Dois trechos de um transportador de correia de longa distância da Vale haviam sido destruídos por conta do rompimento da barragem de Fundão, em 2015, interrompendo a única via de transporte de minério de ferro entre a mina de Fábrica Nova e a usina de Timbopeba, no Complexo de Mariana (MG).
Para reestabelecer a operação era necessário superar os desplacamentos de novos volumes de rejeito e instabilidade da área toda, com uma solução que não necessitasse de apoios intermediários
dentro do vale, nem mesmo acessos temporários para obras.
A proposta desenvolvida foi de construção de uma ponte pênsil de 302,4 m de vão livre, entre as torres Norte e Sul que medem 30 m de altura. Um deck de 4 m de largura suporta o transportador
de correia de 3.600 t/h de capacidade com passadiços em ambos os lados. Cabos principais com 50 mm de diâmetro conectam as duas torres diretamente com pendurais de 19 mm, espaçados 7,2
m entre si, e esses se conectam aos deck; e cabos de vento de 50 mm proporcionam rigidez lateral ao deck.
Em vão livre, a ponte pênsil já instalada e em operação é a segunda maior desse tipo no país – a primeira é a Hercílio Luz, em Florianópolis (SC).
Alternativas
O processo de definição da solução técnica passou por um período de amadurecimento do escopo e premissas desde o conhecimento do problema até a contratação. A extensão do vão a vencer
na área impactada pelo rompimento da barragem ainda não era bem conhecida no início, nem algumas restrições locais.
As quatro alternativas discutidas para superar o problema (ponte pênsil, cable bridge conveyor, ponte estaiada e flying belt) foram avaliadas em uma matriz de pontuação, dando peso para
vários quesitos técnicos, tais como: histórico de aplicações similares, peso das estruturas, dificuldade de construção, deslocamentos máximos laterais, trabalhos de infraestrutura necessários, prazo de implantação, porte de equipamentos para montagem, maturidade da tecnologia e preço.
Cada opção apresentou suas vantagens e desvantagens para a obra em questão, que acabou escolhendo a ponte pênsil proposta pela TMSA em parceria com a Cowi. O processo concorrencial privilegiou a solução técnica, tendo sido respeitado ao longo de todo o processo a confidencialidade entre os concorrentes. Aproveitou-se os estudos para se aprofundar a análise das demais alternativas em fase de proposta, que apesar de não terem sido escolhidas para

esse projeto, se credenciam como soluções técnicas viáveis para novos projetos que demandam a travessia de grandes vãos.
Através da parceria formada pela TMSA (especialista em projeto e fornecimento de equipamentos de manuseio de granéis sólidos) e a Cowi North America (especialista de em projetos de pontes
pênseis) foi desenvolvida uma solução adequada para o problema, visando a reconstruir os equipamentos e reestabelecer as operações do Complexo Mariana.
A solução inovadora foi feita para atender aos requisitos operacionais de um transportador de correia, especialmente em relação aos deslocamentos horizontais máximos, e evitando a necessidade
de supressão vegetal.
Assim, foi projetada uma ponte pênsil com 302,4 m de vão livre e um deck (tabuleiro) de 4 m de largura que serve de suporte a um transportador de correia de 3.600 t/h de capacidade e velocidade de 4,2 m/s, com passadiço em ambos os lados.
Duas torres, Norte e Sul, de altura de 30 m, conectam os cabos principais com função portante compostos por dois conjuntos de cabos, Leste e Oeste, com 3 x 50 mm cabos de aço especiais de
alta resistência, de 50 mm de diâmetro, que se conectam ao deck através de 76 cabos pendurais (ou hangers) de 19 mm de diâmetro, espaçados entre si em 7,2 m. Cabos backstay, com a mesma configuração, se conectam no topo das torres até as ancoragens em solo, complementando o sistema de cabos com função portante. Cabos de vento, com função de dar rigidez lateral ao deck, similares aos cabos principais, mas em planta, também com cabos de 3 x 50 mm de diâmetro, conectam-se ao deck através de 32 cabos estabilizadores de vento (ou windstays) , com 19 mm e 30 mm de diâmetro, espaçados entre si de 14,4 m.
Os apoios em solo do deck possuem características particulares, sendo articulados e deslizantes, dando o grau de liberdade necessário aos deslocamentos da ponte, em especial durante o regime
transiente de carregamento e descarregamento, porém mantendo o alinhamento necessário com o transportador em solo através de batentes que limitam seu deslocamento lateral. No ponto mais
alto, a ponte se encontra a 60 m de altura do solo.
Fundações
As fundações foram projetadas e construídas para atender a três grupos diferentes de exigências: oito fundações profundas para o sistema de cabos, tanto cabos principais quanto cabos de
vento, com estacas inclinadas para resistir aos esforços predominantemente horizontais de tração; quatro fundações profundas para o pedestal das torres, com estacas na sua maioria verticais
para resistir aos esforços de compressão; e quatro fundações diretas, para apoio dos decks nas extremidades norte e sul.
A dimensão dos maiores blocos é de 5 m x 4,8 m por 1,6 m de altura. As estacas possuem comprimento de 9 a 32 m de profundidade, diâmetro de 41 cm, sendo o comprimento total de estacas
construídas da ordem de 2.500 m.
Destaca-se que para instalação dos chumbadores nos blocos de ancoragem do sistema de cabos foi aplicada uma protensão de 90 t em cada um dos 8 chumbadores, totalizando 720 t, de forma a
manter comprimida a placa de ancoragem contra o seu respectivo bloco, e se evitar deslocamentos na placa base de ancoragem da estrutura quando os cabos começam a ser tracionados.

Projeto
Durante o desenvolvimento do projeto, foi identificado que a geometria inicial proposta não poderia ser implementada, em virtude da interferência das ancoragens dos cabos de vento com a
mata, incorrendo em necessidade de supressão vegetal.
De forma a obter a devida rigidez transversal na ponte, era necessário que todo o comprimento do deck fosse “estaiado” pelos cabos de vento, limitando os deslocamentos horizontais sob incidência de vento transversal. Dessa forma, o projeto inicial previa a ancoragem dos cabos de vento alinhadas com as torres em ambas as extremidades.
Porém, em virtude tanto da mata presente, quanto da topografia acidentada da região, foi necessário realizar adequações no projeto dos cabos de vento. As ancoragens foram posicionadas o
mais próximo possível do alinhamento com as torres, porém afastadas do alinhamento ideal, o que resultou em 35 e 30 m, nas extremidades norte e sul, respectivamente, de extensão do deck
sem protensão dos cabos de vento via windstays.
Após alterações nos decks das extremidades para compensar a falta de rigidez, obteve-se uma geometria satisfatória para as condições de carregamentos possíveis, tornando o projeto ainda mais
singular com uma geometria completamente assimétrica.
De forma a avaliar as cargas de vento e a estabilidade da estrutura sob condições variáveis de vento, tanto em velocidade quanto direção de incidência, foram realizados testes em túnel de vento
conduzidos no laboratório da RWDI em Milton Keynes, Inglaterra, através de um modelo em escala reduzida da topografia local e da ponte pênsil.
Na fase de engenharia, a Vale enxergou a necessidade de trazer uma empresa especialista em projetos de pontes e conhecimento em cabos especiais para dar assessoramento técnico durante o projeto, avaliando o projeto de engenharia e dando apoio técnico durante a montagem. A RMG, empresa especializada em projetos e consultoria de obras em estruturas metálicas, acompanhou o projeto desde o início do desenvolvimento de engenharia até o final da construção, tendo contribuído para assegurar a qualidade e confiabilidade do projeto em todas essas etapas.

IMPLANTAÇÃO
Durante o processo de contratação, a Vale levou ao mercado dois pacotes de contratação: obras civis, incluindo as fundações da ponte, contenções, drenagens; e obras eletromecânicas, incluindo
a montagem da ponte pênsil e demais instalações eletromecânicas e do projeto.
A empresa Civil Master foi contemplada com o pacote civil, em novembro de 2016. Entre os aspectos mais complexos da obra civil destaca-se a necessidade de locação dos chumbadores dentro
de tolerâncias milimétricas, de forma a permitir a instalação adequada do sistema de cabos, cujos comprimento eram definidos em fábrica.
A importância da locação correta dos blocos também definia o alinhamento da ponte com a estrutura existente. Ao final, foram observados desvios máximos de 3 mm na locação dos pontos de
trabalho dos olhais das placas de ancoragem em relação ao projeto, resultado considerado altamente satisfatório. Outra dificuldade a destacar foi construir o grande número e comprimento de estacas em um prazo apertado, em partes durante o período chuvoso.
Para o pacote de montagem eletromecânica, existia uma preocupação da mineradora acerca dos riscos e restrições do projeto. Como era vedado acesso ao vale, toda a construção da ponte deveria ser dar de forma aérea, por meio de teleféricos para manuseio de cargas e pessoas. Dessa forma, como premissa básica colocada para os proponentes durante a contratação, relacionou-se: 1) vedado acesso ao vale; 2) vedada utilização de teleférico para movimentação de cargas e pessoas de forma concomitante; 3) a proponente deverá possuir em seu quadro técnico ou fazer parcerias profissionais com experiência comprovada no manuseio de cabos especiais.
A Milplan, empresa de construção e montagem eletromecânica, e a Bolbi, empresa de movimentação de cargas, formaram uma parceria e foram contempladas com o pacote de montagem eletromecânica.

ETAPAS
A metodologia de montagem da ponte pênsil foi planejada e executada em oito etapas. Na etapa 1 as torres norte e sul foram montadas inclinadas, apoiadas por um cavalete. Durante a montagem das torres foi utilizado um guindaste de 300 t para sua verticalização, um guindaste de 120 t para movimentação e posicionamento da escora telescópica, e uma plataforma elevatória de pessoas para a instalação do pino de conexão da torre e escora e estabilização do conjunto.
Os cabos backstay, com comprimentos de 53,5 m e 43,5 m, para os lados norte e sul, respectivamente, foram primeiramente desbobinadas em solo e a ponta a ser instalada nos olhais no topo das torres içadas com guindaste. A ponta oposta, inferior, foram trazidas até a instalação nos seus blocos de ancoram com o auxílio de tirfor. Devido a inclinação das torres, foi possível a instalação dos backstay envolvendo baixos esforços.
Na fase 2, foi feita instalação do teleférico e, em seguida, foi feita dos cabos principais, e dos grampos e desviadores.
Nessa etapa, iniciavam-se os trabalhos em altura com pessoas dentro da plataforma no teleférico. A plataforma possuía uma capacidade para até 6 pessoas e até 12 conjuntos de grampos. O grampo tinha peso aproximado de 150 kg e foram instalados com o auxílio de uma talha e um dispositivo especial desenvolvidos para seu manuseio pela Milplan/Bolbi.
A instalação era feita em duas frentes: cabos leste e oeste. Ao todo foram instalados 76 grampos nos cabos principais e 32 para os cabos de vento. Durante essa etapa, com o intuito de atender o prazo do projeto, a obra iniciou regime de trabalho de 24 horas.
Na quinta etapa, foi realizada a instalação dos pendurais (hangers) e estabilizadores de vento (windstays). Os pendurais foram instalados nos seus respectivos grampos, através de manilhas. Era imprescindível a correta identificação da sua posição, pois cada um dos 76 pendurais possuía comprimento único, não tendo dispositivos que permitissem um ajuste de comprimento.
Na fase 6 ocorreu o lançamento do deck, com comprimento de 280 m, composto por 21 segmentos, de comprimento médio de 14,4 m. Um teleférico central de carga, com capacidade de carga líquida de 7,5 t, foi responsável por lançar os segmentos até sua posição final. Dois teleféricos laterais para pessoas aguardavam o posicionamento do deck em lançamento, para então conectar as manilhas inferiores dos pendurais nos olhais do deck.
Essa configuração de trabalho independente de içamento de cargas e pessoas permitiu que a atividade transcorresse com tranquilidade e total segurança.
A partir da instalação do primeiro deck no centro da ponte, os demais decks foram sendo lançados alternadamente até as extremidades, dando forma à ponte.
Após a instalação dos decks, na fase 7, era necessário remanejar as extremidades dos cabos de vento até então instaladas provisoriamente no topo das torres, para as suas ancoragens em solo.
Essa atividade, considerada como uma das mais críticas da obra, ocorreu com sucesso, através de um conjunto de guinchos, que abaixavam o cabo de vento e outro que os puxava lateralmente até permitir a conexão na sua ancoragem.
O processo de tensionamento foi feito através da instalação de macacos hidráulicos nos três cabos, em cada ponta, até ser atingida uma força de 72 t em cada cabo, dando rigidez lateral à estrutura.
Por último, realizou-se os ajustes nos para se chegar a tensão final desejada nos cabos de vento. Foram feitas as instalações dos decks da extremidade, apoiados em solo, a instalação da cobertura,
das proteções laterais e demais componentes pendentes, bem como passagem da correia.
Em março do ano passado, a ponte estaiada entrou em operação.
Foram 2 anos e 4 meses necessários para a de nição de uma solução, desenvolvimento de engenharia, fabricação e fornecimento das estruturas, construção civil e montagem eletromecânica.
Vão de 302 metros
Torres de 30 metros de altura
Altura de 60 metros do chão
Deck de 4 metros de largura
Cabos com 5 km comprimento
Peso total de 355 toneladas
Capacidade de 3.600 ton/h
Ponte pênsil no Complexo de Mariana (MG) da Vale
Projeto e fornecimento: TMSA
Coordenação técnica: Smartsteel
Projetista: Cowi
Cabos especiais: Bridon
Estrutura das torres e deck: Bridon
Obras civis: Civil Master
Montagem eletromecânica: Milplan
Metodologia de montagem: Bolbi
Assessoria técnica: RMG
Pontes treliçadas: Tecnometal
Projeto de infraestrutura e simulação 3D: EPC
Está matéria foi produzida a partir do trabalho “Uma ponte pênsil como alternativa para a reconstrução de um transportador de correia”, redigido por Álvaro Nacif de Carvalho, José Geraldo Júnior, João Carlos Passos Rezende, Carolina Galvão Fidelis e Marcelo Menezes, apresentado no X Workshop Opex 2019 de Redução de Custos na Mina e na Planta e premiado no 21º
Prêmio de Excelência da Indústria Minero-Metalúrgica 2019, em maio passado. Ambos os eventos foram realizados pela revista Minérios & Minerales, que pertence ao mesmo grupo editorial da revista O Empreiteiro.
Como Supervisor de Montagens industriais mesmo aposentado, causa emoções ao ver esta obra de tão
grandioso porte.
Verdade Manuel. Como Engenheiro Civil que trabalhei em obra de infraestrutura de grande porte – Transposição do Rio São Francisco – digo o mesmo: este tipo de obra “causa emoções”…
Excelente, hoje em dia podemos fazer varias coisas com o cabo de aço. Ta ai um exemplo, gostei deste conteúdo deste site, achei bem legal. https://www.amegaloja.com.br/construcao-e-ferragens/cabos-de-aco
Excelente matéria, gosto muito de engenharia. E esses chumbadores também são muito importantes para esse setor. Por isso é sempre bom ficar antenado nas inovações tecnológicas. Aqui também tem um conteúdo legal para quem não sabe ou quer se aprofundar no assunto o que é chumbadores: https://www.amegaloja.com.br/fixacao/chumbadores