Encontra-se em mãos da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, desde fins do ano passado, carta do ministro Silas Rondeau, de Minas e Energia, dando conta da situação da energia brasileira diante da possibilidade do aumento da taxa de crescimento do País. O documento, respaldado por estudos técnicos pormenorizados, revela que a partir de 2010 a expansão do mercado exigirá a adição de 2.460 megawatts de energia firme a cada ano, para os primeiros cinco anos (2006 a 2010), e de um volume de 15.400 megawatts médios para o período de 2010 a 2015. A solução para garantir a energia necessária a um eventual ciclo de crescimento é a licitação, até dezembro, das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, que garantiriam a geração de 6.400 MW de potência instalada. Os estudos para a construção dessas obras, realizados a partir de 2001 por Furnas Centrais Elétricas, têm em vista projeto de aproveitamento múltiplo que prevê a ampliação da navegação ao longo do Madeira, incentivo à expansão da agroindústria, a criação de uma infra-estrutura para a exploração do ecoturismo e a integração das redes fluviais entre Brasil, Bolívia e Peru O presidente Lula da Silva referiu-se à necessidade da construção dessas usinas quando em campanha, no segundo turno das eleições, em Porto Velho. E Silas Rondeau assegurou que não deixará para o ano que vem a licitação das obras. Será? O fato é que das palavras à prática às vezes a distância é amazônica. De qualquer modo, Santo Antônio e Jirau constituem o primeiro teste efetivo às promessas do presidente na região. O segundo teste a que ele está sendo submetido é o da transposição do rio São Francisco. Aí as dificuldades são maiores. Além do componente técnico – a construção de 720 km de canais para levar a água do São Francisco para as áreas de seca dos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, que a engenharia não terá dificuldades para realizar – há o componente político e histórico, este último enraizado até a alma na tradição e na consciência da população ribeirinha. A idéia da transposição, difundida desde o Império, fragiliza-se no impacto com a realidade. Ao longo dos anos sacrificado pelo uso predatório intensivo e transformado, em suas margens, em canal de esgoto e de outros elementos poluidores, o rio da integração nacional e das características carrancas elaboradas, no começo do século passado, por Francisco Lafuente Biquiba Guarany, está encolhido e desfigurado. Mais de uma vez, ao visitar-lhe a foz, entre Alagoas e Sergipe, pude constatar: não é mais o velho Chico que chega ao mar, mas o mar que chega ao São Francisco e invade o seu espaço. Sem revitalização prévia, sem as obras de engenharia que evitem a descarga de esgoto e até de lixo hospitalar em suas águas, e sem outros cuidados de proteção ambiental para recuperá-lo, a transposição terá pela frente a maior concentração de forças contrárias de que se tem conhecimento na história brasileira. É que, entre tantas outras dúvidas, uma está implícita na pergunta do professor Aziz Ab Saber: “A quem serve a transposição?”.
Fonte: Estadão