O início da obra, segundo o governo, deve acontecer em janeiro do ano que vem e o investimento previsto é de R$ 4,39 bilhões, sob o modelo de Parceria Público-Privada (PPP). O projeto pode enfrentar, entretanto, problemas técnicos na transposição da Serra do Mar, conforme alerta geólogo
Joás Ferreira
Com anos de atraso, incontáveis e frequentes congestionamentos nos finais de semana e feriados, grandes transtornos e muitos prejuízos causados, o governo do Estado de São Paulo, finalmente, anuncia um cronograma preliminar para a concessão da Rodovia dos Tamoios (SP 99), principal ligação entre o Vale do Paraíba e o porto de São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba. |
A concessão possibilitará, além da duplicação da rodovia, a construção de uma nova pista ascendente no trecho de serra e de contornos rodoviários para acesso a Caraguatatuba e ao porto de São Sebastião, através da rodovia Rio-Santos (SP 55).
Hoje, a ligação feita pela SP 55 é inadequada, pois passa pelas áreas urbanas de Caraguatatuba e São Sebastião, com interferências de semáforos, lombadas, pontos de parada de ônibus e de travessia de pedestres, o que compromete o tempo e a segurança das viagens e dos usuários. As obras, segundo o governo, atenderão tanto ao potencial turístico como à demanda econômica da região, em função da exploração de petróleo e gás na Bacia de Santos e dos projetos de expansão do porto de São Sebastião.
Concessão via PPP
Os estudos de modelagens do projeto estão em andamento, valendo-se de várias frentes de trabalho. Uma para elaboração de estudos técnicos de engenharia e estudos econômico-financeiros, a cargo da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e do Departamento de Estrada de Rodagem (DER-SP). A agência também elabora as minutas do edital e do contrato de concessão, enquanto a Secretaria Estadual da Fazenda estuda as definições de garantias ao poder privado.
O DER realizará audiências públicas para debater o projeto com a sociedade e servir de base para o licenciamento ambiental do empreendimento. Em julho, será debatido o Contorno Sul (de Caraguatatuba). Em setembro, haverá audiência para o trecho de planalto, enquanto que em outubro será a vez do Contorno Norte (de São Sebastião e acesso ao Porto de São Sebastião). Ainda em outubro, a minuta do edital de concessão deverá ser submetida à consulta pública.
Custos e prazo
Atualmente, o trecho de planalto da Rodovia dos Tamoios, que compreende 54,4 km de extensão, será inteiramente duplicado. Já o trecho de serra (com 21,4 km) será remodelado e as duas pistas somente operarão no sentido descendente. A subida será feita por uma nova pista dupla a ser construída no trecho de serra, totalizando 17,6 km de extensão.
O prazo para a duplicação do trecho de planalto é de 42 meses e a construção da pista ascendente deverá ser concluída em 48 meses. Os investimentos em ambos os trechos somam R$ 2,726 bilhões – sendo R$ 2,260 bilhões referentes às obras e o restante a desapropriações, compensação ambiental, interferências, projetos executivos e gerenciamento.
Contornos viários
O contorno viário de Caraguatatuba (trecho Sul) terá 21,4 km de extensão e prazo de construç&at
ilde;o de 36 meses. O investimento no trecho será de R$ 448 milhões em obras e R$ 144 milhões em desapropriações, compensação ambiental, interferências, projetos executivos e gerenciamento.
Já o Contorno Viário de São Sebastião (trecho Norte), que dará acesso ao porto, será construído em 36 meses, com investimentos em obras da ordem de R$ 824 milhões e outros R$ 249 milhões em desapropriações, compensação ambiental, interferências, projetos executivos e gerenciamento.
O desafio da Serra do Mar
Mas, a questão da duplicação da rodovia dos Tamoios não pode ser encarada apenas sob os pontos de vista político, econômico e administrativo, pois, a região por onde ela passa, em especial o trecho da Serra do Mar, apresenta conformação e constituição, topográfica e geológica, complicadas que sempre foram um empecilho para a sua transposição, conforme lembra o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, que estuda o assunto há muitos anos. “Desde o descobrimento do Brasil e o início da colonização de seu território sudeste, a Serra do Mar apresentou-se como formidável barreira à penetração dos colonizadores para o interior do País e ao escoamento de riquezas para o litoral portuário”, diz ele.
“Pelas informações de que disponho, em relação à concepção do projeto de duplicação da rodovia dos Tamoios, fico extremamente satisfeito pelo fato de que o projeto deverá atender ao conceito proposto por geólogos e engenheiros geotécnicos brasileiros, no sentido de privilegiar o desenvolvimento do traçado em túneis e viadutos como expediente geotécnico para se evitar os cortes e aterros nas encostas, que já são naturalmente instáveis”, comenta.
Esse novo patamar tecnológico para obras viárias em regiões serranas tropicais, como a Serra do Mar, de acordo com o geólogo, “foi consagrado a partir da rodovia dos Imigrantes. Hoje, para satisfação dos profissionais que, como eu, defendem esse conceito de projeto, as novas transposições viárias na região serrana do Sudeste, como a duplicação da Tamoios, da Dutra na Serra das Araras, e da rodovia Rio-Teresópolis na Serra dos Órgãos, estão adotando integralmente esse conceito. Beneficiados serão o País, a sociedade brasileira e, particularmente, os usuários dessas estradas”.
Em seu livro “A Grande Barreira da Serra do Mar” (Editora O Nome da Rosa), o geólogo defende que, com a construção da rodovia dos Imigrantes, especialmente no que se refere à pista descendente, foi implantado no País um novo paradigma de engenharia para obras viárias em regiões serranas tropicais. “O expediente técnico utilizado para não se tocar nas encostas instáveis foi privilegiar os túneis e viadutos. Hoje, com o sucesso desse novo paradigma, não se pode mais aceitar que as estradas na Serra do Mar, como as que vêm sendo anunciadas, cometam os absurdos erros do passado”, afirma Álvaro.
Ele lembra que a Engenharia brasileira já está convencida de que, para bem vencer desafios de ordem geológica e geotécnica, precisa progredir nos conhecimentos sobre o comportamento das encostas da serra, entre os quais os deslizamentos, desmoronamentos e corridas de lama. “Essa foi uma compreensão importantíssima do problema, pois possibilitou a migração da anterior postura de ‘vencer a serra a qualquer custo’ para uma atitude mais inteligente e superior de ‘entender e respeitar a serra’”, explica o geólogo.
Esse melhor entendimento do comportamento geológico e geotécnico da Serra do Mar, segundo ele, deve-se em grande parte à Geologia de Engenharia e à Engenharia Geotécnica, e é possível afirmar que os trágicos episódios de escorregamentos ocorridos em 1966 e 1967, na Serra das Araras (RJ) e em Caraguatatuba (SP), constituíram o principal ponto de partida para se aprofundar esses conhecimentos. Marco especial disso foi o histórico feito técnico-científico de geólogos do Instituto de Pesquisas Tecnológicos (IPT), em 1976, com a descoberta da correlação entre histórico pluviométrico e escorregamentos na Serra do Mar.
A ocorrência de escorregamentos está relacionada à conjunção de diversos fatores, como pluviosidade, declividade e forma das encostas, características geológicas, grau e tipo de interferências humanas, entre outros. No caso das estradas que atravessam regiões serranas tropicais, como a Serra do Mar, por exemplo, onde os escorregamentos são parte integrante de seu comportamento geológico natural, deve ser considerado que, até antes da rodovia dos Imigrantes, se adotou generalizadamente a temerária concepção de estrada encaixada por cortes nas encostas. Essa concepção de projeto se mostrou desastrosa e foi usada, por muito tempo, em estradas como Via Anchieta, Rio-Santos, Via Dutra, Tamoios, Mogi-Bertioga etc.
Construída pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), fazendo a ligação entre as cidades de São José dos Campos e Caraguatatuba, a Estrada dos Tamoios (SP-99) foi pavimentada em 1957, durante o governo Jânio Quadros, usando-se o método denominado mixed in place, popularmente conhecido como “virado paulista”.
A pavimentação solucionou os problemas de excesso de pó e lama que, aliados à neblina constante, eram causa de graves acidentes. Em épocas de chuva, antes do asfalto, a estrada era praticamente intransitável. O tempo de viagem de São Paulo a Caraguatatuba variava de 6 a 12 horas.
Em 1967, Caraguatatuba foi vítima de uma catástrofe – um mar de lama que desceu pela encosta e destruiu o trecho em serra, causou inúmeras vítimas fatais na cidade, sendo necessária a reconstrução da rodovia. Essas obras, então realizadas já com moderna tecnologia e traçado, foram objeto de grande concentração de recursos técnicos, principalmente na contenção e drenagem das encostas.
Em 1970, o DER executou melhoramentos de traçado (planta e perfil), entre São José dos Campos e Paraibuna. Com a inundação provocada pelo enchimento da Barragem Paraibuna-Paraitinga e o consequente prejuízo ao trecho de Paraibuna até o alto da serra, a reconstrução da rodovia ficou a cargo da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), sob a coordenação do DER.