Eclusas gigantescas tomam forma, no esforço global para atender à data de 2014 e concluir a expansão do canal, ao custo de US$ 5 bilhões. Matéria cedida com exclusividade pela Engineering News Record para a revista O Empreiteiro
Numa vala de dimensões ciclópicas, equipamentos, pesadas armaduras e milhares de trabalhadores de muitos países trabalham lado a lado. O Canal do Panamá, uma das obras épicas de engenharia da era moderna, está ingressando numa nova etapa, modificando sua fisionomia construída em 1914. O conjunto de eclusas, orçado em US$ 3,1 bilhões dentro do complexo de obras no total de US$ 5 bilhões, está adquirindo sua forma característica, à medida que uma força de trabalho internacional continua lidando com difíceis condições de geologia, logística e execução.
“O progresso é visível, à medida que as equipes seguem a curva do aprendizado”, diz Geraldo Delrio, gerente de construção da CH2M Hill, contratada pela Autoridade do Canal do Panamá (ACP). O objetivo é assegurar a vida útil de 100 anos prevista pelos projetos de engenharia.
A conclusão da escavação massiva estava prevista para fim de 2012. A seguir, o foco estará nas obras de concreto durante 2013, seguido pela montagem eletromecânica, informa Delrio. O consórcio responsável pelo trabalho de projeto+construção, Grupo Unidos por El Canal (UPC), está empenhado em recuperar um atraso de 6 meses provocado por problemas na produção das misturas do concreto.
Ao final de junho passado, 24 milhões m3 de escavação haviam sido feitos, restando ainda outros 9,8 milhões m3. O último dos quatro projetos de dragagem no lado do Pacífico do canal está em fase de conclusão, segundo Jorge Quijano, administrador executivo da ACP. Isso torna a construção das eclusas a derradeira etapa importante a ser feita. “Isso depende de um alto volume de concreto a ser produzido”, diz ele.
O consórcio UPC vai ganhar um bônus de US$ 50 milhões se concluir os trabalhos antes do prazo. Em compensação, a multa é de US$ 300 mil por dia de atraso, até um valor máximo de US$ 54,6 milhões. Depois que as eclusas prontas forem testadas e aceitas, o UPC terá um contrato de manutenção de US$ 40 milhões por três anos.
Serviços de escavação movimentam mais de 30 milhões m³
A complexidade da obra ultrapassa em muito a mera produção de concreto. Só o transporte dos equipamentos até o local e sua manutenção posterior já representam dificuldades. “Estamos num país sem grandes recursos em equipamentos; quase tudo precisa ser importado”, diz Greg Ohrn, engenheiro de garantia de qualidade da ACP. A logística é um obstáculo permanente, como na concretagem das câmaras das eclusas – três em cada lado, medindo 427 m de extensão, 55 m de largura e 18 m de profundidade. Como transportar materiais, compactar o concreto, deslocar equipamentos até lá embaixo – tudo gira em torno de logística, diz Ohrn.
Um conjunto de caminhões, barcaças, correias transportadoras, pilhas de estoque, britadores e máquinas de gelo dão apoio a duas plantas de concreto, que operam 24 horas por dia, seis dias por semana. Oito mil t de agregados são transportadas por barcaças a cada dia do lado do Pacífico das eclusas até o lado do Atlântico, seguindo depois por 60 caminhões. Um conjunto de britagem processa 3 mil t/hora de agregados, de material graúdo a areia fina, que são usados em diversos tipos de misturas de concreto, destinados a diferentes seções das eclusas.
Uma pedreira teve que ser estruturada porque nem toda rocha basáltica escavada do canal era adequada para o concreto — cuja produção chegará a 1,5 milhão m3 no total. Cada usina de concreto tem 10 balanças dedicadas para pesar os cinco tipos de agregados exigidos pelas especificações de concreto, aponta Alan Krause, executivo principal da MWH-Montgomery Watson Harza, projetista líder do consórcio. Dezesseis m3 de concreto são produzidos a cada cinco minutos pelas usinas e amostras são feitas ao longo do ciclo.
Cooperação global
“O canal original construído 100 anos atrás foi classificado como uma das maravilhas do mundo”, diz Krause. “Acreditamos que esta amplição do canal fará parte dessa mesma lista em algum momento”. A MWH, além de articular os trabalhos dos escritórios de Milão a Chicago e Buenos Aires, formou um consórcio com a Tetra Tech e Iv Groep, uma empresa holandesa. Krause revela que a equipe toda tem cerca de 400 profissionais — que representa a melhor experiência reunida das três empresas projetistas.
A preocupação inicial da Hill International, que atua como gestora do projeto para a entidade panamenha ACP, “era conseguir se comunicar efetivamente com os participantes multilinguísticos do projeto”, explica Frank Giunta, diretor-gerente da empresa gerenciadora. “Embora o idioma oficial do projeto seja o inglês, entramos em contato frequente com técnicos que falam espanhol, italiano, coreano — e diversos outros idiomas. Mas percebemos que a maioria deles domina inglês e espanhol”. Por motivo de segurança, a norma é comunicar-se por escrito.
A URS, dos Estados Unidos, está projetando um canal de quase 6,7 km para acesso de navegação, cuja margem oriental é formada por duas barragens que somam 4 km, com 30 m de altura, enquanto duas outras num total de 1,4 km constituem a margem ocidental. O sistema de barragens chamado Borinquen precisa resistir a intensos impactos de ondas, tráfego constante, o choque eventual de um navio post-Panamax e eventos sísmicos, afirma Lelio Mejia, gerente de projeto da empresa. Ensaios de campo incluem 1.500 sondagens já efetuadas, 150 novas sondagens e análise de um aterro experimental de 3 mil m³.
Para a belga Jan de Nul, membro do consórcio contratado ainda para dois contratos de dragagem, o desafio é a dimensão descomunal dos trabalhos. Segundo o diretor de obras Dirk Van Rompaey, os volumes são imensos, assim como os cuidados necessários. “E temos que garantir que o trabalho feito vai durar 100 anos através de ensaios, o que também toma tempo”.
Com dez tipos de materiais a ser escavados, estudos detalhados de solo foram conduzidos para se escolher os equipamentos mais adequados de escavação. Rampaey ressalta que um programa especial armazena e analisa os dados geológicos, construindo modelos 3D dos perfis de materiais. Isso permite calcular os volumes de cada material a ser removido. Os modelos 3D são usados também no local dos trabalhos para controle dos equipamentos. A
empresa mobilizou uma draga tipo silo com 30 mil m3 de capacidade — a 1ª embarcação tipo post-Panamax a operar na obra de amplicação do canal, cujo objetivo primordial é possibilitar a travessia de navios desse porte.
Trabalhos rigorosos de resgaste da fauna foram realizados. Os animais foram monitorados visualmente por câmeras, de dia e noite, para definir o tipo de armadilha a ser empregado para capturá-los. A fauna relocada reuniu 200 crocodilos, cobras, sapos, outros répteis e animais.
Entre as maiores eclusas do mundo
Krause, da MWH, aponta que as eclusas atuais gastam 52 milhões de galões de água em cada operação. Esse total aumentaria para 120 milhões de galões de água com as novas eclusas, de maiores dimensões, se as bacias de contenção não retivessem 60% desse volume. Com elas, o consumo das novas eclusas cai para 48 milhões de galões.
As 16 comportas medem até 10 m de largura, 30 m de altura e 58 m de comprimento, informa Michael Newbery, gerente de projeto da MWH, indicando que o edifício Empire State, de Nova York, poderia atravessar deitado uma dessas câmaras. “Acreditamos que são as mais complexas existentes. Há eclusas até maiores, mas que não operam nas mesmas condições”.
Uma série de câmaras e bacias controlará a água que flui do lago Gatun, incluindo 158 válvulas de diversos tamanhos, cuja instalação demandou 20 mil t de material estrutural. “Elas podem atuar em tempo que vai de um a cinco minutos — diz Newbery -, para atender às rigorosas exigências sobre o fluxo suave d’água dentro das câmaras. A turbulência pode elevar de forma arriscada a pressão incidente sobre os cascos dos navios.”
A eclusa mais pesada pesa 4 mil t e sua construção total nos lados do Atlântico e Pacífico vai consumir 190 mil t de aço, encomendado na sua maior parte do México. O aço precisa ser trazido sobre caminhões, estocado em armazéns e deslocado para instalação em estrutura de concreto densamente armado. Newbery lembra que foi uma decisão complexa escolher entre concreto de massa e armado; recaindo sobre este último a escolha final, empregando-se armadura de alta densidade. O reaterro das estruturas das eclusas sofre restrições em períodos de chuva, sendo o material sensível ao contato com água.
Quando as comportas das eclusas ficarem prontas na Itália, serão transportadas sobre barcaças até um ponto a 50 km da fábrica. Daí, um navio vai apanhá-las em conjunto de quatro para trazê-las para o Panamá. Cada comporta será colocada sobre um transportador multirrodas, controlado por computador, que vai descer até as câmaras secas das eclusas. O processo de instalação começa no início de 2013, quando cada comporta vai demorar alguns meses no deslocamento por mar e dois e três meses para a colocação na câmara. As eclusas serão testadas a seco em torno de março de 2014, em seguida com água, diz Quijano. Como em todos os aspectos desse projeto, os padrões serão rigorosos nos testes para que as eclusas sejam aceitas pela Autoridade do Canal do Panamá.
Fonte: Padrão