Equipamentos modernos complementam atividades de controle, identificando parâmetros importantes das barragens de rejeitos, como níveis de enchimento, compactação dos resíduos, volume e peso do material armazenado
Guilherme Arruda*
Nos últimos anos houve evolução expressiva dos métodos de geofísica aplicados na investigação de áreas submersas, sobretudo em relação às tecnologias acústicas de alta potência que, utilizadas na área de mineração, podem identificar possíveis anomalias durante as fases de construção, uso e monitoramento de barragens de rejeitos.
Em uma primeira fase, os processos geofísicos contribuem para os estudos de caracterização da natureza geológica da área onde o projeto será implantado, fornecendo informações relevantes para a avaliação da viabilidade do empreendimento, como os ensaios de refração sísmica realizados na superfície da terra, que podem mostrar falhas e relevos suscetíveis.
Na parte de monitoramento, os aparelhos sonoros analisam com detalhes as camadas de sedimentos acumulados na barragem, parâmetros importantes para determinar o volume e o peso da estrutura e as capacidades de expansão (alteamento). “A partir deles (métodos geofísicos) é possível obter a velocidade de propagação do som nos diferentes materiais geológicos que compõem o terreno investigado, um critério fundamental para o dimensionamento das estruturas a serem implantadas”, explica o geólogo Luiz Antonio Pereira de Souza, do Centro de Tecnologias Geoambientais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo (SP).
Souza, que atua na área de Geofísica Aplicada à Investigação de Ambientes Submersos, ressalta que os produtos dos ensaios permitem mensurar a evolução do processo de acúmulo de sedimentos na bacia da lagoa de decantação, assim como avaliar se o processo de enchimento da barragem evolui conforme previsto no projeto original. “Em certo momento, o responsável pelo empreendimento poderá concluir se a lagoa de decantação atingiu o máximo de sua capacidade, determinando a interrupção do processo de lançamento de resíduos e a construção de uma nova bacia de decantação”, afirma Souza.
Quando a lagoa de decantação encontra-se coberta por lama e água, o método geofísico empregado é o de perfilagem sísmica contínua, que consiste no uso de equipamentos acústicos instalados em uma embarcação de pequeno porte. A navegação ocorre em várias direções de um lado ao outro da lagoa, possibilitando a determinação da espessura dos estratos sedimentares acumulados ao longo dos anos.
Segundo o pesquisador, atualmente, existem equipamentos eficientes de perfilagem sísmica contínua, que podem identificar e analisar camadas de sedimentos com menos de 10 cm de espessura. Esses dados são utilizados para elaboração de gráficos, que podem ilustrar espaços vazios, fugas de água e como o corpo da barragem está se alterando ao longo do tempo. Ele reforça que os níveis e históricos de enchimento são extremamente vitais para a operação e segurança dessas estruturas.
“A perfilagem sísmica contínua baseia-se também no princípio da reflexão das ondas acústicas e constitui-se num método indireto de investigação de áreas submersas rasas (entre 100 m – 150 m de profundidade). Esse processo utiliza espectros de baixa frequência (abaixo de 10 Khz) o que possibilita a penetração do sinal na superfície de fundo, identificando a espessura das camadas de sedimentos não consolidados”, explica.
Um desses equipamentos é o sistema Meridata, fabricado na Finlândia e que mostra nitidamente o material acumulado na barragem, sob ponto de vista da resolução e da penetração, com a utilização de três fontes acústicas que atuam simultaneamente (pinger 24kHz, chirp 2-8kHz e boomer 0,5-2kHz). O sistema de aquisição de dados é composto basicamente de uma fonte repetitiva de sinais sísmicos com características específicas para atuar no meio líquido, um sistema de recepção do sinal sísmico (hidrofones), que são rebocados na superfície da água, e um sistema de gravação, processamento e impressão dos dados, que é instalado no interior da embarcação.
O engenheiro civil Ruben José Ramos Cardia, diretor da RJC Engenharia, ressalta que o monitoramento deve contemplar um conjunto de ensaios, que inclui, além dos testes de sondagem sônica, inspeção visual e subaquática e o uso de câmaras fotográficas térmicas. “Atualmente tem merecido destaque o uso de métodos geofísicos (auxiliar à instrumentação de auscultação e complementar para inspeções visuais). Temos também o monitoramento de condições subterrâneas por energia infravermelha, com visão térmica, sensores termográficos, fibra ótica e/ou tomografia (3D)”, expõe Cardia.
O monitoramento visual pode ser feito com fotografias estacionárias (repetidas sempre em um mesmo ponto), as quais podem ser feitas inclusive na forma aérea, com a utilização de drones. Outro equipamento importante para análise do comportamento das barragens é o piezômetro, que determina as pressões intersticiais e/ou de percolação (deslocamento da água através do solo), permitindo a avaliação do fluxo com uma estimativa do mapa potenciométrico.
“O surgimento de vazões de água (e as pressões correspondentes ao fluxo subterrâneo) deve ser monitorado com medidores de vazão, medidores de nível d’água (para determinação da linha freática) e piezômetros. Logicamente, devem ser obtidas amostras de água (de montante e da surgência) para análises químicas, ao menos de turbidez”, completa Cardia.
IPT já atuou em projeto de recuperação de barragem
Recentemente, o IPT atuou na recuperação de uma barragem de mineração em Poços de Caldas (MG). Na ocasião, foi identificada, por meio de ensaios de refração sísmica, uma área mais suscetível no terreno de entorno do reservatório, que após um projeto de engenharia, recebeu enxertos de concreto para reforço.
“O IPT possui um corpo técnico de alta capacitação e equipamentos geofísicos de última geração, para a realização de ensaios geofísicos tanto no corpo da barragem quanto na área submersa. Isso permite gerar um conjunto de dados que contribui efetivamente para a maior segurança das barragens”, completa Souza.
O instituto foi solicitado a contribuir com o grupo de estudo da Secretaria de Energia e Mineração de São Paulo, que irá verificar as barragens de mineração que operam no Estado. O grupo irá visitar as 21 barragens de mineração, analisando os paramentos e se a lei está sendo cumprida. O estudo será apresentado aos órgãos federais, como o DNPM, responsável pela fiscalização.
Barragens: rejeitos x hidrelétricas
Para o engenheiro Ruben José Ramos Cardia, da RJC Engenharia, a barragem de rejeitos possui um maior grau de complexidade, em relação à segurança, quando comparada com as estruturas para geração de energia (hidrelétricas) e abastecimento de água. Isso porque, a barragem de rejeito envolve a integração de diferentes tipos de materiais com o corpo da estrutura de contenção, e comumente são feitas obras de alteamento – que aumentam a altura do reservatório, visando incrementar a sua capacidade de armazenamento.
“O grande teste de resistência, nas barragens com água, é integral por ocasião do primeiro enchimento. Já para as barragens de rejeito, cada alteamento representa um novo e maior risco (com o aumento de altura e de carga) para a segurança”, afirma Cardia.
O engenheiro diz que todo projeto deve ser cuidadoso, mas a construção do alteamento é um dos pontos mais críticos. Ele lembra que deve existir apoio de monitoramento, para garantir que as condições existentes permitam a elevação do aterro.
“Uma barragem de rejeito precisa de todos os cuidados possíveis para sua segurança. Desde um projeto adequado, por projetista experiente, passando por construção, alteamento cuidadoso por construtora capacitada nesse tipo de obra, depois sendo garantido o monitoramento apropriado às condições dessa obra em particular, para que seja possível a aplicação de eventuais atividades de manutenção, reparo e reforço. Logicamente, não deve ser excedida a capacidade de projeto, e as condições previstas devem ser executadas de maneira correta, sem economia indesejada”, comenta.
Na mesma linha, Fabio De Gennaro Castro, consultor e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, afirma que a construção de uma barragem de rejeitos minerais ou industrial deve contemplar um conjunto de atividades. Ele ressalta que a segurança deveria ser incorporada com um valor cultural e praticada harmonicamente por todos os envolvidos.
“A segurança é um objetivo a ser permanentemente alcançado, começando pela obtenção de dados básicos para elaboração do projeto, pela forma de contratação das obras, pelo acompanhamento por uma junta de consultores independentes, se o risco envolvido for grande até a fase operativa, e mesmo um possível descomissionamento da estrutura”, completa.
Barragens no Brasil |
• 14.966 barragens cadastradas |
• 89% para uso múltiplo de água |
• 5% contenção de rejeitos de mineração |
• 4% geração de energia |
• 2% contenção de resíduos industriais |
Legislação e fiscalização
A lei 12.334 de 2010, que determina a Política Nacional de Segurança de Barragens, que criou, dentre outras coisas, o Sistema Nacional de Informações de Segurança de Barragens (SNISB), definiu os procedimentos a serem seguidos pelos técnicos do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) durante a fiscalização das barragens de rejeito. O controle se faz pela a análise processual, na qual se avaliam os aspectos documentais, de atendimento à legislação vigente e vistoria de campo, que envolve a realização de verificação in loco de diversos aspectos referentes à operação, manutenção, monitoramento, e de segurança.
No entanto, a legislação não especifica quais ensaios e tecnologias devem ser utilizadas no controle das barragens. Somado a isso, o baixo número de fiscais compromete o trabalho de fiscalização e aplicação das leis – o DNPM conta com 200 técnicos especialistas para realizar o controle de todas as barragens de contenção de rejeitos. – de acordo com a própria direção do departamento, o número é insuficiente para atender todas as estruturas.
As barragens são classificadas pelos agentes fiscalizadores por categoria de risco, dano potencial associado e volume, com base em critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). A classificação por categoria de risco em alto, médio ou baixo é feita em função das características técnicas, do estado de conservação do empreendimento e do atendimento ao Plano de Segurança da Barragem.
Para especialistas ouvidos pela revista Minérios & Minerales a legislação e fiscalização tem que acompanhar o desenvolvimento das tecnologias e dos ensaios técnicos dessas estruturas. “O descompasso entre a adequação das leis e a velocidade do surgimento e aprimoramento das soluções é um dos principais gargalos. Na parte de monitoramento, os regulamentos não preveem alguns ensaios até porque alguns equipamentos foram lançados no ano passado”, comenta Luiz Antonio Pereira de Souza, do Centro de Tecnologias Geoambientais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Para o engenheiro Ruben José Ramos, da RJC Engenharia, não está na finalidade da lei (ou da regulamentação) prever o uso de equipamentos ou metodologias, isso normalmente é do conhecimento geral em normas (guidelines) e no estado-da-arte e/ou no estado-da-prática.
“A legislação não é falha. Ela é simplesmente nova e ainda não está adequadamente utilizada. A lei é apenas um documento, que deve ter seu uso explicado na regulamentação (a qual ainda está em desenvolvimento). A fiscalização normalmente é insuficiente, seja por falta de verbas, seja por falta de pessoal, seja por falta de experiência em emergências, ainda mais tendo em vista o grande número de estruturas de rejeitos existentes”, comenta.
Após a tragédia de Mariana (MG), uma comissão do Senado irá revisar a legislação de segurança de barragens, com o objetivo de avaliar a Política Nacional da Segurança de Barragens e do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens. O DPMN também anunciou que precisa rever toda a normatização da área e contratar novos consultores para auxiliar no estudo em relação às barragens de mineração. Nesse sentido, e em conjunto com Agência Nacional de Águas (ANA), o órgão solicitou a participação dos empreendedores de barragens de mineração a participar da pesquisa destinada a elaboração do Relatório de Segurança de Barragens (RSB) 2015 – o prazo para envio das informações se encerrou em 20 de dezembro.
O DNPM relaciona 602 barragens de rejeitos minerais – porém, somente 397 delas estão enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Dessas, 218 (duzentos e dezessete) localizam-se no estado de Minas Gerais. Em 2014, foram vistoriadas 141 estruturas.
Número de barragens de rejeitos de mineração no Brasil (por Estado e Criticidade) | ||||
Estado | Baixo Risco | Médio Risco | Alto Risco | Total |
Amazonas | 2 | 11 | 13 | |
Amapá | 3 | 1 | 4 | |
Bahia | 9 | 1 | 10 | |
Goiás | 10 | 1 | 11 | |
Maranhão | 1 | 1 | 2 | |
Minas Gerais | 212 | 2 | 4 | 218 |
Mato Grosso do Sul | 15 | 2 | 17 | |
Mato Grosso | 21 | 1 | 1 | 23 |
Pará | 49 | 8 | 57 | |
Paraná | 2 | 2 | 4 | |
Rio de Janeiro | 1 | 1 | ||
Roraima | 6 | 6 | ||
Santa Catarina | 3 | 1 | 4 | |
Sergipe | 2 | 2 | ||
São Paulo | 16 | 6 | 22 | |
Tocantins | 3 | 3 | ||
Total | 353 | 18 | 26 | 397 |
Fonte: Revista O Empreiteiro