabilidades constitucionais, com isso os governos subseqüentes concentrariam o foco em tocar esse plano de obras da sociedade civil.

Ter estoques de projetos aprovados E orçados.

Desenvolver com a própria equipe ou contratar escritórios especializados para os projetos do plano, aprová-los nos órgãos competentes e orçá-los com tempo adequado, ficando com um BANCO DE PROJETOS, aprovados e orçados, na dependência da disponibilidade e oportunidade orçamentária e, assim, mudando o luxo prejudicial hoje estabelecido:
Fluxo hoje

Verba >> Encontrar necessidade >> Desenvolver projeto >> Orçamento/adequação à verba disponível >> Licitação >> Contrato

Para

Plano diretor de obras >> Desenvolver projeto >> Orçamento >> Disponibilizar verbas >> Licitação >> Contrato

A escolha do profissional de orçamento.

A escolha do orçamentista é de fundamental importância, devendo o mesmo estar profissionalmente habilitado, registrar a ART perante o CREA. Seu nome e identidade profissional devem estar claramente identificados no orçamento do edital. Esse profissional deve ter tido vivência em canteiro de obras, ter experiência do tipo de obra que está orçando ou estar devidamente assessorado, quanto mais inconsistente for o projeto básico mais experiência deve ter o orçamentista, alem de ter conhecimento das Normas Técnicas, das leis Federais, Estaduais e Municipais referentes às atividades de construção e, é claro, ter uma remuneração condizente, pois profissionais competentes, realistas, equilibrados e com mais acertos que erros nos seus orçam
entos tem seu nicho no mercado de trabalho.

Apoio ao setor de orçamento.

Para que esses profissionais desenvolvam um serviço adequado, eles devem ter um tempo para orçar compatível com a complexidade de cada projeto. Cada obra é única e o seu valor SÓ PODE SER o resultado de um trabalho técnico específico e, é necessário que eles tenham condições mínimas de trabalho tais como:

A – Arquivo com todas as Normas Técnicas e leis Federais, Estaduais e Municipais, de sua região, que normatizam o Setor;

B- Computador com configurações adequadas;

C- Programas de computador para levantamentos, cálculo do HH (hora homem), histogramas, orçamento, etc.;

D- Banco de dados com catálogos de composições e preços que explicite todo critério adotado, fornecidos por empresa que tenha IDONEIDADE reconhecida no mercado;

E- Projeto executivo ou projeto básico, desenvolvido por profissionais ou escritórios de reconhecida competência e orçável;

F – Ter tempo e condições para visitar o local das obras com um check-list para levantamentos das necessidades locais;

G- Tantos ensaios quanto forem necessários para cumprir as Normas Técnicas e o perfeito dimensionamento dos quantitativos dos serviços.

Procedimentos interligados de projetos, setor orçamento e setor de obras.

O conceito de cliente interno é bastante aplicável, o projeto e a especificação devem ter elementos suficientes para que se faça um orçamento correto e se execute a obra, o orçamento deve conter todos os itens para a execução total da obra. O setor de orçamento deve aprovar o projeto, assim como o setor de obras deve aprovar o orçamento.

Setor de licitação E jurídico.

O edital e o contrato nele contido devem ser redigidos de forma a resguardar os direitos da Administração Pública, porém há que se ter correção entre o direito e deveres do contratante e contratado, já que é um contrato de adesão. Redações tipo: “No preço estão contidos todos os custos obrigatórios ou necessários à composição do objeto deste contrato” ou “A empresa executora é responsável por qualquer custo necessário ao fiel e integral cumprimento do objeto deste contrato” traduzem-se em “Tudo o que não foi orçado, foi orçado a menor ou foi orçado errado são de responsabilidade do contratado”.
Essas frases configuram uma tentativa de colocar obrigações de uma obra por preço global em uma licitação sob o regime de empreitada por preço unitário. A lei 8666, e suas alterações, proíbem alterar as planilhas de quantidades da licitação ou ofertar preço global acima do orçado pela Administração Pública, portanto não é possível incluir esses custos e, a transgressão a esses itens desclassifica a empresa. Em obras do tipo empreitada por preços unitários “TODO SERVICO EXECUTADO DEVE SER REMUNERADO”, previsto ou não em planilhas, porem necessário a perfeita e completa execução da obra.
BDI genérico e sem qualquer lastro técnico específico da obra, falta de empenhos durante a execução, gerando outra mobilização e desmobilização sem ressarcimento das despesas de manutenção do canteiro, pagamentos atrasados sem considerar a correção e multas contratuais, são itens que agravam ainda mais a execução das obras públicas, gerando desrespeito ao contrato e insegurança jurídica.
Esse arsenal de problemas e suas soluções geram muitas histórias mal contadas sobre empreiteiros de obras públicas, algumas até transformadas em “Lenda Urbana”, Entretanto o que a maioria das empresas mais deseja é um ambiente propício ao empreendedorismo, trabalhar muito, de quatorze a dezesseis horas por dia, seguindo as Normas Técnicas e respeitando as exigências legais. Auferir lucros? SIM, com muito trabalho, produtividade e gestão competente para investir em pessoas, sistemas, tecnologia, equipamentos, projetos sociais e distribuir lucros, com isso, não só garantindo a sobrevivência, como o crescimento e perpetuando-se.
Carlos Brizzi é presidente da Comissão de Obras Públicas do Sinduscon-Rio e diretor administrativo-financeiro da Aeerj.

Fonte: Estadão


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