Cidade terá cinco vezes mais recursos do que Londres para a infraestrutura e serviços de apoio
José Sérgio Rocha – Rio de Janeiro (RJ)
O Rio de Janeiro receberá R$ 53,2 bilhões, em investimentos diretos e indiretos, de acordo com a consultoria PriceWaterhouseCoopers, para realizar a Olimpíada de 2016 – cinco vezes mais do que o total de verbas destinadas aos Jogos de Londres, que se iniciam em 25 de julho próximo. A região da Barra da Tijuca, que hospedará os atletas e concentrará a maior parte das competições, já se transformou num imenso canteiro de obras e uma situação inusitada surgiu: ao mesmo tempo em que reclamam do caos no trânsito, os moradores sonham com os benefícios que virão. Dezenas de favelas deverão ser desapropriadas e três novas rodovias vão cortar o bairro — distante do centro do Rio e que no passado recente esteve a ponto de virar município.
Com as linhas de BRT Transoeste (pronta em julho de 2012), a Transcarioca (obras iniciadas em 2011) e a Transolímpica (que sai da prancheta este mês), além da linha 4 do metrô (prevista de ser entregue antes dos Jogos), a Barra se integrará finalmente ao restante da cidade. Mas pagará por isso. Sua população, hoje de 350 mil habitantes, em poucos anos duplicará. O valor dos imóveis subirá ainda mais.
UMA COMUNIDADE À ESPERA
DO “BOTA ABAIXO”
Dependendo de quem dá informação, o número de comunidades – eufemismo carioca para as favelas – que serão desapropriadas com a construção dos grandes corredores expressos de ônibus (os BRTs, sigla de Bus Rapid Transit) pode ser 20 ou 30, apenas nas áreas limítrofes dessas novas vias. Dentre essas comunidades, a Vila Autódromo é a que tem chamado mais a atenção da mídia porque tem como limites os muros do Autódromo Nelson Piquet. Ambos deixarão de existir. O autódromo e a comunidade de 900 famílias desaparecerão para dar lugar ao Parque Olímpico.
A placa na entrada da favela informa que o lugar é habitado por gente pacífica – cerca de 3 mil adultos e crianças. O líder comunitário Altair Antunes Guimarães não acredita que sejam apenas 20 ou 30 favelas cariocas ameaçadas de desapropriação por conta dos Jogos Olímpicos. Pelos cálculos que fez, seriam 119.
Inalva Mendes, também da Associação dos Moradores, Pescadores e Amigos da Vila Autódromo, perguntada sobre as obras do parque, respondeu que, para ela e seus vizinhos, o que está a caminho é o reassentamento, “como pagamento pelas obras que serão feitas. Ou seja, os espaços que hoje são de comunidades como a nossa, amanhã serão dos condomínios privados”.
No entorno do Parque Aquático Maria Lenk, que integra o complexo olímpico do Rio 2016, um apartamento de R$ 90 mil passou a custar R$ 270 mil depois dos Jogos Panamericanos de 1997. Outro morador, Isair, conta que “nada disso (aponta os prédios próximos) existia. Isso aqui era uma zona abandonada. Depois do Pan surgiram vários condomínios de luxo. É por isso que querem nos tirar e tirar nossas crianças daqui”.
A ideia, pelo que souberam os habitantes da Vila Autódromo, é abrigar as 900 famílias num terreno não muito distante, a cerca de 3 km. Seria, segundo outro morador, talvez uma solução aceita pelos habitantes da Vila Autódromo, “se realmente fosse essa a intenção das autoridades”. O morador nos levou ao local, de dimensões inferiores ao terreno que a Vila Autódromo ocupa. O destino final da comunidade – conforme boatos – seria outro terreno, este sim, bem amplo, em Vargem Grande, porém, bem distante dali.
“Se nos mandarem para lá, vai ser um horror. Vamos ficar muito longe dos nossos empregos e sem a condução farta que temos”, lamenta Isair.
O professor e historiador Luiz Antônio Simas, um estudioso da ocupação urbana do Rio de Janeiro, compreende as razões dos moradores da Vila Autódromo. “Faltou combinar com a população. O discurso que hoje se faz em relação às obras necessárias à realização das Olimpíadas é muito semelhante ao discurso do ‘bota abaixo’. O ‘bota abaixo’, que também ficou conhecido pelo slogan ‘O Rio civiliza-se’, foi a reforma urbana empreendida no início do século XX pelo prefeito Pereira Passos, que também consistiu no projeto sanitário do médico Oswaldo Cruz. Milhares de pessoas foram desalojadas à força e obrigadas a morar nos morros e na periferia”.
Boas ou não as intenções, fantásticos ou excelentes os resultados, o erro das autoridades na época, de acordo com Simas, foi chegar com o projeto e passar por cima do povo carioca, seduzindo-o apenas com a ideia da modernização.
“O Rio de Janeiro é muito mais complexo do que esses projetos fazem imaginar. No tempo do prefeito Pereira Passos e do médico sanitarista Oswaldo Cruz, o que se pretendia fazer no Rio seria provavelmente uma Paris tropical. Agora, nosso modelo é Barcelona. Sempre essa história de escolher paradigmas europeus. Querem fazer uma grande cidade, mas uma cidade para merecer esse adjetivo tem que ser considerada grande por seus moradores. Transformar o Rio de Janeiro num mero balneário de grandes eventos é nossa vocação? O Rio é muito mais do que isso. Já produzimos aqui uma cultura própria. Não precisamos importar”, prossegue o professor e historiador.
Fonte: Padrão